Manchetes Socioambientais
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O trabalho do ISA no monitoramento de "pressões e ameaças" parte do entendimento de que "pressão" é um processo de degradação ambiental (desmatamento, roubo de madeireira, garimpos, incêndios florestais etc) que ocorre no interior de uma área legalmente protegida, como Terra Indígena, Território Quilombola e Unidade de Conservação, como Parques e Florestas Nacionais, levando a perdas de ativos e serviços socioambientais. Ou seja, "pressão" é um processo que pode levar à desestabilização legal e ambiental de determinada área protegida. Já "ameaça", por sua vez, é a existência de risco iminente de ocorrer alguma degradação ambiental no interior de uma área protegida.
Tomadas cumulativamente, as pressões e ameaças podem gerar impactos socioambientais negativos de magnitude e alcance suficientes para desencadear o colapso no funcionamento dos ecossistemas e dos modos de vida das populações locais - e impactos negativos nas cidades. Os povos indígenas e populações tradicionais, como comunidades quilombolas e ribeirinhas, são diretamente atingidos pelas pressões e ameaças por terem seus territórios invadidos, suas florestas desmatadas e seus rios desviados e contaminados.
Aqui no ISA, o trabalho de monitoramento das pressões e ameaças é feito por pesquisadores especializados em antropologia, direito socioambiental, modelagem de uso da terra e avaliação de políticas públicas. A equipe diretamente responsável pelo monitoramento de áreas protegidas do ISA atua na conexão entre pesquisadores, formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão. As áreas de atuação desse time abrangem o desenvolvimento de pesquisas científicas e aplicações em sistemas de informação geográfica e ferramentas de monitoramento da situação jurídica, demográfica e projetos governamentais que impactam as áreas protegidas.
O monitoramento de áreas protegidas do ISA possui conhecimento acumulado no monitoramento de pressões e ameaças desde a década de 1980 como um dos primeiros programas da sociedade civil no Brasil a construir uma plataforma organizada de sistemas de informação socioambiental, antes mesmo que setores governamentais. Esse trabalho iniciou-se no antigo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), em 1983, com o monitoramento de Terras Indígenas no Brasil. Em 1992, ainda no Cedi, foi iniciado o monitoramento das Unidades de Conservação na Amazônia e outras áreas públicas. Seu Sistema de Informação de Áreas Protegidas (SisArp) é um sistema Web com 15 módulos de dados por temas específicos, incluindo o módulo de pressões e ameaças. O SisArp alimenta sites institucionais que disponibilizam dados, mapas, imagens, vídeos, notícias, publicações e análises temáticas. Alguns sites estão listados abaixo, confira!
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Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
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A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
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Versão especial da Enciclopédia PIB para a educação infantil; |
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o primeiro produto web de referência neste tema, lançado em junho de 2007 |
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painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
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painel de informações sobre o estado das florestas e alertas de pressões e ameaças que impactam as áreas protegidas. |
Estado apresentou uma queda de 37% nos focos de calor registrados em janeiro de 2025 em comparação com o mesmo período de 2024
Roraima apresentou uma queda de 37% nos focos de calor registrados em janeiro de 2025 em comparação com o mesmo período de 2024. O número de focos de calor caiu de 604 para 384, conforme o monitoramento do Programa Queimadas do do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
A quantidade de chuva dobrou em relação à média observada entre 1923 e 2024. A média de precipitação de chuva para o mês de janeiro em Boa Vista é de 30,9 mm, porém, a cidade fechou o primeiro mês do ano com 63,3 mm. Os dados constam em boletim da Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh) elaborado em 31 de janeiro.
“As chuvas ocorreram não só na capital, mas em todo o estado. Consequentemente, contribuíram para diminuição de focos de calor junto às ações do Comitê de Queimadas”, explicou Ramón Alves, meteorologista da Femarh.
Mesmo com a queda, o Estado ainda é o segundo com mais focos de calor do Brasil, ficando atrás apenas do Maranhão que teve 434 registros. Além disso, os cinco municípios com mais detecções de focos de calor em janeiro estão em Roraima.
Normandia (63), Pacaraima (60), Rorainópolis (39), Caroebe (33) e Uiramutã (33) foram os municípios com mais focos de calor. Bonfim (29) aparece em sexto e Iracema (26) em nono. Os outros três municípios que completam o top 10 pertencem ao Pará e Maranhão, sendo Monte Alegre (31) em sexto, Prainha (28) em oitavo e Amapá do Maranhão (25) em décimo.
Relembre:
Megaincêndios em florestas de Roraima podem causar desastre ambiental
De acordo com o gerente de operações da Defesa Civil de Roraima, tenente-coronel Leonardo Menezes, os municípios de Bonfim e Normandia têm sido os mais atingidos pelo fogo, exigindo maior atuação por parte do Corpo de Bombeiras. Além do combate ao fogo, a Corporação tem usado a prevenção através de palestras e orientações aos moradores do interior.
“Pacaraima, que faz fronteira com a Venezuela, tem um bioma diferente. Possui uma vegetação que propicia o fogo. Mas é importante pontuar que focos de calor não significam que há fogo. Muitas vezes observamos um calor de fogo no nosso painel e quando chegamos no local é uma pedra que está muito quente. Pacaraima é uma região serrana com muita pedra, então não necessariamente é fogo”, disse Menezes.
‘Questão de saúde pública’
Na estiagem do ano passado, a capital Boa Vista ficou encoberta por fumaça em vários dias de fevereiro, o que fez moradores de Boa Vista sofrerem com altos picos de insalubridade na qualidade do ar. Roças e casas em Terras Indígenas de outros municípios também foram destruídas pelo fogo.
Segundo a delegada de Proteção ao Meio Ambiente, Maryssa Batista, a perícia do Corpo de Bombeiros concluiu que 80% dos casos de incêndio de 2024 foram criminosos. No entanto, apenas 10 denúncias foram formalizadas em uma delegacia.
“A perícia do Corpo de Bombeiros concluiu que cerca de 80% dos incêndios são criminosos, mas há dificuldade em encontrar os autores deste tipo de crime por falta de testemunhas ou imagens que possibilitem identificar suspeitos, principalmente quando ocorrem em municípios distantes da capital”, explicou.
Por outro lado, Batista afirmou que em janeiro de 2025 já foram registradas cinco denúncias sobre incêndios. A delegada acredita que existe receio da população em se indispor com vizinhos, mas que também falta entendimento da gravidade dos crimes ambientais.
“Eu acho que há uma inibição, mas acredito que também há ideia do ‘não é problema meu’, quando, na verdade, é um problema de todos nós. Afeta o meio ambiente, a biodiversidade, mas também é uma questão de saúde pública. Falta consciência das pessoas de que é uma responsabilidade nossa”, afirmou.
O crime de queimadas sem autorização pode ser punido com prisão de dois a quatro anos, segundo Batista. Ela apela para que a população formalize as denúncias, que podem ser feitas em qualquer delegacia, inclusive na Delegacia Virtual usando um computador ou celular, de forma anônima.
“Se o Ministério Público observa que a investigação da Polícia Civil tem provas o suficiente para identificar o culpado, então a Justiça é acionada. As pessoas acham que crimes ambientais não merecem preocupação, mas têm que se preocupar, sim, porque podem ser punidos como qualquer outro crime”, ponderou.
Rio Branco e o abastecimento de Roraima
Roraima possui apenas duas estações, chamadas de período seco (de outubro a março) e período chuvoso (de abril a setembro). Apesar disto, o estado registrou chuvas ao longo de de janeiro, o que fez com que o Rio Branco fechasse o mês a um nível de 1,44m. O nível mais baixo ao qual rio chegou no período foi o de 0,27m no dia 26.
Conforme explica o diretor comercial da Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (CAER) Cícero Batista, a empresa não prevê aumentos no consumo de água mesmo que a situação se intensifique. “O menor índice que operamos foi em -0,59m, ou seja, no negativo e mesmo assim operamos sem comprometer o abastecimento”, disse, descartando a possibilidade de racionamento ou falta de água.
Segundo o diretor comercial da CAER, bairros da zona Oeste de Boa Vista, como Senador Hélio Campos, sofrem com falta de água porque, já no início da estiagem, se perde 30% da capacidade de produção e há a necessidade de adequar as bombas para diminuir a produção. “Assim, a quantidade de produção de água para bairros específicos seja diminuída e algumas residências ficam sem a pressão de abastecimento ideal. O que faz a água às vezes chegar em mangueiras e torneiras baixas, mas não em toda a encanação”, disse.
Embora a situação esteja controlada em Boa Vista, municípios como Pacaraima, São Luiz e São João da Baliza devem ficar sem produção nas barragens nas primeiras semanas de fevereiro. As cidades serão abastecidas a partir de poços. Pacaraima deve ter o abastecimento feito através de caminhões pipa. A CAER deve fazer o transporte de Boa Vista até o município e distribuir a água.
“Nós não vamos fazer este abastecimento na encanação de cada casa, mas os cidadãos que necessitarem precisam manter recipientes em frente às suas residências para enchermos quando o caminhão passar. Não há cobrança adicional”, afirmou Batista.
No período mais severo da estiagem de 2024, em meados de março, o nível do Rio Branco chegou a -0,39m. A situação chegou a comprometer 30% do abastecimento em Boa Vista e 70% em Mucajaí.
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Instituto Raoni e Atix alertam em nota para impactos da pavimentação da rodovia e cobram condução federal do licenciamento
Em nota conjunta divulgada nesta quarta-feira (29/01), o Instituto Raoni e a Associação Terra Indígena do Xingu (Atix) defenderam que o licenciamento ambiental da pavimentação da rodovia estadual MT-322 seja conduzido pelo Ibama e pela Funai, garantindo a escuta das comunidades indígenas e a realização de estudos de impactos socioambientais.
O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), por outro lado, declarou durante encontro com lideranças Kayapó, na semana passada, querer que o processo fique sob responsabilidade da Secretaria de Meio Ambiente do estado (SEMA/MT) para agilizar as obras.
