Debate com ministras, parlamentares e representantes do governo federal destacou protagonismo dos povos indígenas na luta para enfrentar a crise climática
Um dos momentos mais marcantes do quarto dia do 21º Acampamento Terra Livre (ATL) foi a plenária “A resposta somos nós: povos indígenas rumo à COP30", que contou com a presença de diversas lideranças indígenas nacionais e internacionais, representantes de organizações parceiras, autoridades do governo federal e parlamentares.
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A maior mobilização do movimento indígena do mundo acontece desde segunda-feira (07/04) no centro de Brasília e reúne cerca de sete mil indígenas dos diferentes povos para denunciar retrocessos aos direitos indígenas, exigir a demarcação de terras e cobrar políticas públicas efetivas nas áreas de saúde, segurança alimentar e enfrentamento à crise climática.

A tenda principal estava lotada para acompanhar o lançamento da Comissão Internacional Indígena para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP30), que ocorrerá em novembro, em Belém (PA).
Conduzida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a plenária também anunciou a Contribuição Nacionalmente Determinada Indígena (NDC) e teve a participação do presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago; da secretária-executiva da COP30, Ana Toni; da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara; da ministra do Meio Ambiente e de Mudanças do Clima, Marina Silva; do secretário-geral da Presidência da República, Márcio Macêdo; do Secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos do Ministério da Igualdade Racial, Ronaldo dos Santos; e das deputadas federais Célia Xacriabá (PSOL-MG) e Érika Hilton (PSOL-SP).

Ao anunciar o lançamento da Comissão Internacional Indígena, o coordenador-executivo da Apib, Kleber Karipuna, disse esperar que a COP30, em Belém, seja a maior em participação indígena e destacou a importância da luta do movimento nas ações de enfrentamento às mudanças climáticas.
“O lançamento dessa Comissão Internacional é fruto da nossa luta, da nossa articulação e do nosso movimento conjunto da Apib, da Aliança Global (de Comunidades Territoriais) e de todos os atores que fazem parte da luta do movimento indígena”, afirmou.
“Só é possível essa articulação porque nós estamos fazendo parte desse processo de diálogo e de discussão com o governo, com os mecanismos internacionais e com outros atores para garantir a nossa presença na COP do clima e levarmos a nossa voz, as nossas demandas".
"Não é possível que a 30ª COP deixe de falar que a solução para o enfrentamento da crise climática é a demarcação das terras indígenas, é a proteção da nossa biodiversidade e dos territórios indígenas", enfatizou.
Indígenas na linha de frente
A ministra Sônia Guajajara ressaltou a força da articulação da Apib e de suas regionais para garantir o protagonismo indígena na conferência do clima e destacou o esforço do governo federal nessa frente.
“Essa é uma conferência global, que acontece todos os anos, e nós sempre lutamos para que os povos indígenas estivessem no centro desse debate, porque comprovadamente os territórios indígenas funcionam como grande barreira contra o avanço das monoculturas, da mineração, do garimpo e do agronegócio”, pontuou.
"Nós também estamos criando essa comissão internacional, que estará dentro de um círculo que será criado por essa presidência (da COP30) e nesse círculo estarão as instâncias maiores, representativas dos povos indígenas", explicou a ministra, ao destacar a importância da Comissão Internacional da COP30, da qual será presidente.
O esforço do governo federal em defender os direitos dos povos indígenas e impedir o avanço do desmatamento, do garimpo e do agronegócio nos territórios foi o tema central da fala da ministra Marina Silva. Ela também pontuou as ações para que a COP30 ouça e reflita as demandas dos povos e comunidades tradicionais.
“O presidente Lula tem o compromisso de desmatamento zero até 2030. Tem o compromisso de que nós vamos ter uma NDC de 67% de redução de emissão de CO2 para todos os setores. Mas isso não é algo que é feito só por um governo, mas pela força transformadora de um povo”, ressaltou a ministra.

