Extrema-direita quer mutilar Frente Parlamentar Indígena
Sócio fundador do ISA, Márcio Santilli denuncia a tentativa bolsonarista de tomar de assalto a Frente Parlamentar Indígena. Artigo publicado originalmente no site da Mídia Ninja
Márcio Santilli
- Sócio fundador e presidente do ISA
Deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO) | Paulo Sérgio / Câmara dos Deputados
Coronel Chrisóstomo é deputado federal reeleito pelo PL em Rondônia. Às vezes, desfila pela Câmara com terno e quepe do Exército. Integra a Comissão de Segurança Pública e a chamada “Bancada da Bala”. Na reforma da Previdência, votou por regras mais flexíveis para a aposentadoria de policiais, mas rejeitou tratamento similar para os professores. Participou da base parlamentar do governo anterior e, agora, deve estar entre os opositores mais radicais ao presidente Lula no Congresso.
Chrisóstomo não tem nada de indígena, muito pelo contrário. Defende os invasores de Terras Indígenas no seu estado e nunca se importou com a trágica situação dos Yanomami e de outros povos engendrada no governo passado. Apesar disso, ele protocolou na mesa da Câmara um requerimento para reconstituir a Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas, que esteve sob a coordenação da ex-deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), agora presidente da Fundação dos Povos Indígenas (Funai).
Não se trata de uma conversão súbita ao indigenismo. O deputado bolsonarista representa o estado de Rondônia, mas subverte o espírito do Marechal Rondon. Ao contrário, o seu requerimento presta-se a tentar um golpe, para usurpar o protagonismo da bancada indígena na reconstrução da FPI na legislatura que se inicia. O objetivo é inverter a sua missão, fazendo dela um instrumento de boicote às políticas indígenas.
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Deputada Célia Xakriabá (PSol-MG) / Benjamim Mast / La Mochila Produções / ISA
Frente e versus
Como diz o ditado, “ninguém chuta gato morto”. As frentes parlamentares são grandes guarda-chuvas políticos e a sua formação depende do apoio de cerca de 200 parlamentares. Em geral, atuam de forma intermitente. Mas a FPI esteve entre as mais atuantes na legislatura passada, sob a coordenação da deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), com apoio das organizações indígenas e agenda consistente. A FPI teve um papel fundamental na resistência ao retrocesso nas políticas do governo Bolsonaro, impedindo, por exemplo, a subordinação da Funai ao Ministério da Agricultura e aprovando a implantação de um programa específico de proteção à população indígena na pandemia.
Joenia fez um excelente mandato como primeira mulher indígena a chegar à Câmara. Nas eleições passadas, aumentou em 30% a sua votação pessoal, mas a sua federação partidária não atingiu, em Roraima, o quociente eleitoral necessário para conquistar uma cadeira. A convite do próprio presidente Lula, será a primeira presidente indígena da Funai.
Apesar da não reeleição de Joenia, duas mulheres diretamente ligadas ao movimento indígena elegeram-se deputadas federais nas últimas eleições: Sônia Guajajara, por São Paulo, e Célia Xakriabá, por Minas Gerais, ambas do PSol. Sônia foi nomeada por Lula para dirigir o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas e Célia permanecerá na Câmara como referência principal do movimento indígena.
Outros parlamentares eleitos também se auto-identificam como indígenas, como os senadores Hamilton Mourão (Republicanos-RS), ex-vice-presidente da República, e o atual ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias (PT-PI), além da deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP). Eles são descendentes de povos indígenas, mas não participam do movimento indígena e nem mantêm vínculos, ou são reconhecidos como tais, por suas comunidades de origem.
A deputada Juliana Cardoso (PT-SP) também se auto-identifica como indígena e promete atuar de forma contundente na defesa dos direitos dos povos originários.