No entanto, a estrada atravessa Terras Indígenas, como Capoto-Jarina e o Território Indígena do Xingu, o que exige a condução federal do processo de licenciamento. Também, a pavimentação da MT-322 pode favorecer a expansão do agronegócio e atrair atividades ilegais, como invasões e roubo de madeira.
O Instituto Raoni e a Atix destacam que não se opõem ao asfaltamento, mas exigem respeito aos direitos indígenas e às leis ambientais. “O governo estadual não solicitou autorização ao Ibama para manutenção da via, mas agora quer acelerar o asfaltamento sem considerar os impactos ambientais e sociais”, apontam no texto.
A nota foi divulgada após a repercussão de reunião no dia 20 de janeiro entre lideranças indígenas, incluindo o Cacique Raoni, com o governador de Mato Grosso. A publicação de fotos e declarações pelo governo estadual gerou mal-estar entre os indígenas.
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Ação criminosa no Vale do Paraíba aconteceu na noite de sexta-feira (10/01) e tirou a vida de duas pessoas
O Redário repudia a ação de extrema violência e pede providências para investigação e punição dos autores do ataque contra o Assentamento Olga Benário, em Tremembé/SP, na noite do último dia 10 de janeiro.
Homens fortemente armados invadiram o assentamento em vários carros e motos, atirando contra as pessoas.
Entre as vítimas está Valdir do Nascimento de Jesus (Valdirzão), agroflorestor, coletor de sementes nativas e restaurador da Rede de Sementes do Vale do Paraíba.
Além da punição dos autores e diante da violência e premeditação do ataque, é urgente que as autoridades garantam a segurança dos assentados na região e suas famílias.
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Organizações denunciam transações sem consulta que impactam a vida nas aldeias na fronteira Brasil-Colômbia: "viramos vigias da floresta"
O cotidiano dos povos Tukano, Kotiria (Wanano), Desano, Tariano, Piratapuia e outros que habitam o rio Uaupés e afluentes, na Terra Indígena (TI) Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, foi impactado pela contrato de venda de créditos de carbono realizado entre comunidades indígenas colombianas e a empresa suíça South Pole. Considerada uma das maiores consultorias do mercado de carbono, a empresa acumula em seu portfólio o polêmico projeto Kariba, no Zimbábue, que foi objeto de uma série de denúncias de jornais internacionais pela falta de transparência e repasses injustos de recursos às comunidades africanas.
Quatro associações indígenas brasileiras dos rios Uaupés e Papuri relataram ao Instituto Socioambiental (ISA) a insegurança que estão enfrentando desde que os “parentes colombianos” fecharam acordo de créditos de carbono na fronteira na região da Cabeça do Cachorro, no Noroeste Amazônico. Drones voando em cima das comunidades, das roças, das áreas de pesca e da floresta no entorno virou algo tão comum quanto o voo das aves amazônicas.
“As comunidades começaram já a reclamar em 2022 que tinha muito drone, que estavam fiscalizando eles. Isso é o que eles não conseguiam entender: o que eram esses drones e por que estavam fazendo essa fiscalização?”, questionou uma liderança Tukano da Associação das Mulheres Indígenas do Distrito de Iauaretê (Amidi), que atua há mais de 20 anos na defesa da cultura e do território indígena na região do Médio Rio Uaupés, na fronteira entre Brasil e Colômbia.
Medo e desinformação na fronteira
Os indígenas, inicialmente, não sabiam o motivo dos drones sobrevoarem a região. Medo e boatos de que poderiam ser narcotraficantes ou guerrilheiros se espalharam. Depois, foi descoberto que os drones eram da empresa South Pole, que estava fiscalizando as comunidades indígenas com o intuito de averiguar se a floresta vinha sendo queimada para a abertura de roças — prática milenar para a subsistência das comunidades. As roças indígenas rionegrinas compõe o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro (SATRN), que são inclusive Patrimônio Cultural Imaterial tombado pelo Iphan.
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As lideranças brasileiras contaram que nunca houve nenhuma comunicação oficial das associações colombianas, da empresa South Pole ou do governo colombiano sobre os projetos de carbono na fronteira. O problema se acentuou quando os indígenas colombianos passaram a invadir as áreas de roça do lado brasileiro, pois estão impedidos de plantar e levar seu modo tradicional de vida. “Os parentes colombianos nos falaram que agora são vigias da floresta. Não podem mais fazer roças e recebem dinheiro para comprar seus alimentos de fora”, comentou um dos líderes Kotiria, da Associação das Comunidades Indígenas do Rio Waupés Acima (Acirwa).
Liderança Kotiria da Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Uaupés (Amiaru), disse que em sua comunidade as pessoas começaram a acreditar que seriam expulsas. “Primeiro, eu fiquei com muito medo. Uns falavam que iam tirar as nossas casas da comunidade”. A liderança contou que após participarem de algumas assembleias e reuniões convocadas pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) sobre o tema, com a presença de advogados, a comunidade ficou mais tranquila e ciente dos seus direitos. “Do lado brasileiro, não vamos assinar nada sem consulta livre, prévia e informada”, enfatizou a representante da Amiaru, fazendo menção ao Protocolo de Consulta dos Povos Indígenas do Rio Negro.
Falta de transparência
O processo de negociação entre empresa e indígenas colombianos ocorreu sem transparência e consulta às comunidades, segundo as lideranças brasileiras e a escuta feita pelo jurídico da Foirn na região. “Tudo foi feito sem diálogo comunitário, apenas com negociações envolvendo algumas famílias”, comentou o advogado da Foirn. As lideranças brasileiras informam que indígenas colombianos estão preocupados com o futuro das comunidades, já que não podem mais fazer suas roças e o recurso recebido também não é suficiente para o sustento. “O que sabemos é que o contrato não foi bom para os parentes colombianos e alguns estão arrependidos”, informou a liderança da Acirwa.
“As maiores comunidades colombianas que estão invadindo as áreas de roça brasileiras são Ibacaba, São Joaquim e Igarapé Inambu. Já no Alto Papuri, são as comunidades de Santa Maria, Los Angeles e Acaricuara que estão vindo fazer roça no lado brasileiro”, explicou a liderança Tukano da Associação das Comunidades Indígenas Alto Rio Papuri (Aciarp).
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Na comunidade colombiana de Ibacaba, uma das envolvidas na transação de créditos de carbono, os indígenas da etnia Kotiria não podem mais fazer roças. Acordos antigos entre Kotirias do Brasil e da Colômbia de uso dos territórios tradicionais para fazer roças, não estão mais vigorando. Assim, nascem conflitos e incertezas quanto ao futuro das comunidades e a permanência da população, já que os contratos são de longo prazo, segundo as lideranças indígenas. “Os nossos antepassados trabalhavam bem juntos, mas agora essa situação de carbono está atrapalhando. Os colombianos também são Kotirias, falam a mesma língua que nós. Vivemos na mesma cultura”, lamentou o representante da Acirwa.
As comunidades indígenas brasileiras na fronteira com a Colômbia afirmam que a negociação de carbono realizada junto às comunidades colombianas nos rios Uaupés e Papuri trouxe um tremendo impacto negativo para o modo de vida indígena. A roça é mais do que o sustento alimentar, está na base da cultura indígena. Sem roça, não há vida na comunidade. Para os brasileiros, é preciso que haja um diálogo transparente entre as autoridades brasileiras e colombianas sobre os projetos de carbono nas terras indígenas fronteiriças.
“Para cada comunidade colombiana chegou um motor e uma voadeira quando eles negociaram o contrato. Essas voadeiras e motores eram para eles fazerem a articulação na área. Depois receberam motosserra, tanque de água, placas solares, baterias. Esses são os materiais que eles receberam. Por isso, ficamos preocupados. Se os colombianos vão continuar a trabalhar desta forma com as empresas, isso poderá acontecer com a gente. As empresas são desobedientes, elas podem entrar na parte do Brasil e querer trabalhar assim. Na minha visão temos que nos defender e termos uma posição clara”, alertou o líder Tukano da Aciarp.
Nesta região da fronteira Brasil-Colômbia o trânsito entre indígenas é livre e o uso dos territórios indígenas em ambos os lados é regido por acordos comunitários entre povos que falam a mesma língua e possuem a mesma cultura, como é o caso dos Kotiria e dos Tukano. Há muitos anos, a convivência entre os indígenas brasileiros e colombianos nesta região é pacífica e com amplo intercâmbio.
Cowboys do carbono
Especialistas no mercado de carbono, como o Instituto Talanoa de Política Climática, alertam para o crescente número de projetos conflituosos, oriundos de negociações que envolvem empresas emergentes apelidadas de “cowboys do carbono”. De acordo com apuração do departamento jurídico da Foirn, federação indígena que representa as associações de base da região, a empresa South Pole é a responsável pelo projeto que vem causando impacto negativo nestas comunidades, denominado “Proyecto REDD + de Los Pueblos Indígenas del Vaupés Yutucu e Otros.
A empresa suíça South Pole está envolvida em uma das maiores polêmicas sobre negociação de créditos de carbono junto a comunidades tradicionais, no projeto Kariba, no Zimbábue, como noticiou o jornal britânico The Guardian em março deste ano. Estima-se que o projeto Kariba tenha arrecadado mais de 100 milhões de euros desde 2011, mas as comunidades envolvidas não se beneficiaram de forma justa dos recursos. Denúncias também foram feitas pela agência de jornalismo investigativo Follow the Money, pelo principal jornal alemão, Die Ziet e pela revista The New Yorker.
Amazônia colombiana
Na Amazônia colombiana, a South Pole desenvolve três projetos de REDD + nos departamentos do Uaupés (Vaupés ou Waupés) e do Amazonas, sendo dois deles registrados e validados na plataforma de certificação Verra, de acordo com o Diagnóstico de Projetos REDD+ na Amazônia Colombiana, feita pelo Instituto Amazónico de Investigaciones Cientificas, da Colômbia.
Este documento revela que a South Pole desenvolve o maior projeto de REDD+ na Colômbia, desenvolvido em outra área preservada, na região do Putumayo. Este projeto tem vigência de 30 anos e incide em uma área de 3.824.920 hectares, equivalente a 65,62% da área da reserva.
