Novo relatório da Rede Xingu+ registrou mais de 620 km de estradas abertas em Áreas Protegidas só em 2024
A exploração ilegal de madeira se consolidou como uma das principais ameaças à integridade socioambiental da Bacia do Xingu, especialmente nas Terras Indígenas e Unidades de Conservação que compõem o Corredor de Áreas Protegidas, revela relatório Desafios de Proteção na Bacia do Xingu – panorama 2025, da Rede Xingu+. Elaborado pelo Observatório De Olho no Xingu, o estudo analisa os dois primeiros anos do atual governo federal.

Somente em 2024, mais de 620 km de estradas clandestinas foram abertos para escoar toras de alto valor comercial como ipê, jatobá e cedro, facilitando também a entrada de outros crimes ambientais como o garimpo e a grilagem. O impacto é devastador: florestas empobrecidas, igarapés represados, peixes mortos e comunidades ameaçadas.

Os dados levantados têm como base o Sistema Remoto de Alerta de Desmatamento (Sirad X), da Rede Xingu+, o Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o projeto MapBiomas.
O documento detalha os efeitos do roubo de madeira nos territórios mais afetados — como o Território Indígena do Xingu (TIX), a Terra Indígena Baú e a Resex Riozinho do Anfrísio — e avalia as ações de combate e fiscalização nos dois primeiros anos do atual governo federal.
Segundo o relatório, as atividades criminosas têm causado impactos na prestação de serviços públicos essenciais de saúde e educação, prejudicando o combate ao fogo e contribuindo para a entrada de armamentos pesados nos territórios indígenas.
A Bacia do Rio Xingu possui cerca de 51 milhões de hectares, entre os estados do Pará e Mato Grosso, numa área composta por florestas densas, várzeas amazônicas e de Cerrado. Nela, está localizado o Corredor de Áreas Protegidas do Xingu, com 26,7 milhões de hectares, e que abriga 26 povos indígenas e centenas de comunidades ribeirinhas que desempenham um papel crucial na conservação da Amazônia e na regulação do clima global.
De acordo com a Rede Xingu+, articulação de 53 organizações, sendo 43 indígenas, 5 ribeirinhas e 5 da sociedade civil, o território vem sofrendo nos últimos anos com o desmatamento provocado por roubo de madeira, incêndios florestais, grilagem de terras e garimpo.
O documento também traz os avanços no combate a esses crimes nos últimos dois anos, graças à retomada de políticas como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e operações de fiscalização, que resultaram na queda de 30,6% no desmatamento na Amazônia Legal e, sobretudo, na Bacia do Xingu, com uma redução de 46% em relação ao período anterior — o menor índice registrado na última década.
Também houve avanços na queda do desmatamento ocasionado pela grilagem de terras, entre 2022 e 2024, por causa do processo de desintrusão das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá, em 2023. Outro dado positivo foi a queda de 40% no desmatamento causado pelo garimpo nas Áreas Protegidas.

Onde acontece o roubo de madeira?
O TIX, formado por quatro Terras Indígenas e lar de 16 povos, é o epicentro do problema de roubo de madeira na Bacia do Xingu. As denúncias, formalizadas desde 2019 por associações indígenas e organizações socioambientais, alertam para a gravidade da situação. Entre 2023 e 2024, foram abertos 404 km de ramais ilegais — 68% do total dos últimos cinco anos.
Já a Resex Riozinho do Anfrísio, criada em 2004, enfrenta grave pressão do roubo de madeira, especialmente por grupos do Assentamento Areia, em Trairão (PA). Desde 2017, mais de 1.500 km de ramais ilegais foram abertos na área, afetando comunidades como Boi Morreu e Paulo Afonso. A atividade causa conflitos sociais, com intimidação e coação por parte dos criminosos.
A TI Baú do povo Kayapó, localizada no sudoeste do município de Altamira, é outro alvo prioritário dos criminosos em busca de madeira, que invadem o território, abrem estradas, derrubam árvores e promovem um cenário de destruição e conflito.
A estratégia dos madeireiros se repete com a abertura de ramais ilegais para o roubo e escoamento das madeiras. De acordo com o monitoramento da Rede Xingu +, em sete anos foram abertas 544 km de estradas ilegais para facilitar a exploração da madeira na TI Baú. Esse escoamento geralmente é feito pelo distrito de Castelo dos Sonhos, através de uma ponte sobre o rio Curuá, construída irregularmente.

O que pode ser feito?
De acordo com o documento, as ações coordenadas entre órgãos governamentais, a sociedade civil e as comunidades locais podem desarticular as redes que legalizam a madeira extraída ilegalmente. As fiscalizações precisam ser mais frequentes e urgentes, pois mesmo após operações do IBAMA, a extração de madeira persiste. Além disso, a instalação de bases de fiscalização no território e a continuidade dos inquéritos policiais são cruciais para identificar e responsabilizar os grupos criminosos que atuam na região.
Simultaneamente, o fomento às atividades extrativistas como a coleta de castanha, borracha e óleo de copaíba é uma medida importante para combater o aliciamento das populações locais e garantir a subsistência das comunidades tradicionais.
Garimpo ilegal
A exploração garimpeira ilegal também tem se intensificado nos últimos anos na Amazônia brasileira. De acordo com dados do MapBiomas, até 2023, a área de exploração garimpeira atingiu 283,8 mil hectares, com cerca de 90% dessa atividade no bioma amazônico. No ano passado, 1.643 hectares de floresta foram derrubadas para dar espaço à atividade garimpeira.
De acordo com o sistema de monitoramento Sirad X, entre 2018 e 2023, houve uma perda de mais de 9,9 mil hectares de floresta dentro das Áreas Protegidas da Bacia do Xingu devido ao garimpo ilegal. Desse montante, 85% somente na Terra Indígena Kayapó, o equivalente a 8,4 mil hectares, e que vem ocupando o primeiro lugar no ranking de área invadida por garimpo na região.
Incêndios florestais
Em tempos de mudanças climáticas, o fogo é outro grande desafio no Corredor do Xingu e que vem causando a destruição de florestas, a perda de biodiversidade, a emissão de gases de efeito estufa e a deterioração da qualidade do ar, segundo o monitoramento realizado entre 2010 e 2024.
Somente no ano passado, foram queimados 2.8 milhões de hectares, representando uma média mensal de 215.302 ha, conforme o registro do Mapbiomas Fire Monitor. Essa extensão corresponde a quase a mesma área queimada em 14 anos de monitoramento, de 2010 a 2023, que foi de 2,7 milhões de hectares.
O novo cenário surge como um desafio para as práticas ancestrais de muitas comunidades indígenas do Xingu, já que o fogo sempre foi considerado como um elemento cultural e utilizado para a limpeza de roças, caça e rituais. Com o clima mais seco, o fogo que antes era controlado pode escapar com facilidade e invadir grandes áreas de florestas. Uma das soluções apresentadas e que busca conciliar o conhecimento tradicional com as práticas ancestrais é o desenvolvimento de estratégias de manejo do fogo, por exemplo.