Seria mais do que natural que, na legislatura que se inicia, Célia Xakriabá viesse a coordenar a FPI, sucedendo à Joênia. Mas é aí que entra na história o requerimento fake do Coronel Chrisóstomo: a ideia é puxar o tapete e derrubar Célia, convertendo a FPI numa frente anti-indígena, a ser comandada por Silvia Waiãpi, do seu partido.
Sílvia Waiãpi é tenente do Exército, foi eleita pelo PL e é bolsonarista “raiz”. Lideranças do povo Waiãpi já disseram que não compartilham das posições políticas da deputada e que ela não os representa. Por sua vez, a apoiadora de Bolsonaro não tem compromisso com a defesa de direitos indígenas, embora se identifique como indígena: opõe-se à demarcação de terras, defende o garimpo predatório nessas áreas e a aculturação forçada dos povos originários.
Em disputa
As frentes parlamentares são espaços suprapartidários, para tratar de agendas específicas. Não se confundem com as comissões permanentes, que aprovam pareceres sobre projetos de lei e outras proposições legislativas a serem votadas em plenário. A função das frentes é de articulação e mobilização, para unir diferentes forças em função de objetivos comuns.
Suas coordenações, quase sempre, são definidas de forma consensual, entre os parlamentares mais atuantes em cada tema. Só eventualmente há disputa por elas. Agora mesmo, há quatro pretendentes a coordenar a Frente Parlamentar Evangélica, mas essa é uma exceção e não a regra. O requerimento de Chrisóstomo, no entanto, é a primeira tentativa para inverter o objetivo político de uma frente, além de usurpar sua coordenação.
A disputa pela FPI ilustra bem o que podemos esperar de um Congresso altamente polarizado, como o que toma posse nesta semana. É bem verdade que, nunca antes na história do país, os povos indígenas tiveram tanta presença direta no Estado, o que também influenciará o novo Congresso. Mas toda a atenção é pouca: a história nos ensina que, em briga de branco, sempre sobra para os povos indígenas.
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O que você precisa saber para entender a crise na Terra Indígena Yanomami
Dados confirmam que tragédia é resultado direto do desmonte de serviços de saúde e do agravamento da invasão garimpeira promovidos pelo governo Bolsonaro
No dia 20/1, a agência Sumaúma noticiou que 570 crianças de até cinco anos morreram de doenças evitáveis, entre 2019 e 2022, na Terra Indígena (TI) Yanomami (AM-RR). As fotos de crianças e idosos esquálidos, desnutridos, divulgadas na imprensa e nas redes sociais causaram comoção dentro e fora do Brasil.
Acompanhado de vários ministros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi a Roraima avaliar a crise. O governo decretou emergência de saúde na área e anunciou uma série de medidas, como o envio de equipes médicas à região e a instalação de um hospital de campanha em Boa Vista.
A repercussão do caso gerou indignação, dúvidas, surpresa, com a impressão de que o problema veio a público só agora, e, claro, fake news. Logo começaram a circular notícias falsas para desviar o foco da responsabilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro. Contra fatos e imagens, ele classificou a situação como uma “farsa da esquerda”.
O ISA resumiu abaixo, num texto de perguntas e respostas, as principais informações e dados científicos colhidos por pesquisadores, técnicos do governo, imprensa, sociedade civil e as próprias comunidades para você entender a tragédia humanitária que se abateu sobre os Yanomami e ajudar a combater a desinformação.
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Garimpo no Rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami, em janeiro de 2022
O que está acontecendo na Terra Indígena Yanomami pode ser considerado genocídio?
A Lei 2.889/1956 diz que o genocídio é caracterizado pela “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, por meio de atos como: “matar membros do grupo; causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo”. A definição segue a legislação internacional.
Juristas ouvidos pela imprensa nos últimos dias dizem que há indícios de que a gestão Bolsonaro cometeu o crime na TI Yanomami, mas apenas um julgamento pela Justiça brasileira ou internacional poderá confirmá-lo.
Na segunda (30), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso determinou a abertura de inquérito contra autoridades federais para apurar essa possibilidade. Não se sabe exatamente quem é alvo do processo porque ele está sob sigilo.