Já o projeto Yucutu e Outros, que vem impactando as comunidades indígenas brasileiras na TI Alto Rio Negro, tem vigência de 20 anos e abrange uma área de 850.062 hectares, o que equivale a 21,69% da área da Grande Reserva do Vaupés, na Colômbia, segundo o diagnóstico mencionado acima. A área de impacto do projeto engloba 74 comunidades indígenas colombianas.
A soma da área dos projetos implementados pelo South Pole na Colômbia chega a 4.806.513 hectares, o que equivale a 9,94% da área da Amazônia colombiana e 20% da área disponível para REDD+ nas suas reservas. Este número coloca a South Pole como a maior implementadora de projetos de REDD+ nas reservas amazônicas colombianas, conforme aponta o Instituto Amazónico.
O mercado voluntário de carbono teve uma rápida expansão na Colômbia e segundo dados da Plataforma Renare - Registro Nacional de Reducción de Emisiones y Remoción de GEI (Gases do Efeito Estufa), existe um total de 51 projetos de REDD+ na Amazônia colombiana, sendo nove já em fase de implementação, conclui o Diagnóstico sobre projetos de REDD+ na Colômbia.
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Para tudo
Diante de denúncias de violações de direitos e da desconfiança sobre a veracidade dos projetos locais de carbono, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério Público Federal (MPF) posicionaram-se com recomendações claras para que as comunidades brasileiras não fechem contratos até que haja a definição de critérios e orientações para a inserção das Terras Indígenas no mercado de carbono.
A pergunta importante a ser feita é: os projetos locais de carbono são de fato soluções para o combate às mudanças climáticas ou apenas mera maquiagem verde (greenwashing) para enriquecer oportunistas?
“Para tanto, será necessário considerar as salvaguardas, os riscos envolvidos, as estruturas de governança, a segurança jurídica, os potenciais benefícios para os povos indígenas e, sobretudo, a contribuição destes projetos para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas”, escreveu a Funai em nota oficial em abril deste ano.
Já em agosto passado, o MPF expediu recomendação para que fossem suspensas todas as operações, contratos e tratativas em andamento no tema de crédito de carbono e no modelo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), que incidem nos territórios indígenas e tradicionais, com ou sem regularização fundiária definitiva, no estado do Amazonas.
“O documento recomendou que a comercialização de créditos carbono, no Brasil ou no exterior, seja suspensa. Tal informação deve ser encaminhada para todos os atores envolvidos nas tratativas e negociações em andamento, já iniciadas ou finalizadas – desde comunitários, lideranças, empresas e instituições nacionais ou internacionais –, para ciência e adoção das medidas recomendadas”, noticiou o MPF em seu site oficial. No entanto, o Conselho Nacional do Ministério Público, em setembro passado, solicitou por liminar que houvesse a suspensão da recomendação do MPF do Amazonas afirmando que tal medida extrapola suas atribuições.
O ISA entrou em contato com a empresa South Pole para ter informações sobre o projeto, mas não recebeu retorno até o fechamento desta publicação
* Os nomes das lideranças indígenas entrevistadas não foram mencionados por medida de proteção à fonte
Saiba mais sobre o tema com a série de vídeos sobre o mercado de carbono, realizada pelo ISA.
E acompanhe os episódios do boletim de áudio "Vozes do Clima", do ISA, que tem o objetivo de levar informações a povos indígenas e quilombolas e comunidades tradicionais sobre os temas relacionados à pauta climática.
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COP29 torna-se um termômetro de responsabilidade, expondo a resposta global à crise climática
Artigo publicado originalmente no site da Mídia Ninja, em 13/11/2024
Delegações de todos os países se preparam para ir a Baku, Azerbaijão, onde começará, logo mais, a 29ª conferência da ONU (COP-29) sobre mudanças climáticas. Não há grande expectativa sobre resultados dessa reunião. Espera-se a presença de poucos chefes de Estado, já que muitos, inclusive o presidente Lula, estarão numa reunião do G-20. A COP-29 acontecerá sob o impacto da eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA, o segundo maior emissor atual de gases do efeito estufa, cuja concentração excessiva na atmosfera provoca o aumento da temperatura média na superfície da Terra, o aquecimento global.
Esperava-se que houvesse, na COP-29, avanços na questão do financiamento climático, com a destinação de recursos significativos, pelos países mais ricos, aos mais pobres, para enfrentarem os impactos das mudanças no clima. Porém, com a eleição de Trump, é provável que os EUA se retirem, novamente, das negociações internacionais e é improvável que se disponham a isso.
Mas ainda se espera que a COP-29 venha a ser um espaço de preparação para a COP-30, que ocorrerá em Belém, Pará, em novembro de 2025, quando já se terá conhecimento da atualização dos compromissos (NDCs) de cada país para reduzirem as suas emissões, que deverão ser formalmente apresentados até fevereiro do ano que vem.
Porém, antes mesmo das eleições nos EUA, os sinais disponíveis sobre a elaboração, pelos governos dos países que mais emitem, das suas novas propostas de corte de emissões ‒ as chamadas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs, na sigla em inglês) ‒ já apontavam para um grau de compromisso muito aquém do necessário para conter o aumento da temperatura em 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais. Com a eleição de Trump e a provável omissão dos EUA, outras nações tendem a avançar menos, ainda, do que pretendiam. É o pretexto que faltava para quem já não quer assumir responsabilidades.
Situação limite
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática foi assinada pelos chefes de estado em 1992, no Rio de Janeiro. Há mais de 30 anos, portanto, o mundo reconhece o problema, suas causas e caminhos de solução. Nesse tempo, a mudança do clima deixou de ser previsão científica para se tornar um problema imediato, com a ocorrência mais frequente e intensa de eventos climáticos extremos, como secas agudas e furacões devastadores, ondas de calor e incêndios florestais, derretimento de geleiras e aumento do nível dos oceanos.
Os dois últimos anos foram particularmente trágicos, no mundo todo. Estudos científicos recentes mostram redução da disponibilidade de água doce, perda crescente de safras agrícolas, recursos pesqueiros e extrativistas, dificuldades e custos adicionais para o abastecimento das cidades e a geração de energia. Os cientistas apontam a perda de umidade das florestas tropicais. A Amazônia está emitindo mais do que absorvendo carbono. Os oceanos, usinas gigantes de produção de oxigênio, estão se tornando emissores gigantes de metano, oriundo da decomposição das espécies vegetais e animais mais sensíveis ao aumento da temperatura das águas, como ocorre nas formações de corais.
A morosidade nas negociações internacionais, a falta de vontade política dos governos, a omissão em iniciar um processo de redução das emissões nesses 30 anos, a destinação prioritária de recursos para fins bélicos ou predatórios, como os subsídios aos combustíveis fósseis, nos trouxeram a essa situação emergencial. Com o agravamento sistêmico da crise, o custo social, econômico e ecológico de cada ano de embromação aumentará em velocidade geométrica.
Sendo assim, é imprescindível avançar na organização e mobilização da sociedade civil, dos cientistas, dos comunicadores e influencers e dos movimentos sociais rurais e urbanos, para aumentar o seu poder de pressão sobre empresas e tomadores de decisões, inclusive durante as negociações internacionais. Do contrário, a irresponsabilidade será fatal.
‘Responsômetro'
Para orientar essa pressão, seria bom convencionar um parâmetro para medir a responsabilidade de cada país para enfrentar a emergência climática. Existe o parâmetro das NDCs e da aferição do grau de cumprimento das metas nelas assumidas. Mas elas são declarações voluntárias, não são proporcionais e não formam um sistema objetivo e, mesmo na hipótese do seu cumprimento integral, não garantem a reversão da emergência. As NDCs ajudam no posicionamento estratégico dos governos e servem, no tempo, para avaliar o cumprimento de metas, mas viram tempestade de areia nos olhos dos cidadãos quanto a vislumbrar soluções.
A essa altura, o parâmetro geral deve ser a salvação da civilização e da vida. Por exemplo, zerar as emissões por queima de combustíveis fósseis até 2050 e reflorestar mais do que desmatar. A meta de cada país seria a sua parte nesse total, devendo cumprir 20% dela a cada cinco anos. Tudo o que for aquém disso vira dívida com a humanidade, e o que for além vira bônus. Daí daria para se extrair um ranking de credores e de devedores, e para se pensar em consequências, como a obrigação de contribuir para fundos de adaptação, ou prioridade de acesso a eles.
Há como cobrar, mas não há como obrigar os inadimplentes a pagar. Mas o “responsômetro” serviria como instrumento de pressão, permanente e cumulativo. A atualização periódica do ranking deveria ser amplamente divulgada, ensejando estratégias de comunicação, inclusive com operações de guerrilha virtual no caso de governos autoritários.
Fundos para reconstrução e adaptação devem ser priorizados pela sociedade civil. Pode ser que o “responsômetro” não seja efetivo para alimentá-los, mas, o que houver, deve se destinar aos países e populações mais vulneráveis. Os territórios coletivos e os assentamentos rurais e urbanos, e as condições de sobrevivência dos seus habitantes, devem ser prioridade absoluta, pelo potencial de articular mitigação e adaptação, e prestar serviços socioambientais e climáticos para o bem de todos.
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Análise de Raisg divulgada pela Aliança Noramazônica, da qual o ISA faz parte, indica que áreas com maior conectividade estão em territórios indígenas
A perda de conectividade ambiental, social e cultural na Amazônia como um todo está fragilizando a floresta e dificultando sua capacidade de resiliência. É o que aponta o estudo “Efeitos de uma Amazônia Fragmentada na Biodiversidade Regional: Análise do Estado de Conectividade Ecológica a nível pan-amazônico”, apresentado na COP 16, em Cali, na Colômbia, nesta segunda-feira (21/10).
Baixe o estudo e confira os principais pontos
O encontro “Amazônia conectada ecologicamente, socialmente e culturalmente - A maneira mais efetiva de proteger a biodiversidade e assegurar a água no continente”, foi promovido pela Aliança Norte Amazônica (ANA) e a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg), ambas integradas pelo Instituto Socioambiental (ISA).
