O presidente e sócio-fundador do ISA, Márcio Santilli, defende que a conferência de mudanças climáticas em Belém precisa focar na maior causa da emergência climática: os combustíveis fósseis

Artigo publicado originalmente na Central da COP, em 13/3/2025
A 30ª conferência da ONU sobre as mudanças climáticas ocorrerá em Belém (PA), em novembro. O simples fato dela se realizar numa capital da Amazônia é muito significativo. Afinal, a importância dessa região é vital para o mundo enfrentar essa ameaça emergencial à vida. A floresta armazena enormes quantidades de carbono que, se liberadas para a atmosfera por desmatamento ou queimada, podem acelerar o aquecimento global numa escala igualmente grande.
Porém, duas circunstâncias impõem à COP 30 desafios extraordinários. A primeira: será a primeira conferência após a superação, em 2024, do 1,5 °C na temperatura média da superfície terrestre acima do nível pré-industrial. A segunda: será o palco do anúncio oficial do abandono do Acordo de Paris, o tratado internacional de combate às mudanças climáticas, pelos EUA, maior emissor histórico e segundo maior emissor atual de gases do efeito estufa causadores da crise.
O teto de 1,5 ºC orienta as metas de redução de emissões dos países, que devem apresentar nos próximos meses a atualização das suas NDCs, ou seja, seus compromissos nacionais em relação a essa meta global. Em Belém, será possível avaliar o alcance desses compromissos para conter o aumento médio da temperatura do planeta em um nível suportável.
Por sua vez, a retirada dos EUA do processo, por decisão do governo de Donald Trump, vai na direção oposta. A sua disposição em aumentar a produção de petróleo e em reduzir investimentos em energia limpa impõe retrocessos, diante de uma situação climática emergencial. É provável que alguns estados, como a Califórnia, mantenham leis e políticas para reduzir emissões, apesar do governo federal. Mas também é provável que a posição leniente de Trump estimule a saída de outros países, como a Argentina, e seja o pretexto para que outros mais não avancem nas suas metas.

Clima na floresta
Belém não é uma floresta. É uma grande cidade com mais de 1,3 milhão de pessoas. Mas o clima amazônico deve ser inspirador para a maior parte dos 50 mil visitantes esperados para a COP 30. Sua realização, em quaisquer condições, tem sabor de vitória para os que pelejaram, anos a fio, para que os acordos internacionais sobre o clima considerassem positivamente as florestas tropicais como parte do problema e da sua solução.
A COP em Belém ensejará uma mobilização sem precedentes dos movimentos sociais ligados à questão florestal, como indígenas, extrativistas, quilombolas, ambientalistas, cientistas, jovens e interessados em geral, tanto no Brasil quanto nos países vizinhos. Já vem atraindo investimentos importantes em infraestrutura e vai promover oportunidades econômicas para a cidade.
É bem provável que parte dos visitantes tenham a oportunidade, antes ou depois do evento, para conhecer melhor a região, adentrar de fato a floresta e participar de projetos de turismo de base comunitária. Seria muito enriquecedor para os visitantes, assim como para os paraenses.
O cenário amazônico será, sobretudo, um forte estímulo para avanços no trato das agendas correlatas ao binômio florestas e clima, tanto aquelas normativas quanto para apoiar iniciativas de escala para zerar o desmatamento, multiplicar a restauração florestal e potencializar as condições de vida dos povos da floresta, essenciais para o seu manejo a longo prazo. Urge incluir nessa pauta o apoio a projetos de adaptação dessas populações às novas condições climáticas.

Florestas mortas
A copaíba é uma planta medicinal da floresta amazônica. O óleo extraído dela é indicado para o tratamento de dermatite, pano branco, micoses de pele, erupção cutânea, eczema, acne, psoríase, artrite reumatoide, dor nas articulações ou musculares, cicatrização e desinfecção de feridas, caspa, tosse, bronquite, asma, gripes e resfriados, cistite e infecções urinárias, incontinência urinária, corrimento e gengivite.
A copaíba é um ícone da generosidade da floresta viva, que precisamos preservar. Ela é inimiga do desmatamento, do fogo florestal e do ressecamento do clima, que ameaçam a sua existência.
Porém, a agenda que trata da conservação é insuficiente para reverter a emergência climática. Ela não pode prescindir de outra agenda, que remete a florestas mortas. Sim, porque o petróleo, o gás natural e o carvão consistem em depósitos de matéria orgânica no subsolo, cuja queima produz 80% dos gases de efeito estufa que se concentram na atmosfera. Significa que a capacidade humana de consumir combustíveis fósseis é muito maior do que a de assassinar florestas vivas, embora esta também seja tremenda.
Por isso, o desenvolvimento desejável da agenda florestal não pode prescindir do tratamento da queima dos combustíveis fósseis. A COP 30 não pode se limitar à agenda florestal e tem que proporcionar espaço de denúncia e de cobrança sobre as emissões fósseis. Essa continua sendo a agenda prioritária, sem a qual as florestas vivas não poderão sobreviver. O cenário florestal inspirador da COP 30 não deve virar uma nuvem de ilusão.