Manifestação com mais de sete mil pessoas seguia pacificamente em direção ao Congresso Nacional quando foi atacada por agentes
A marcha “A Resposta Somos Nós”, a segunda grande manifestação indígena do Acampamento Terra Livre (ATL) 2025, realizada no final da tarde desta quinta-feira (10/04), em Brasília, reuniu mais de sete mil pessoas e seguia com tranquilidade pelas ruas da capital, até sofrer ataques da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e do Departamento de Polícia Legislativa (DPOL) ao se aproximar do Congresso Nacional.
Acompanhe a cobertura do ISA no ATL 2025


Os manifestantes foram surpreendidos por bombas de gás lacrimogêneo e gás de pimenta. A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL/MG), que estava à frente da marcha, também foi atingida pelos efeitos do gás e precisou de atendimento médico. Mesmo se apresentando como parlamentar, os agentes da Polícia seguiram com os atos desproporcionais de violência.
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Diversos indígenas passaram mal, de acordo com Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e foram socorridos por equipes do Corpo de Bombeiros no local. “As pessoas mais atingidas foram mulheres, muitas chegaram a desmaiar”, afirmou ao Instituto Socioambiental (ISA) Kretã Kaingang, coordenador executivo da Apib.
A entidade, que celebra seus 20 anos de atuação em defesa dos indígenas no Brasil, reforçou que não houve qualquer ato de vandalismo que justificasse a reação policial, e ressaltou que o acesso ao gramado do Congresso foi feito de forma espontânea e pacífica, sem confrontos.
Imagens feitas pela imprensa e por manifestantes demonstram que não havia um cordão de isolamento formado por policiais, como seria o esperado, nas grades que circundam o Congresso Nacional para barrar a passagem dos participantes da marcha. Foi somente após os ataques que a Polícia Militar posicionou-se em frente ao Congresso.


Em nota à imprensa enviada na noite de ontem, a Apib afirmou que “repudia de forma veemente os atos de violência do Congresso anti-indígena, cometidos pelo Departamento de Polícia Legislativa (DPOL) e pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF)” e lamentou “o uso desnecessário de substâncias químicas contra os manifestantes, mulheres, idosos, crianças e lideranças tradicionais”.
Segundo a Apib, há indícios de que a ação policial faz parte de um “contexto de violência institucional disseminada contra os povos indígenas”, e apresentou um áudio, produzido nesta quarta-feira (09/04).
“Durante reunião convocada pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), para tratar da organização da marcha (...), um participante não-identificado proferiu manifestação de cunho racista e de incitação à violência: ‘deixa descer logo… deixa descer e mete o cacete se fizer bagunça’”, afirma o agente, ainda não identificado. O áudio foi obtido pela Apib após pedido feito ao órgão.
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Mesmo diante da violência, a Apib reafirmou seu compromisso com a luta por direitos, com o diálogo democrático e com a continuidade da mobilização. “Seguiremos ocupando Brasília com nossas vozes, nossos corpos e nossos cantos. Somos os guardiões da terra e da vida, e não nos calaremos diante da repressão”, declarou a organização.
“Meu repúdio total à inaceitável violência que vimos hoje no Congresso. Os povos indígenas merecem respeito”, disse a ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara, em um post nas redes sociais. Ela e a ministra Marina Silva, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), estiveram presentes no início do ato, que saiu do Eixo Monumental, onde acontece o acampamento.
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Realizado há 21 anos, o ATL é a maior mobilização indígena do mundo. Desde segunda-feira (07/04), lideranças de mais de 200 povos indígenas de todas as regiões do Brasil se reúnem em Brasília para denunciar retrocessos aos direitos indígenas, exigir a demarcação de terras e cobrar políticas públicas efetivas nas áreas de saúde, educação, segurança alimentar e enfrentamento à crise climática.
O encontro deste ano acontece poucos dias após a comissão de conciliação do marco temporal – convocada em abril de 2024 pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes – terminar sem consenso entre ruralistas e governo. Ontem, após pedido da Câmara dos Deputados e do Senado, o governo federal concordou com a prorrogação da comissão.
A tese ruralista do marco temporal estabelece que os povos indígenas só teriam direito às terras que ocupavam fisicamente em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Essa interpretação restringe severamente os direitos territoriais indígenas, desconsiderando os inúmeros casos de expulsões forçadas, violências e processos de recuperação territorial que não estavam formalmente registrados à época.
Leia a nota da Apib na íntegra:
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) repudia de forma veemente os atos de violência do Congresso anti-indígena, cometidos pelo Departamento de Polícia Legislativa (DPOL) e pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) na tarde desta quinta-feira, 10, durante a marcha “A Resposta Somos Nós”, que faz parte da programação do Acampamento Terra Livre (ATL).
O Congresso, além de aprovar leis inconstitucionais, ataca os povos indígenas e seus próprios deputados. A deputada indígena Célia Xakriabá (PSOL) e várias pessoas ficaram feridas ao serem recebidas com bombas de gás de pimenta e efeito moral, no local que deveria ser a casa da democracia. Lamentamos o uso desnecessário de substâncias químicas contra os manifestantes, mulheres, idosos, crianças e lideranças tradicionais.
Temos evidências de que os atos fazem parte de um contexto de violência institucional disseminada contra os povos indígenas. Ontem, durante reunião convocada pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), para tratar da organização da marcha do dia de hoje, um participante não-identificado proferiu manifestação de cunho racista e de incitação à violência: “deixa descer logo… deixa descer e mete o cacete se fizer bagunça”. Conforme registrado em gravação obtida por solicitação da APIB após a reunião, a fala foi proferida por um provável agente das forças de segurança.
Hoje, o acesso ao gramado do Congresso Nacional por parte dos manifestantes ocorreu de forma espontânea, sem qualquer ato de violência, depredação ou rompimento de barreira. A APIB reforça o caráter pacífico e democrático da manifestação, que reuniu mais de 7 mil lideranças indígenas de diferentes povos de todo o país.
A mobilização teve como objetivo a defesa de direitos constitucionais e o fortalecimento do diálogo com os Poderes da República. O Acampamento Terra Livre é realizado há mais de 20 anos na capital federal, sempre com forte organização, compromisso e respeito às instituições democráticas. Ao longo dessas mais de duas décadas, o movimento indígena sempre colaborou e continuará colaborando para garantir que o evento ocorra de forma tranquila e segura.
Acampamento Terra Livre 2025
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Brasília, 10 de abril de 2025