A análise aponta que, em 2022, 23% da Amazônia já perdeu completamente sua conectividade ecológica, enquanto que um 13% adicional apresentou uma degradação nessa condição. Essa desconexão fragiliza a floresta e dificulta seus processos de regeneração, contribuindo para os processos que levam ao ponto de não retorno.
A apresentação aconteceu no Banco do Ocidente, na chamada Zona Verde da COP 16, onde se reúnem as organizações da sociedade civil. Houve uma roda de conversa com indígenas, pesquisadores e representantes da sociedade civil.
Estavam na roda de conversa Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami; Fabio Valencia, representante da Instância de Coordenação Macro-território dos Jaguares de Yuruparí - Amazônia Colombiana; Martin von Hildebrand, Fundador de Gaia Amazonas; Silvia Gómez, coordenadora da Iniciativa Colômbia e Peru da Aliança pelo Clima e Uso da Terra (CLUA); Daniel Cadena, professor da Faculdade de Ciências - Universidade dos Andes - Colômbia; Harvey Locke, vice-presidente Nature Positive União Internacional para a Conservação da Natureza. A apresentação do estudo foi feito por Carmem Josse, diretora-executiva da Fundação Ecociência.
O estudo aponta ainda que as perdas de conexão são menores em territórios indígenas, apontando como um dos exemplos positivos o Alto Rio Negro (AM), região onde povos de 23 etnias convivem.
Veja trechos das principais falas:
“Para nós indígenas, a Amazônia é terra ancestral. No meu território, o mundo inteiro reconhece, que a gente está sofrendo uma crise humanitária. E como que a gente fala sobre isso? Esse é um problema da sociedade não indígena, que está perturbando a vida da população Yanomami. O sistema de colonização continua para as populações indígenas.” - Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami
“Em toda a Amazônia, há um único valor intrínseco à vida, que é a natureza. Os processos coloniais não dão espaço ao diferente, à escuta com paciência. Não escutamos os povos indígenas e outros povos tradicionais que entendem que somos todos parte da natureza.” - Martin von Hildebrand, Fundador de Gaia Amazonas
“Temos o conceito de conectividade como condição para os sistemas de suporte à vida. Graças aos conhecimentos da biodiversidade, esses povos e comunidades promovem sistemas de suporte à vida e mantêm as florestas vivas. É impossível termos a conexão ambiental sem a conectividade social e cultural. Então precisamos fortalecer o sistema de articulação de atores pela defesa desses territórios.” - Felipe Samper, equipe de coordenação da ANA
“O trânsito de processos ecológicos é essencial para a resiliência da floresta. Com a perda da conectividade, a maioria das espécies não pode usar esses espaços para se mover. Observamos que nos territórios indígenas a perda da conectividade é menor. Para melhorar a conectividade precisamos da restauração e assegurar os direitos dos povos indígenas a seu território.” - Carmem Josse, diretora-executiva da Fundação Ecociência.
“A esperança está nas mulheres indígenas, que encarnam o cuidado com a vida. As mulheres indígenas são inspiração com princípios implícitos e explícitos que promovem a biodiversidade. São guardiãs da biodiversidade e transmissoras de conhecimento que promovem a soberania alimentar e mantêm a floresta em pé.” - Silvia Gómez, coordenadora da Iniciativa Colômbia e Peru da Aliança pelo Clima e Uso da Terra (CLUA)
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Autoridades prestaram contas e escutaram demandas durante fórum de lideranças, que exigiu avanços na proteção territorial, saúde e educação
Lideranças de toda a Terra Indígena Yanomami se reuniram por cinco dias na comunidade Fuduuwaaduinha, em Auaris, para o V Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana. Integrantes do Governo Federal foram convidados ao evento para prestar contas da atuação durante a emergência e ouvir os indígenas sobre o que ainda precisa ser feito. Ao final, uma carta dos Yanomami e Ye’kwana foi enviada às autoridades.
“Ainda dormimos preocupados pensando: “como a floresta vai se recuperar”? É o que colocamos para vocês sonharem, para discutirmos isso em nossa próxima reunião. Queremos que vocês pensem na recuperação de nossas florestas, porque nós, povos originários, somos a floresta”, diz trecho do documento assinado por nove associações da Terra Indígena Yanomami.
A reunião, com 284 participantes, ocorreu um ano e 10 meses após Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarar situação de emergência no território. À época, o presidente recém-empossado visitou a Casa de Apoio à Saúde Indígena Yanomami (Casai), em Boa Vista, e demonstrou choque com os casos de desnutrição, explosão de malária e massiva invasão de garimpeiros.
“Aqui estamos vendo o resultado do papel da autoridade. Vamos limpar nosso rio, é prioridade. A terra não vai curar. É fácil estragar, mas consertar é difícil. Precisamos que este dinheiro seja gasto certo, não apenas em horas de voo, estamos morando em um só planeta. Em 2025 precisamos continuar a limpar nossa terra”, disse Davi Kopenawa aos representantes do governo federal.
O governo afirmou que 77% dos garimpeiros invasores já foram expulsos e se comprometeu a continuar com operações para manter o controle e remover os garimpeiros insistentes. A Saúde apresenta dados que mostram diminuição do número de óbitos em comparação a 2023, e da letalidade por doenças evitáveis, mas admite a dificuldade em controlar a malária em regiões mais próximas aos locais explorados pelos garimpeiros ilegais.
No entanto, o Fórum não é apenas um local de promoção das ações, portanto, os representantes do governo foram submetidos a questionamentos das lideranças e escutaram relatos sobre o que ainda precisam melhorar.
O ponto-chave para os indígenas é que o governo, embora se esforce, ainda precisa aprender a conversar com os povos tradicionais para entender que as ações do Estado precisam andar em conjunto com a manutenção dos saberes tradicionais e os modos de vidas das comunidades.
“Com a vinda dos representantes do governo, temos a expectativa que vai haver um esforço para entender o que nós queremos que o governo faça sobre o nosso território e quais são os órgãos fiscalizadores em que podemos confiar”, resumiu Maurício Ye’kwana um dos anfitriões do evento.
Quando os Yanomami e Ye’kwana construíram seu Protocolo de Consulta, em 2019, previram a criação do Fórum como um espaço para tomadas de decisões coletivas sobre ações e projetos a serem desenvolvidos na Terra Indígena Yanomami com a participação de lideranças, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e outros órgãos do governo federal. Em 2023, o governo participou pela primeira vez do evento, enquanto os três primeiros encontros foram ignorados pela gestão de Jair Bolsonaro.
“No IV Fórum, foi a primeira vez que o governo escutou os Yanomami. Aquele Fórum foi um momento de consulta. Tivemos reuniões com as lideranças e com as organizações para discutir o que a Funai estava planejando”, lembrou a presidenta da Funai, Joenia Wapichana.
Fuduuwaaduinha
A comunidade Fuduuwaaduinha, escolhida para sediar o Fórum neste ano, é o lar dos Ye’kwana e Sanoma. Nela, vivem ao menos duas grandes lideranças, Maurício Rocha e Júlio Ye’kwana, que se dividem entre lutar na cidade e coordenar o seu povo na floresta.
Maurício Ye’kwana é diretor da Hutukara Associação Yanomami, sendo o único Ye’kwana no corpo da diretoria. Júlio Ye’kwana é o presidente da Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume), que foi responsável pela organização do V Fórum.
“Os anciões nos orientaram a permanecer nesta comunidade. Historicamente é onde vivem os Ye’kwana e não pretendemos nos mudar. Aqui vive uma grande população e por isso escolhemos fazer o Fórum aqui”, explicou Júlio.
Para os visitantes que vivem em outras regiões, a organização e capacidade de manutenção da comunidade não só serviu de inspiração, como pode ser usada de argumento na defesa dos povos indígenas, defendeu a presidenta da Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK), Carlinha Lins.
“Eu tenho uma visão muito diferente do que os brancos costumam falar sobre nosso modo de vida. Nesta comunidade, eu vejo organização na roça, há muita comida, rios limpos e percebo que há uma harmonia no modo de viver da comunidade Fuduuwaaduinha”, comentou.
Situação na Venezuela
Além de casa de grandes líderes, a comunidade, localizada na região de Auaris, faz fronteira com a Venezuela. Lideranças Yanomami e Ye’kwana do país vizinho participaram do V Fórum e relataram não só a invasão de pescadores e garimpeiros, como a dificuldade de diálogo com o governo venezuelano que, desde 2008, não demarca territórios indígenas.
A Associação Kuyujane representa os Sanoma e Ye’kwana da Venezuela desde 1996. De acordo com Aiesha Lopez, secretário-geral da Kuyujane, professor e indígena Ye’kwana, é necessário mudar o cenário de destruição e desmatamento causados por garimpeiros na Venezuela. “Nós, Ye’kwana, vivemos junto aos Sanoma e já convocamos reuniões para tentar convencer a expulsar os invasores que fazem este tipo de atividade e destroem nossa terra”, disse.
Lavi Hernandez, Yanomami da Venezuela, afirmou que, dia após dia, assiste os familiares morrerem por diversos tipos de doenças. “Antes, não havia doenças. Então, chegaram os garimpeiros perto do nosso território e membros da comunidade saiam para visitar familiares de outras regiões. Quando voltavam, traziam doenças como tuberculose e diarreia”, relatou.
Os Yanomami, Ye’kwana e Sanoma da Venezuela afirmam que é necessário aprovar o Protocolo de Consulta que têm elaborado. No país vizinho, este é o primeiro passo para conseguir demarcar e proteger o território, no entanto, a quase duas décadas o governo não valida protocolos de consulta de povos indígenas e, consequentemente, não demarca terras.
Combate aos invasores
A Casa de Governo, criada para ser o ponto de comunicação do governo federal em Roraima para as ações na Terra Indígena Yanomami, afirma que toda a operação já causou um prejuízo de R$ 209 milhões ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. O valor inclui a destruição de máquinas, materiais de apoio logístico e aplicação de multas. Além disso, ao menos 46 pistas clandestinas foram destruídas. A maior parte estava fora da Terra Indígena Yanomami e era usada para dar apoio logístico à atividade criminosa.