Na semana passada, o ministro da Justiça, Flávio Dino, já tinha determinado que a Polícia Federal (PF) também investigasse os possíveis crimes de genocídio e omissão de socorro por parte do governo anterior no território indígena.
O assassinato de 16 Yanomami por garimpeiros, em 1993, conhecido como “Massacre de Haximu”, é o único caso do crime de genocídio confirmado pela Justiça brasileira.
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Garimpo no Rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami, janeiro de 2022
Quais os motivos para a crise de saúde na Terra Indígena Yanomami?
Agravadas ao longo dos últimos cinco anos, as razões da crise são a desestruturação da assistência à saúde indígena e a invasão garimpeira, responsável por uma série de impactos sanitários, ambientais, socioculturais e econômicos sobre as comunidades.
Não é verdade que a origem da situação seja a suposta incapacidade produtiva dos indígenas. Ao contrário, com suas terras e seus recursos naturais preservados, eles conservam boas condições de vida.
Também não é verdade que a crise Yanomami seja comum a outras populações indígenas neste momento. Há outras TIs com problemas parecidos, mas não na mesma escala e pelos mesmos motivos.
Qual a relação entre o garimpo ilegal, a disseminação de doenças e a desnutrição entre os Yanomami?
O garimpo é o responsável direto por uma série de problemas graves entre os povos originários. No caso Yanomami, há relação comprovada entre a explosão da atividade e o aumento de casos de doenças infectocontagiosas, como gripe e pneumonia.
É inequívoca ainda a associação entre a devastação provocada pela mineração ilegal e a propagação da malária, facilitada pela multiplicação de invasores e pelas crateras com água parada, fruto da atividade e propícias à proliferação de mosquitos transmissores da enfermidade.
Em virtude do contato razoavelmente recente e do isolamento relativo, os indígenas têm menos defesas imunológicas para moléstias comuns entre não indígenas.
A ocupação do território, a destruição da floresta, a contaminação dos corpos de água promovidas pelo garimpo dificultam a manutenção e abertura de roças, a caça, a pesca e a coleta de frutos, as principais fontes de alimentação das comunidades.
Uma parte delas também é aliciada. Especialmente vulneráveis a falsas promessas de prosperidade, jovens recebem armas e comida para trabalhar ou aliar-se aos invasores. Mulheres são abusadas e exploradas sexualmente. O recrudescimento da violência cria um clima de tensão permanente. Os moradores ficam sitiados em suas próprias aldeias.
Todo o quadro é agravado pelo desmonte da assistência aos indígenas. Além disso, os invasores têm se apossado de parte da infraestrutura de atendimento, como pistas de pouso e postos de saúde. A violência do garimpo dificulta a presença de equipes médicas, a distribuição de medicamentos e alimentos.
Sem comida e assistência médica, a condição dos enfermos piora. Como a economia indígena depende da mão de obra familiar, as atividades tradicionais de subsistência ficam inviáveis com as pessoas permanentemente adoecidas ou trabalhando no garimpo, num círculo vicioso de fome, debilidade física e escassez.
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Garimpo no Rio Novo, Terra Indígena Yanomami, janeiro de 2022
Qual a extensão da crise de saúde na Terra Yanomami?
Conforme dados do Ministério da Saúde obtidos pela agência Sumaúma, 570 crianças de até cinco anos morreram de doenças evitáveis na TI Yanomami, entre 2019 e 2022, um aumento de 29% em relação a 2015-2018. De acordo com o Ministério dos Povos Indígenas, 99 crianças de um a quatro anos teriam morrido, só em 2022, por causas como desnutrição, pneumonia e diarreia.
Cerca de 56% das crianças da área acompanhadas tinham um quadro de desnutrição aguda (baixo ou baixíssimo peso para a idade) em 2021, segundo dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) fornecidos à agência Pública. “O estado nutricional das crianças Yanomami é realmente muito ruim, só comparável aos dados de crianças da África Subsaariana”, afirmou o médico Paulo Basta, da Fiocruz à agência.
