COP29 torna-se um termômetro de responsabilidade, expondo a resposta global à crise climática
Artigo publicado originalmente no site da Mídia Ninja, em 13/11/2024
Delegações de todos os países se preparam para ir a Baku, Azerbaijão, onde começará, logo mais, a 29ª conferência da ONU (COP-29) sobre mudanças climáticas. Não há grande expectativa sobre resultados dessa reunião. Espera-se a presença de poucos chefes de Estado, já que muitos, inclusive o presidente Lula, estarão numa reunião do G-20. A COP-29 acontecerá sob o impacto da eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA, o segundo maior emissor atual de gases do efeito estufa, cuja concentração excessiva na atmosfera provoca o aumento da temperatura média na superfície da Terra, o aquecimento global.
Esperava-se que houvesse, na COP-29, avanços na questão do financiamento climático, com a destinação de recursos significativos, pelos países mais ricos, aos mais pobres, para enfrentarem os impactos das mudanças no clima. Porém, com a eleição de Trump, é provável que os EUA se retirem, novamente, das negociações internacionais e é improvável que se disponham a isso.
Mas ainda se espera que a COP-29 venha a ser um espaço de preparação para a COP-30, que ocorrerá em Belém, Pará, em novembro de 2025, quando já se terá conhecimento da atualização dos compromissos (NDCs) de cada país para reduzirem as suas emissões, que deverão ser formalmente apresentados até fevereiro do ano que vem.
Porém, antes mesmo das eleições nos EUA, os sinais disponíveis sobre a elaboração, pelos governos dos países que mais emitem, das suas novas propostas de corte de emissões ‒ as chamadas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs, na sigla em inglês) ‒ já apontavam para um grau de compromisso muito aquém do necessário para conter o aumento da temperatura em 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais. Com a eleição de Trump e a provável omissão dos EUA, outras nações tendem a avançar menos, ainda, do que pretendiam. É o pretexto que faltava para quem já não quer assumir responsabilidades.
Situação limite
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática foi assinada pelos chefes de estado em 1992, no Rio de Janeiro. Há mais de 30 anos, portanto, o mundo reconhece o problema, suas causas e caminhos de solução. Nesse tempo, a mudança do clima deixou de ser previsão científica para se tornar um problema imediato, com a ocorrência mais frequente e intensa de eventos climáticos extremos, como secas agudas e furacões devastadores, ondas de calor e incêndios florestais, derretimento de geleiras e aumento do nível dos oceanos.
Os dois últimos anos foram particularmente trágicos, no mundo todo. Estudos científicos recentes mostram redução da disponibilidade de água doce, perda crescente de safras agrícolas, recursos pesqueiros e extrativistas, dificuldades e custos adicionais para o abastecimento das cidades e a geração de energia. Os cientistas apontam a perda de umidade das florestas tropicais. A Amazônia está emitindo mais do que absorvendo carbono. Os oceanos, usinas gigantes de produção de oxigênio, estão se tornando emissores gigantes de metano, oriundo da decomposição das espécies vegetais e animais mais sensíveis ao aumento da temperatura das águas, como ocorre nas formações de corais.
A morosidade nas negociações internacionais, a falta de vontade política dos governos, a omissão em iniciar um processo de redução das emissões nesses 30 anos, a destinação prioritária de recursos para fins bélicos ou predatórios, como os subsídios aos combustíveis fósseis, nos trouxeram a essa situação emergencial. Com o agravamento sistêmico da crise, o custo social, econômico e ecológico de cada ano de embromação aumentará em velocidade geométrica.
Sendo assim, é imprescindível avançar na organização e mobilização da sociedade civil, dos cientistas, dos comunicadores e influencers e dos movimentos sociais rurais e urbanos, para aumentar o seu poder de pressão sobre empresas e tomadores de decisões, inclusive durante as negociações internacionais. Do contrário, a irresponsabilidade será fatal.
‘Responsômetro'
Para orientar essa pressão, seria bom convencionar um parâmetro para medir a responsabilidade de cada país para enfrentar a emergência climática. Existe o parâmetro das NDCs e da aferição do grau de cumprimento das metas nelas assumidas. Mas elas são declarações voluntárias, não são proporcionais e não formam um sistema objetivo e, mesmo na hipótese do seu cumprimento integral, não garantem a reversão da emergência. As NDCs ajudam no posicionamento estratégico dos governos e servem, no tempo, para avaliar o cumprimento de metas, mas viram tempestade de areia nos olhos dos cidadãos quanto a vislumbrar soluções.
A essa altura, o parâmetro geral deve ser a salvação da civilização e da vida. Por exemplo, zerar as emissões por queima de combustíveis fósseis até 2050 e reflorestar mais do que desmatar. A meta de cada país seria a sua parte nesse total, devendo cumprir 20% dela a cada cinco anos. Tudo o que for aquém disso vira dívida com a humanidade, e o que for além vira bônus. Daí daria para se extrair um ranking de credores e de devedores, e para se pensar em consequências, como a obrigação de contribuir para fundos de adaptação, ou prioridade de acesso a eles.
Há como cobrar, mas não há como obrigar os inadimplentes a pagar. Mas o “responsômetro” serviria como instrumento de pressão, permanente e cumulativo. A atualização periódica do ranking deveria ser amplamente divulgada, ensejando estratégias de comunicação, inclusive com operações de guerrilha virtual no caso de governos autoritários.
Fundos para reconstrução e adaptação devem ser priorizados pela sociedade civil. Pode ser que o “responsômetro” não seja efetivo para alimentá-los, mas, o que houver, deve se destinar aos países e populações mais vulneráveis. Os territórios coletivos e os assentamentos rurais e urbanos, e as condições de sobrevivência dos seus habitantes, devem ser prioridade absoluta, pelo potencial de articular mitigação e adaptação, e prestar serviços socioambientais e climáticos para o bem de todos.