“Até o dia 25 de setembro, chegamos a 1.900 ações. Todo dia saímos para campo. Destruímos mais de 800 motores, quase 100 mil litros de óleo diesel, cerca de 100 antenas Starlink e apreendemos e destruímos quase 90 toneladas de cassiterita”, afirmou o diretor da Casa de Governo, Nilton Tubino.
Tubino também explicou que há garimpeiros presos à atividade ilegal porque possuem dívidas com os financiadores, normalmente contraídas devido ao alto custo de transporte e dos preços exorbitantes praticados nas corrutelas e acampamentos. Um dos exemplos dados é o valor de um frango congelado na TIY, que chega a custar duas gramas de ouro (cada grama equivale a R$350).
“A Polícia Federal possui vários inquéritos desde 2022 e algumas decisões judiciais são recentes. Houve uma operação que prendeu fazendeiros e algumas pessoas com vínculo a um posto de gasolina. Não há um único grupo que financia, há várias pessoas que apoiam. Muita coisa [financiamento] é de Roraima mesmo, mas há conexões com o Pará. Há indícios de que recursos usados no garimpo ilegal nos Kayapó também chegaram até aqui [Terra Indígena Yanomami]”, disse Tubino ao Instituto Socioambiental (ISA).
O comportamento dos garimpeiros ilegais mudou durante as operações e eles passaram a explorar a floresta durante a noite, contou. Para combater esta estratégia, ele explicou que são usadas câmeras de monitoramento noturno, que ajudam a identificar onde ocorre a exploração.
Para Junior Hekurari, presidente da Urihi Associação Yanomami, as ações do governo permitem que os Yanomami voltem a acreditar que há solução para os problemas que os garimpeiros ilegais causaram na Terra Indígena Yanomami.
“Nós fomos massacrados e abandonados pelo governo anterior. Sobrevivemos sozinhos sem saúde, educação e nada na Terra Indígena Yanomami. O Bolsonaro incentivou os garimpeiros a invadirem a nossa terra e isso criou problemas sociais, rasgou a nossa terra e envenenou a nossa água. O atual governo está em uma grande operação, uma verdadeira força-tarefa, para retirar os invasores e cuidar dos problemas sociais”, enfatizou Hekurari.
Tubino declarou que a operação não só não acabou, como precisa da aproximação das associações para continuar a vigilância e assim evitar o reingresso de invasores e promover a expulsão dos que não querem sair. Além disso, ações de “pente fino” devem ocorrer, incluindo sobrevoos noturnos com apoio da Força Aérea e retorno constante aos pontos de garimpo já desativados.
“Nós estamos unidos e temos que falar com força. Trocamos ideias e escutamos sobre o trabalho. [Falando] para Tubino: estou contente, estava esperando este momento. Olhei de longe seu trabalho. Tenho orgulho e estou emocionado. Estamos trabalhando para salvar nossa terra mãe, a alma do rio”, disse Davi Kopenawa após ouvir a apresentação de Nilton Tubino.
Saúde
A Secretária Especial de Saúde Indígena (Sesai) afirmou que desde janeiro fez cerca de 120 mil exames de malária na Terra Indígena Yanomami, uma média de 20 mil por mês. Auaris é uma região que chama a atenção do governo pela dificuldade de controle da doença. Apesar disso, 10 indígenas morreram por malária somente neste ano.
Conforme a Sesai, a proximidade com garimpos da Venezuela e alta circulação de indígenas em visita a parentes são os principais fatores que dificultam o controle, embora especialistas afirmem que falta ao Distrito na região de Auaris intensificar o diagnóstico e tratamento precoce — medidas necessárias para a diminuição de casos de malária.
Já as regiões de Surucucu, Palimiu, Hakoma e Arataú são mais afetadas pela malária pela dificuldade de fazer buscas ativas, além das ameaças que dificultam o percurso pelos rios. A Sesai justifica que o salto de casos também pode estar relacionado ao aumento nas buscas ativas nas comunidades desde o ano passado. A pasta aponta ainda que a cobertura de vigilância nutricional cresceu, sendo realizada uma vez por mês.
O Centro de Referência em Surucucu foi instaurado em colaboração com a organização Médicos da Floresta em uma estrutura provisória e já foi iniciada a construção de um centro definitivo. “Para a construção do Centro de Referência estimamos 800 horas de voo somente para levar equipamento de construção no território. É a primeira vez que há este investimento. Estarão presentes 15 médicos especialistas. A ideia é reduzir o número de remoções para Boa Vista de pacientes”, explicou Weibe Tapeba, secretário especial de Saúde Indígena.
Luto, ritual e chegadas
Enquanto trabalhavam para preparar a comunidade para a chegada de 284 participantes, os Ye’kwana sofreram com a morte de alguns parentes. Mesmo assim, optaram por manter o Fórum, mas permaneceram em silêncio na parte mais festiva do evento.
Os Sanoma e Yanomami abriram o primeiro dia com cantos e dança. Depois da festividade, os Yanomami fizeram o xapirimou (sessão de xamanismo em Yanomami). Com o espaço protegido, chegou o momento de apresentação de todos os participantes, incluindo os convidados não indígenas.
As apresentações foram repetidas dia após dia, pois entre 23 e 27 de setembro havia novos participantes se juntando ao evento. Os maiores representantes do governo, como Joenia Wapichana e Nilton Tubino, por exemplo, só começaram a chegar no dia 25.
No segundo dia, o Fórum seguiu com o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Kopenawa, apresentando o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) e o Protocolo de Consulta Yanomami e Ye’kwana. A liderança dividiu a apresentação do PGTA em sete partes: governança, proteção territorial, geração e gestão de renda, conhecimentos tradicionais, recursos naturais, saúde e educação.
“A gente entende que a saúde vem em primeiro lugar. Sem saúde, a gente não tem roça, a gente não tem vida, a gente não tem água limpa. Depois, a gente coloca a nossa cultura, não podemos esquecer a nossa cultura, é o que a gente vive. Depois, a geração de renda com artesanato, cestaria.”, explicou.
O Protocolo de Consulta Yanomami foi criado há quatro anos com o intuito de instruir o Governo Federal no diálogo com os Yanomami e Ye’kwana. Dário reforçou esta informação e disse aos indígenas presentes que o governo precisa ser cobrado para respeitar o documento e permanecerem vigilantes com a entrada de não indígenas sem autorização na Terra Indígena Yanomami.
“Não podemos deixar qualquer pessoa entrar no nosso território. Senador não pode entrar na terra yanomami sem observar protocolo de consulta, por exemplo”, pontuou.
Dário seguiu com a palavra na tarde do dia seguinte, após uma manhã de apresentações de parceiros que estavam chegando. Ele apresentou o Plano de Vigilância da Terra Indígena Yanomami baseado no PGTA, que foi entregue à Funai. Conforme a liderança, o plano tem por objetivo implementar uma rede de vigilantes indígenas, com grupos localizados nas calhas dos principais rios do território em Centros de Vigilância e Monitoramento devidamente equipados, e sujeitos a um programa de formação contínua.
Educação
O último dia do Fórum, a sexta-feira (27), foi reservado para discussão e apresentação sobre as medidas voltadas à Educação. Ministério da Educação (MEC), Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) contaram com representantes no evento.
Zara Figueiredo, representante do MEC, fez uma breve apresentação sobre planos que já haviam sido pactuados com os Yanomami. Ela apresentou quais ações já estão encaminhadas e quais ainda não estão resolvidas.
O que está já encaminhado:
- Território Etnoeducacional, cujas ações vão ser apresentadas;
- Formação continuada de professores;
- Construção de novas escolas;
- Produção de Material Didático;
- Material escolar está resolvido.
O que ainda não está resolvido:
- Reconhecimento dos PPPS não está resolvido;
- Instalação do campus universitário;
- Processo seletivo diferenciado, porque o MEC não pode interferir na contratação de professores, concurso público ou salários. O MEC não tem como resolver;
- Contratação de Yanomami e Ye’kwana para fornecimento de alimentação escolar.
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Quatro escolas de autogestão devem ser construídas na Terra Indígena Yanomami. Quatro milhões de reais foram destinados à construção dos centros, que devem contar com a parceria da UFMG.
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Durante as discussões do Fórum, os indígenas escreveram uma carta sobre suas inquietações e desejos, que foi enviada para:
- Funai;
- Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania;
- Ministério da Saúde;
- Ministério da Assistência Social;
- Ministério da Educação;
- Ministério dos Povos Indígenas;
- Ministério da Agricultura Familiar;
- Casa de Governo;
- Presidência
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Carta das associações da Terra Indígena Yanomami
Reunidos na comunidade Fuduuwaadunnha, região de Auaris, Terra Indígena Yanomami, entre 23 e 27 de setembro de 2024, durante o ‘V Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana’, nós, lideranças indígenas, em conjunto com nove das nossas associações, que abaixo assinam, escrevemos esta carta ao Governo Federal do Brasil.
Entendemos que no Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) estão presentes o sol, os rios, o frescor da floresta, as árvores... todos eles estão dentro do PGTA. Por isso, com base neste documento, estamos trabalhando com vocês para salvar a nossa terra-mãe e a alma do rio, cuja água tomamos. A terra é fundamental para os yanomami, assim como para todos os povos deste planeta e por isso queremos saber: como expulsar os garimpeiros perigosos que restaram na Terra Yanomami?
Queremos continuar trabalhando junto do Governo para expulsar todos os invasores da nossa terra-floresta. Queremos fortalecer a saúde e as escolas de nossas comunidades. Queremos acompanhar os projetos públicos que nos dizem respeito, para que funcionem de verdade. Precisamos que o Governo esteja sempre olhando o nosso PGTA e Protocolo de Consulta, porque buscamos inclusão, participação colaborativa e autonomia de acordo com as palavras que estão ali escritas.