Ela finalizou agradecendo os ensinamentos dos povos indígenas. "Quero agradecer aos povos indígenas, porque eles nos ensinam como lutar com os recursos naturais sem destruir a floresta, a biodiversidade, os rios, os peixes e tudo que a natureza nos oferece".
Em uma rápida saudação, o embaixador André Corrêa do Lago destacou o orgulho de conduzir os trabalhos da COP30 com a possibilidade de ouvir lideranças indígenas de todo o país.
“Vocês dão uma dimensão ao Brasil que só me enche de orgulho e eu acho que nenhum presidente da COP teve o privilégio de estar cercado por pessoas como vocês. Vocês nos inspiram, vocês inspiram o mundo e essa COP vai abraçar vocês e vocês têm que abraçar essa COP. E a única coisa que eu posso dizer é que hoje eu tenho um imenso orgulho de ser brasileiro".
Parlamento também é lugar de mulher indígena
Eleita deputada federal em 2022 pelo estado de Minas Gerais, Célia Xakriabá, do povo Xakriabá, localizado no norte do estado, ressaltou o peso do parlamento nas ações para impedir os retrocessos contra povos indígenas e o meio ambiente.
“Nós temos uma grande luta. Fui presidenta da Comissão da Amazônia, dos Povos Originários e de Comunidades Tradicionais, e quero dizer que não precisa ser da Amazônia para defender a Amazônia; da Caatinga, do Cerrado, do Pampa e do Pantanal para defender esses biomas. As pessoas não sabem, mas 90% dos parlamentares da Amazônia são contra o meio ambiente. Então é preciso ter a força dos parlamentares e de um Congresso Nacional onde existem mais de mil projetos de lei de retrocesso aos territórios indígenas", enfatizou a deputada, que é relatora, na Câmara dos Deputados, da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).
Ao final da marcha “A resposta somos nós", que ocorreu logo após a plenária, Célia Xakriabá foi uma das atingidas pelos efeitos do gás de pimenta lançado por policiais militares contra os indígenas que se aproximavam do gramado do Congresso Nacional. Célia estava à frente da marcha e se apresentou como deputada federal, mas ainda assim os agentes da Polícia Militar seguiram com os atos desproporcionais de violência. Diversos indígenas passaram mal e foram socorridos por equipes do Corpo de Bombeiros no local.
Confira as declarações da deputada em coletiva de imprensa:
Leia a nota e confira a coletiva de imprensa da Apib ocorrida na manhã desta sexta-feira (11/04).
"Devolvam a nossa terra que vocês tomaram”
"Não haverá justiça climática sem a demarcação dos nossos territórios. E sem a demarcação dos nossos territórios continuaremos morrendo”, assim a coordenadora da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e liderança da aldeia Tekoa Takuatya, Ju Kerexu abriu a sua fala na plenária “A resposta somos nós: povos indígenas rumo à COP30".
Para destacar a urgência de todos os povos do Brasil terem seus territórios demarcados como parte da luta contra a crise climática, Kerexu puxou um canto reza, junto com indígenas guaranis presentes, que diz: “Peme’ẽ jevy, peme’ẽ jevy/ Ore yvy peraa va’ekue/ Roiko’i aguã (Devolvam, devolvam/ a nossa terra que vocês tomaram/ Para que a gente continue vivendo).

"Quando a gente fala sobre a COP30, especialmente essa, que possa ser de fato a COP dos povos indígenas, para que a gente possa trazer a nossa voz, trazer os nossos cantos, trazer as nossas pisadas, pois nós sabemos a resposta, e a resposta somos nós. E, assim, dizer para o mundo inteiro, que todos precisamos desse planeta para existir", emendou a liderança após o canto.
Sineia do Vale, indígena do povo Wapichana e co-presidente para América Latina e Caribe do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas (Caucus Indígena), também ressaltou a importância da luta pela demarcação das terras indígenas quando se fala em COP30 e em soluções para enfrentar a emergência climática.
“A COP é o espaço em que nós vamos discutir principalmente sobre a questão climática, mas isso não é menos do que nós trazermos o principal foco de todas as discussões de todos os povos indígenas do Brasil e do mundo, que é principalmente a demarcação de nossas terras, que é essencial para a questão das mudanças climáticas", defendeu.
A NDC indígena
Elaborada a partir do acúmulo de propostas das organizações regionais da Apib, a NDC Indígena (Contribuição Nacionalmente Determinada), lançada no 21º ATL, reforça que o debate climático precisa considerar a equidade, a autodeterminação e a participação efetiva dos povos indígenas e comunidades tradicionais na implementação da NDC brasileira, no âmbito do Acordo de Paris.
Conforme divulgado pela Apib, o documento é dividido em seis eixos temáticos:
- Mitigação, que defende o reconhecimento e a proteção dos direitos territoriais dos povos como política essencial de mitigação climática;
- Adaptação, que destaca a importância de proteger saberes ancestrais, como o manejo do fogo e a medicina indígena;
- Financiamento, que propõe revisar mecanismos existentes e criar instrumentos específicos para o financiamento direto das organizações indígenas;
- Transferência de tecnologia, que sugere integrar conhecimentos tradicionais à ciência moderna nas estratégias climáticas;
- Capacitação, com foco em formação técnica e acesso a informações climáticas em linguagem acessível;
- Justiça e ambição, que reconhece a dívida histórica com os povos indígenas e tradicionais;
- Co-benefícios, que relacionam a demarcação de terras às ações contra a mudança do clima, fortalecendo os compromissos internacionais do Brasil.
"O documento é baseado na justiça climática, no direito ao consentimento livre, prévio e informado, e na importância de soluções que respeitem a natureza e sejam pensadas e lideradas pelos povos indígenas", afirmou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
Comissão Internacional Indígena para a COP30
Com o desafio de amplificar a visibilidade e a influência dos povos indígenas nas negociações climáticas, a Comissão Internacional Indígena para a COP30 será presidida pela ministra Sonia Guajajara e composta pelas seguintes organizações: Apib, Coiab, Anmiga, o G9 da Amazônia Indígena, a Aliança Global de Comunidades Territoriais (GATC), e o Fórum Permanente da ONU sobre Assuntos Indígenas (UNPFII).
De acordo com a Apib, além destas, há diálogo para participação de outras organizações e fóruns internacionais indígenas.
Entre as funções e tarefas da Comissão estão o desenvolvimento de uma metodologia para garantir o credenciamento de povos indígenas para a Conferência das Partes como prática institucionalizada para futuras COPs; assegurar que haja foco em prioridades específicas dos povos originários; conduzir reuniões regionais; e planejar e executar eventos e reuniões com Estados-partes, agências da ONU e aliados, com o objetivo de ampliar as demandas dos povos.