Reconhecemos a importância das ações emergenciais realizadas pela Casa de Governo, mas pedimos por medidas estruturantes que garantam que a desintrusão dos garimpeiros ilegais se mantenha. Pedimos que o Governo construa centros de vigilância e monitoramento em pontos estratégicos de toda a Terra Yanomami e apoiem a formação dos agentes de vigilância ambiental indígena, como está descrito no Urihi noamatima thëpë (Plano de Vigilância Territorial da Terra Indígena Yanomami).
Sobre a saúde de nossos povos, em primeiro lugar, queremos que nossa medicina e ciência tradicional sejam sempre reconhecidos. Em segundo lugar, infelizmente, nossas comunidades ainda observam muitas fragilidades para alcançar uma melhora significativa. Igualmente, as associações tampouco consideram que houve uma reestruturação na saúde indígena, como fora pedido no Fórum de Lideranças de 2023.
O DSEI-YY ainda enfrenta sérios problemas logísticos, como a falta de gasolina e transporte para visitar as nossas casas e a ausência de estruturas adequadas para nos atender: desde locais que permitam a permanência de equipes de saúde próximo de nossas comunidades até um espaço adequado para internações e acompanhamento. Esperamos que o AgSUS possa resolver essas dificuldades. Além disso, entendemos ser necessário um reforço no atendimento à saúde yanomami no estado do Amazonas, que funcione como um “subdistrito”.
Em terceiro lugar, reforçamos que a situação da malária e desnutrição ainda são problemas que nos preocupam muito. Por isso, pedimos, urgentemente, um novo plano de monitoramento de vetores e ações para eliminação da malária. Além disso, preocupados com a desnutrição infantil, pedimos uma avaliação compreensiva, que possibilite a imediata implementação do Alimento Terapêutico Pronto para Uso (ATPU).
Em quarto lugar, pedimos o reconhecimento profissional dos microscopistas indígenas e parteiras; a atualização na formação dos nossos Agentes de Saúde Indígena (AIS) e Agentes Indígena de Saneamento (AISAN) e que os yanomami, ye´kwana, ninam e sanöma sejam incentivados nessas carreiras. Acreditamos que apenas assim, com a nossa participação qualificada, nossa saúde irá melhorar.
Também pensamos muito sobre a contaminação por mercúrio e a falta de acesso à água potável que enfrentamos. Por isto, nosso quinto e último pedido, é que a Saúde Indígena pense em estratégias para monitorar a contaminação por mercúrio nos moradores da Terra Yanomami, assim como da qualidade da água, garantindo o acesso à água potável, de acordo com as especificidades de cada localidade. Alternativas e possibilidades para esses dois problemas precisam ser imediatamente pensadas.
Desejamos também que vocês nos digam quando a entrega de cestas vai terminar, porque queremos mais ferramentas para abrir roças, plantar e colher alimentos. Vocês precisam nos avisar com antecedência, para que possamos nos preparar. Não queremos estar dependentes da alimentação dos brancos, queremos que nossos hábitos alimentares sejam respeitados, porque vez ou outra precisaremos desse apoio. Estamos vivendo um período bastante incerto, por conta das mudanças climáticas.
Ainda dormimos preocupados pensando: “como a floresta vai se recuperar”? É o que colocamos para vocês sonharem, para discutirmos isso em nossa próxima reunião. Queremos que vocês pensem na recuperação de nossas florestas, porque nós, povos originários, somos a floresta.
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Boletim de áudio repercute oficina de intercâmbio entre organizações indígenas, quilombolas e extrativistas, que debateu a regulação do mercado de crédito de carbono de Mato Grosso e Pará
O Instituto Socioambiental (ISA) lança nesta segunda-feira (30/09) o quarto episódio do “Vozes do Clima”, boletim de áudio lançado em junho deste ano, com o objetivo de levar informações a povos indígenas e quilombolas e comunidades tradicionais sobre os temas relacionados à pauta climática.
Nesta quarta edição, apresentada pela estudante indígena Thaine Fulni-ô, lideranças indígenas, quilombolas e extrativistas falam sobre programas jurisdicionais de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, Manejo Sustentável e Aumento do Estoque de Carbono (REDD+).
Escute todos os episódios:
ISA lança “Vozes do Clima”, boletim de áudio com informações sobre a pauta climática para povos e comunidades tradicionais
Segundo episódio do “Vozes do Clima” discute impactos da emergência climática em territórios quilombolas
Terceiro episódio do "Vozes do Clima" aborda debate sobre mudanças climáticas e mercado de carbono durante assembleia da Rede Xingu+
Quinto episódio do “Vozes do Clima” discute salvaguardas para garantir direitos em projetos de crédito de carbono
A cobertura foi realizada durante a oficina de intercâmbio, organizada pelo ISA nos dias 16, 17 e 18 de julho, em Belém, e que contou com a participação de 60 pessoas, representando a Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), a Associação da Comunidade Negra Rural Quilombo Ribeirão da Mutuca (Acorquerim), a Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (FEPIPA), a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará - Malungu, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e a Rede Xingu+. O objetivo do encontro foi trocar experiências, informações e conhecimentos sobre os programas jurisdicionais de REDD+ de Mato Grosso e do Pará, cujo projeto ainda está em fase de elaboração no âmbito do governo do estado.
Saiba mais:
Indígenas, quilombolas e extrativistas de MT e PA trocam experiências sobre programas de REDD+ jurisdicional
Foram três dias de debates intensos à beira do Rio Guamá, que desaguaram no consenso de que é fundamental que povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais se articulem para o diálogo sobre as ações e iniciativas que envolvem o mercado de crédito de carbono no Brasil e as formas de enfrentar a emergência climática.
Lideranças das organizações presentes no intercâmbio relataram ao “Vozes do Clima” suas avaliações sobre as experiências dos programas e como tem sido a participação dos movimentos sociais nos debates.
“A gente desenhou o que nós chamamos de governança. A governança do Subprograma Territórios Indígenas que é um nome que nós demos. Nós também não permitimos que o governo colocasse o nome no nosso subprograma, a gente brigou bastante por isso. E aí a gente colocou territórios indígenas e desenhamos a governança do subprograma, no qual tem representante das regionais, uma representante das mulheres, e tem instituições aliadas ou parceiras”, explicou Eliane Xunakalo, presidente da Fepoimt, contextualizando como foi a participação dos povos indígenas na elaboração do programa em Mato Grosso, denominado de Programa REM e que já está em sua segunda fase de implementação.
Em relação às discussões que acontecem no âmbito do governo do Pará junto com organizações representantes de povos e comunidades tradicionais, o diretor da Malungu, Aurélio Borges, explicou que o foco da organização é debater com as comunidades quilombolas as propostas apresentadas pelo governo e, por isso, já foram realizadas algumas oficinas regionais.
“Nós já realizamos algumas oficinas nas nossas bases. E essas oficinas nos deram o subsídio para que a gente tenha a informação para discutir e propor aquilo que a gente entende que vai ser benéfico para as comunidades quilombolas”, explicou Aurélio ao “Vozes do Clima”.
Segundo Eli Tupinambá, secretária-executiva da Fepipa - que junto com a Malungu e o CNS integra o grupo de trabalho que elabora o Sistema Jurisdicional de REDD+ do Pará -, por ser um projeto de gestão territorial e de governança, os povos indígenas do estado precisam ter protagonismo em todo o processo.
“O governo tem que entender uma coisa: o governo pode querer se adiantar, pode querer ir mais à frente, mas nós, povos indígenas, a gente tem o nosso tempo. E o nosso tempo diz que nós precisamos entender um pouco mais, porque a gente tá falando do território. O território pra gente é vida, é fazer farinha, é trabalhar na agricultura familiar, é pescar, é caçar. Território pra gente é cuidar”, pontuou.
Soraya Almeida, liderança do CNS, afirmou que as comunidades extrativistas do Pará também não podem ficar de fora da construção do programa de REDD+ e, por isso, têm dialogado sobre o assunto desde o início do processo.
“Nós estamos num diálogo muito produtivo com as outras redes, que é a Fepipa e a Malungu, onde nós descobrimos juntos, o que é o jurisdicional. Qual a importância para a gente e, ao mesmo tempo, estamos numa luta de braço constante com os governos porque tem vários interesses. E a gente tem que ter esse cuidado para não fazer com que os recursos vão para outras áreas, para premiar, por exemplo, quem já desmatou e, ao mesmo tempo, não contribuir com aqueles que protegem a floresta”, disse.
O coordenador do programa Xingu, do ISA, Roberto Rezende, destacou a importância da participação das lideranças dos povos e comunidades tradicionais no trabalho de elaboração dos programas de REDD+ jurisdicional.
“A participação das redes na construção do sistema jurisdicional é importante para já no início trazer a contribuição desses povos para que o sistema seja mais adequado à realidade dos povos indígenas e comunidades tradicionais. É claro que a participação dessas redes dentro da construção do sistema é uma primeira etapa de um processo que deve ser levado adiante em relação à construção do sistema e consulta dos povos”, ressaltou.
O boletim de áudio “Vozes do Clima” é uma realização do ISA, com produção da produtora de podcasts Bamm Mídia e apoio da Environmental Defense Fund (EDF). A identidade visual foi concebida pelas designers e ilustradoras indígenas Kath Matos e Wanessa Ribeiro. Além de ser distribuído via Whatsapp e Telegram, o programa também poderá ser ouvido nas plataformas de áudio Spotify, iHeartRadio, Amazon Music, Podcast Addict, Castbox e Deezer.
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Lançamento do relatório acontece nesta quinta (26) em Quito, no Equador, com transmissão online às 17h de Brasília
A Amazônia, um ecossistema vital para a humanidade e o planeta, enfrenta um de seus momentos mais críticos. Nos últimos 39 anos – entre 1985 e 2023 – os países amazônicos perderam mais de 88 milhões de hectares de florestas (12,5% de sua cobertura), uma área quase equivalente ao tamanho da Colômbia, segundo dados do MapBiomas Amazônia, uma iniciativa da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG). Diante desse cenário, nunca foi tão urgente fortalecer as políticas de conservação e restauração, assim como o papel protetor dos Territórios Indígenas e das Áreas Naturais Protegidas no combate ao desmatamento.
Especialistas da RAISG alertam que a região amazônica está passando por uma transformação acelerada. A análise de imagens de satélite revela que, entre 1985 e 2023, nas áreas onde a floresta foi reduzida, o uso do solo para mineração legal e ilegal cresceu 1.063%, para a agricultura 598% e para a pastagens 297%. Como resultado, muitos ecossistemas desapareceram, sendo substituídos por vastas áreas de pastagens, plantações de soja, palma de óleo e outros monocultivos, ou transformados em grandes crateras de água para a extração de ouro. No caso da mineração, a erosão do solo afeta não apenas a cobertura florestal, mas também o solo fértil, comprometendo sua capacidade de regeneração e aumentando o risco de deslizamentos, além de introduzir poluentes no ambiente.
Acompanhe o lançamento do relatório às 17h de Brasília:
Um panorama regional alarmante
A análise abrange os oito biomas da Região Amazônica. Do total de perda florestal, 71% ocorreram no bioma de Florestas Amazônicas ou Tropicais, o maior da região, presente nos nove países amazônicos (Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa). Aproximadamente 23% das perdas ocorreram na savana tropical do Cerrado (Brasil), 4% na floresta seca tropical Chiquitano (Bolívia), e os 2% restantes foram divididos entre os biomas da floresta seca do Chaco (Bolívia-Paraguai), Pantanal (Brasil-Bolívia), Tucumano-boliviano, além dos Andes e Vales no Peru e Bolívia.
2023: O ano mais devastador
Ao longo dos 39 anos do estudo, as florestas da região recuaram a uma média de mais de 2,3 milhões de hectares por ano. Contudo, 2023 se destacou como o ano mais devastador das últimas duas décadas, com uma perda superior a 3,8 milhões de hectares — o equivalente a 190 vezes o tamanho da cidade de Buenos Aires. Esse recorde lamentável foi causado pelo aumento das atividades econômicas, desenvolvidas sem levar em conta o cenário de mudanças climáticas, marcado por eventos cada vez mais extremos e frequentes. Essa situação continua a afetar uma Amazônia já debilitada, tanto em sua capacidade de regeneração quanto em seu papel na regulação do clima global.
Nessa mesma linha, as secas extremas do ano passado agravaram o impacto da mineração na Amazônia, provocando um retrocesso significativo das florestas alagáveis — ecossistemas altamente produtivos que dependem diretamente das chuvas para se formarem nas margens de rios e áreas úmidas. Nos últimos 39 anos, as florestas alagáveis perderam 4,4 milhões de hectares, sendo 3.500 hectares apenas em 2023, a maior perda dos últimos seis anos. Esse retrocesso ameaça gravemente a abundância e a diversidade biológica da Amazônia — especialmente de peixes — e, por consequência, a disponibilidade de alimentos para as populações locais.
O papel crucial dos territórios indígenas e das áreas naturais protegidas
Às vésperas da COP16 de Biodiversidade na Colômbia (outubro de 2024) e com vistas à COP30 sobre Mudanças Climáticas no Brasil (novembro de 2025), a RAISG considera esses dois anos decisivos para que líderes governamentais e entidades de incidência implementem políticas mais rigorosas de conservação e restauração, focadas nas áreas de maior perda. “Os principais desafios são preservar as áreas ainda intocadas e aquelas com baixo nível de degradação, antes de atingirmos o chamado ‘ponto de não retorno’ da Amazônia; e substituir as atividades atuais por outras que causem menos impacto à floresta. O mais importante: proteger as Áreas Naturais Protegidas e Territórios Indígenas, que atuam como barreiras contra o desmatamento e a degradação”, ressalta Karen Huertas, especialista do MapBiomas Amazônia.
O papel crucial desses dois espaços na conservação da diversidade biológica é evidente nos números: apenas 5,8% dos 88 milhões de hectares de florestas perdidos na Amazônia ocorreram em Áreas Naturais Protegidas (ANP) e territórios indígenas, enquanto os 94,2% restantes aconteceram fora desses territórios. Por milênios, os povos indígenas têm sido os melhores guardiões da floresta, graças aos seus conhecimentos e práticas ancestrais, que permitem o uso sustentável dos recursos e dão ao solo o tempo necessário para regeneração. Da mesma forma, nas ANP, a estabilidade da floresta é priorizada, preservando os serviços essenciais que a Amazônia oferece à humanidade: fornecimento de oxigênio, água potável, alimentos, biodiversidade e medicamentos tradicionais.
Apesar de seu valor inestimável na luta contra as mudanças climáticas, os povos indígenas continuam sob constante ameaça. Entre 1985 e 2023, seus territórios perderam 3,6 milhões de hectares de florestas, devido ao avanço da mineração de ouro, à extração ilegal de madeira e ao cultivo ligado ao narcotráfico. Essa situação não só coloca em risco a segurança e a vida dos líderes ambientais, como também fragiliza a diversidade cultural dos países. No mesmo período, as Áreas Naturais Protegidas (ANPs) perderam mais de 1,4 milhão de hectares, principalmente nas suas margens, devido à invasão por atividades agropecuárias realizadas por civis e empresas.
Se essa tendência continuar, a Amazônia estará em breve rumo a um processo irreversível de savanização e formação de pastagens. A contínua perda de florestas liberará grandes quantidades de CO2, acelerando ainda mais o aquecimento global e reduzindo o habitat de milhares de espécies. Por muitos anos, os governos negligenciaram as comunidades indígenas, tradicionais e locais, que souberam preservar as florestas melhor do que qualquer outro grupo humano. Agora é hora de mudar essa realidade, fortalecendo seus direitos territoriais, sua participação nas decisões e valorizando sua rica herança cultural, para frear a devastação da Amazônia.
“Os governos dos países amazônicos precisam agir de forma coordenada para conter as pressões e ameaças, como o desmatamento, a mineração e o narcotráfico, além de avançar em alternativas econômicas sustentáveis e promover a restauração ambiental em nível regional. A Declaração de Belém e a XIV Reunião de Ministros das Relações Exteriores da OTCA definiram caminhos importantes para a cooperação regional, como a Rede Amazônica de Autoridades Florestais e a Rede Amazônica de Manejo Integrado do Fogo, que devem ser implementados com a participação ativa dos povos indígenas, afrodescendentes e comunidades tradicionais”, concluiu Angélica García, secretária executiva da RAISG.
Evento MapBiomas Amazônia
Para mais informações sobre a situação atual da Amazônia e as ações necessárias para protegê-la, a RAISG está organizando o evento “Por uma visão integral da Amazônia: 39 anos de perdas florestais e propostas de conservação”, no qual serão discutidos os achados do relatório e as possíveis soluções.
Data
Quinta-feira, 26 de setembro de 2024
Horário
15h00 (Equador, Colômbia e Peru), 16h00 (Venezuela e Bolívia) e 17h00 (Brasil)
Presencial
Hotel Dann Carlton, Avenida República de El Salvador, Quito - Equador
Virtual
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Planalto libera mais de R$ 500 milhões para combate a incêndios descontrolados. Novas medidas devem ser publicadas nos próximos dias
Texto atualizado às 16:42 de 18/9/2024
Em reunião com as cúpulas dos três poderes no Palácio do Planalto, o governo federal anunciou, na tarde desta terça (17/9), algumas ações contra a emergência climática, com cerca de 60% do país coberto pela fumaça das queimadas descontroladas e a pior seca em 75 anos.
Nos próximos dias, o presidente Luíz Inácio Lula da Silva deve enviar ao Congresso uma Medida Provisória (MP), liberando um crédito extraordinário de R$ 514,4 milhões, principalmente para o combate, monitoramento e investigação dos incêndios criminosos.
Ainda não foi desta vez que o novo marco legal da crise climática foi oficializado, incluindo a criação da “Autoridade Climática” e de um comitê técnico-científico para apoiá-la, além da possibilidade de reconhecimento oficial da emergência climática. A medida foi comunicada por Lula na semana passada, .
Não foram fornecidos maiores detalhes sobre o assunto no evento no Planalto. Não se sabe, por exemplo, a que pasta o novo órgão ficará vinculado. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, informou apenas que há “um conjunto de propostas de reestruturação do Ministério do Meio Ambiente que vamos estar analisando, enfim, vamos estar publicando nos próximos dias”.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que também está sendo estudada a sugestão do presidente de instituir um Conselho Nacional de Segurança Climática, com participação de representantes dos três poderes, sociedade civil e empresariado.
Uso dos recursos
Segundo nota da Casa Civil, os recursos da MP serão usados na mobilização de 180 novos agentes da Força Nacional de Segurança e no atendimento de famílias diretamente afetadas, com ações emergenciais de saúde e segurança alimentar, inclusive para populações indígenas.
A exemplo do Fundo Amazônia, deve ser criado um novo mecanismo de financiamento para a proteção dos outros biomas do país por meio de doações internacionais. Ainda conforme a nota, outra MP pretende facilitar a liberação de recursos do BNDES para a proteção ambiental.
O presidente Lula também irá assinar um despacho para reestruturar a Defesa Civil em todo o país. O governo ainda pretende ampliar as sanções por crimes ambientais e infrações administrativas, com aumento de penas de reclusão e de valores de multas, além de novas modalidades de sanções (veja a lista completa de ações ao final da reportagem).
Parte das mudanças deve ocorrer por meio de projetos de lei e outra, por atos da própria administração federal. Conforme apurou a CNN Brasil, o Planalto pretende tentar aprovar um pacote de seis projetos no Congresso que aumentam penas para incêndios criminosos.
"As medidas do governo federal para enfrentar os incêndios florestais e outros problemas ambientais são relevantes, mas não produzirão efeitos imediatos. Leva-se tempo para o treinamento e contratação de mais brigadistas e aquisição de equipamentos, por exemplo", ressalva a coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC), Suely Araújo.
Ela defende que a gestão federal assuma uma coordenação mais efetiva no combate à crise. "Há necessidade, também, de a Presidência da República articular e até mesmo liderar a intensificação do trabalho dos governos estaduais. São eles que controlam a emissão das autorizações para uso do fogo, que na seca sequer deveriam ser emitidas", completa.
Decisões do STF e agravamento da crise
O anúncio das medidas ocorre depois da série de decisões recentes do STF que buscam obrigar o governo a tomar iniciativas mais enérgicas. As determinações foram expedidas no âmbito de ações apresentadas, ainda na gestão de Jair Bolsonaro, para obrigar o governo federal a agir em relação aos incêndios florestais na Amazônia e no Pantanal, ao desmatamento e à emergência climática. O Instituto Socioambiental (ISA) apoiou a elaboração das ações.
Agora, na execução das decisões do plenário do tribunal, o ministro Flávio Dino autorizou que os novos recursos destinados à emergência climática fiquem de fora do teto de gastos e facilitou a contratação de brigadistas, entre outras medidas. Em uma das determinações, o ministro afirmou que o país vive uma “pandemia de incêndios” e cobrou ações do poder público da mesma magnitude das adotadas na pandemia de covid-19 e nas recentes enchentes do Rio Grande do Sul.
Os anúncios também acontecem em meio ao agravamento da crise, enquanto o início da temporada de chuvas, em várias regiões, só deve começar em meados de outubro, segundo as previsões meteorológicas (saiba mais no quadro ao final da reportagem).
Na reunião no Planalto, Marina Silva informou que o país registra, neste momento, quase 690 incêndios, sendo que os esforços combinados dos governos federal e estaduais conseguiram extinguir 290 e controlar 179. Há ainda 108 incêndios sendo combatidos e outros 106 ativos sem combate. Dino também já havia cobrado do governo a adoção de medidas urgentes para atacar os focos de incêndio sem combate.
No Planalto, integrantes do governo insistiram que, por um lado, desde o início da atual gestão, estão sendo tomadas as medidas adequadas para combater a emergência climática e que, por outro, ela tem dimensões inéditas e planetárias.
“Nós fizemos todos os esforços necessários do ponto de vista de ter uma ação preventiva”, reforçou a ministra do Meio Ambiente. Ela lembrou que os índices de desmatamento na Amazônia caíram 50% e 45%, respectivamente, em 2023 e 2024.
Entre ambientalistas e pesquisadores, não há dúvida de que existe um esforço para conter os efeitos da seca e dos incêndios. Por outro lado, também há a percepção de que o Planalto poderia ter agido antes, com medidas de prevenção adequadas, e de maneira mais firme.
Uma reportagem de O Estado de São Paulo reuniu documentos que apontam que, desde o início do ano, a cúpula do governo foi alertada e instada a agir diante do que poderia vir a ser uma crise de grandes proporções. O jornal lista ofícios, decisões, ações e comunicados de órgãos como o próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA), o STF, o Ministério Público e o governo do Amazonas.
O próprio Lula reconheceu parte do problema. "O dado concreto é que hoje, no Brasil, a gente não estava 100% preparado para cuidar dessas coisas. As cidades não estão cuidadas. Até 90% das cidades estão despreparadas para cuidar disso. Os estados são poucos os que estão com preparação, que têm Defesa Civil, bombeiro, brigadistas" disse.
Fogo criminoso
Apesar de admitir que a seca histórica criou as condições para o alastramento do fogo, o presidente insinuou que a onda de incêndios é orquestrada por grupos da oposição interessados em desgastar sua gestão.
Embora as investigações ainda estejam em curso, integrantes dos Três Poderes que participaram do evento em Brasília concordaram que há ação criminosa coordenada em várias regiões. “Os indicadores de que é um crime aparecem a cada dia aos milhares”, reforçou o secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco. Em sua apresentação, ele mostrou dados oficiais e manchetes de órgãos de imprensa local da Amazônia indicando ações deliberadas para queimar a floresta.
Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também foram na mesma direção. Eles se mostraram abertos a priorizar a tramitação de propostas que ampliem as penas para crimes ambientais e liberem recursos para combater o fogo. Em contrapartida, sinalizaram que o Planalto terá dificuldades para aprovar projetos no Congresso e tentaram se isentar da responsabilidade pela crise. Ambos alegaram que têm facilitado a aprovação de propostas benéficas ao meio ambiente, o que não é verdade. Ao contrário, têm feito vista grossa ou mesmo pautado projetos do chamado “pacote da destruição”, conjunto de propostas contrárias à conservação e aos direitos de populações indígenas e tradicionais.
Pacheco disse que o problema da crise não está no Congresso e chamou de "populismo legislativo" projetos de endurecimento de penas contra crimes ambientais. “Um aumento excessivo de penas, inclusão desses crimes como crimes hediondos… Temos de conter e buscar um equilíbrio na formatação de leis, sob pena de descambarmos para um populismo legislativo que não solucionará o problema”, defendeu.
O consultor jurídico do ISA Mauricio Guetta afirma que, atualmente, a legislação prevê penas tão pequenas para incêndio florestal e desmatamento ilegais que esses crimes compensam.
“Em geral, propostas sobre aumento de penas são consideradas como ‘populismo penal’, mas este definitivamente não é o caso. O endurecimento penal ambiental é urgente, pois, com penas tão baixas, os processos sequer chegam ao final e, quando chegam, resultam em medidas como o pagamento de cestas básicas”. Ainda segundo Guetta, não é razoável que crimes tão graves, com danos tão agudos à saúde e à vida da população, continue sendo tolerados.
“Não faltará vontade política da Câmara dos Deputados, e eu penso que do Senado, mas alguns temas, eu penso, tenham de vir bem explicados para que a gente não tenha uma reação adversa a uma tratativa que fuja de alguns pensamentos mais ou menos ideológicos sobre o cerne da questão”, comentou Lira.
“Há anos, a Câmara é a maior ameaça ao meio ambiente e aos povos e comunidades tradicionais. Mesmo com toda a sociedade mobilizada contra o ‘pacote da destruição’, Lira e lideranças ruralistas decidiram aprovar retrocessos inaceitáveis à legislação socioambiental. Isso também serve como sinal verde para os danos ambientais que estamos vendo hoje”, contrapõe Guetta.
"É preciso que todos os poderes participem desse processo. O Congresso, por exemplo, tem aprovado projetos que fragilizam o arcabouço legal de proteção ao Meio Ambiente. Juízes de instâncias inferiores estão liberando do cumprimento de pena de prisão desmatadores confessos", reforça o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP).
"A catástrofe do Rio Grande do Sul e esse cenário das queimadas e da seca sem precedentes abrem oportunidades para a Câmara e o Senado debaterem com mais seriedade e atenção o tema. É hora de nos debruçarmos sobre projetos para aumento de pena para crimes ambientais e estruturação do poder público no enfrentamento à crise climática", complementa.
O tamanho da crise climática
Segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o Brasil enfrenta sua pior estiagem em 75 anos. A seca na Bacia Amazônica é a pior em 45 anos. Todos os estados, com exceção do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, têm registro de algum nível de falta de chuva recorrente. Aproximadamente 60% do território nacional é afetado pelo problema. Em cerca de um terço do país, o cenário é de seca severa.
De acordo com o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres, coordenado pelo Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, há hoje 1.418 atos de diferentes esferas de governo reconhecendo situação de emergência ou calamidade pública.
Segundo o Monitor do Fogo do MapBiomas, vinculado ao Observatório do Clima (OC), entre janeiro e agosto, a área destruída pelo fogo no país chegou a 11,3 milhões de hectares, o equivalente a cerca de metade do território de São Paulo. São 6 milhões de hectares a mais do que no mesmo período do ano passado ou um crescimento de 116%.
O mês de agosto responde por quase metade (49%) da área queimada desde janeiro (5,6 milhões de hectares). Foram destruídos 3,3 milhões de hectares a mais do que no mesmo mês de 2023, um salto de 149%. Foi o pior agosto da série do Monitor de Fogo, iniciada em 2019.
Entre o dia 7 e o dia 12, o sudoeste da Amazônia, epicentro da crise, tornou-se o maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, segundo o Copernicus, o programa de observação da Terra da União Europeia, segundo informou O Globo.
Só entre o início de agosto e a semana passada, cerca de 10,1 milhões de pessoas, em 531 municípios, foram afetadas diretamente pela crise. Em comparação com o mesmo período do ano passado, a população afetada era de 3,8 mil pessoas, em 23 municípios. Um aumento de 2,5 mil vezes em relação ao contingente populacional impactado. Os números são da Confederação Nacional de Municípios (CNM) e foram divulgados pela Folha de São Paulo. Os dados são conservadores porque referem-se apenas às pessoas diretamente afetadas pelo fogo e aos municípios que decretaram situação de emergência por causa do problema. A CNM calcula em R$ 41,4 bilhões os prejuízos decorrentes só da seca desde o início do ano.
Lista completa de medidas do Palácio do Planalto
Medida Provisória destinando R$ 514,4 milhões em créditos extraordinários, principalmente para o combate, monitoramento e investigação dos incêndios na Amazônia Legal. Os recursos deverão ser usados em: compra de materiais e equipamentos, contratação de brigadistas, locação de viaturas e aeronaves; manutenção e transporte de equipes de fiscais ambientais, agentes das polícias e militares; mobilização de mais 180 agentes da Força Nacional.
- Compra de 300 mil cestas básicas e 7 mil toneladas de alimentos de 2,6 mil agricultores familiares.
- Medidas emergenciais de proteção e saúde às populações indígenas, incluindo ações de combate à insegurança alimentar e proteção social.
Reestruturação e fortalecimento da Defesa Civil em todo o país.
Flexibilização das regras para contratações do BNDES.
Instituição de fundo, facilitando doações internacionais, para gestão de recursos específicos para os demais biomas – Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal.
Compra de novas aeronaves e kits de combate aos incêndios florestais, além de recursos para os Corpos de Bombeiros estaduais.
Ampliação das sanções administrativas aplicadas por infrações ambientais. O objetivo é garantir a revisão dos valores e a introdução de novas modalidades de multas.
Criação do Comitê Interinstitucional de Gestão e do Comitê Executivo, no âmbito do Pacto pela Transformação Ecológica entre os três Poderes.
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