Apenas entre 2020 e 2021, a TI Yanomami registrou mais de 40 mil casos de malária, de acordo com o Sistema de Informações de Vigilância Epidemiológica (Sivep) do Ministério da Saúde. Isso tudo para uma população de cerca de 30 mil pessoas.
É importante observar que a TI Yanomami é a maior do país, com cerca de 96 mil km2 (superando a extensão de Portugal), e há diferenças entre as 370 comunidades. As regiões mais distantes das invasões têm uma condição sanitária mais favorável, embora a precarização do atendimento à saúde impacte todo o território.
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Bebês yanomami desidratados são atendidos em hospital em São Gabriel da Cachoeira (AM), em 2020 | Raquel Uendi / ISA
O que aconteceu com os serviços de saúde Yanomami nos últimos anos?
A saúde indígena foi desestruturada pelo governo Bolsonaro, embora sempre tenha apresentado deficiências. A pandemia de Covid-19 agravou e escancarou a situação.
No caso Yanomami, a má gestão de recursos e o aparelhamento político, com a nomeação de pessoas sem conhecimento e experiência para cargos importantes, criaram um quadro de desorganização, escassez de equipamentos, mão de obra, medicamentos e outros insumos.
Indígenas e profissionais de saúde relataram o fechamento ou abandono de postos de saúde e a redução dos atendimentos nos que continuaram funcionando. O problema foi documentado pelo relatório Yanomami Sob Ataque, publicado pela Hutukara Associação Yanomami e a Associação Wanasseduume Ye’kwana.
Auditorias da própria administração federal confirmaram várias falhas no Distrito Especial de Saúde Indígena Yanomami (DSEI-Y): desatualização de indicadores de saúde; descumprimento de jornadas de trabalho e metas de atendimento; entrega de medicamentos com data de validade próxima do vencimento; transporte por aeronaves sem autorização de voo, entre outros. Os relatórios foram ignorados pelo governo.
Na verdade, a crise sanitária é ainda pior por causa da subnotificação e do “apagão” de dados dos últimos anos. Por exemplo, 90% das crianças yanomami eram monitoradas pelo DSEI-Y em 2019, mas o número baixou para 75%, em 2022. Nas estatísticas oficiais, houve melhora nos registros de desnutrição, mas ocorreu o contrário, simplesmente porque o número de crianças acompanhadas caiu. No início do governo Bolsonaro, já se sabia que a situação era ruim e, mesmo assim, a vigilância foi reduzida.
Quando começou exatamente a crise de saúde na Terra Indígena Yanomami? Ela veio a público só agora?
Não há dúvida de que a situação agravou-se a partir de 2018 e 2019, com as eleições e o início do governo Bolsonaro, embora já houvesse problemas na assistência e invasores na área. O discurso antiambiental de Bolsonaro e seus aliados e o desmonte dos órgãos de fiscalização estimularam a ocupação ilegal de áreas protegidas e provocaram recordes sucessivos de desmatamento. O território yanomami foi um dos mais afetados.
Não é verdade, portanto, que a situação seja a mesma em 30 anos, embora os Yanomami já tenham passado por crises graves, principalmente com a intensificação do contato com os não indígenas e a primeira grande onda garimpeira, nos anos 1970 e 1980. Profissionais de saúde e lideranças indígenas reafirmam que a situação nunca foi tão grave nesse período.
Muita gente teve a impressão de que a crise veio a público só agora porque as notícias sobre ela alcançaram uma audiência sem precedentes, resultado da repercussão da visita do recém-empossado presidente Lula e das medidas emergenciais tomadas por seu governo.
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Quem são os responsáveis pela crise de saúde dos Yanomami?
Notoriamente anti-indígena, Bolsonaro foi o primeiro presidente da República desde a Redemocratização a não demarcar “nenhum centímetro” de TIs, como prometeu em campanha.
Durante todo o governo, ele estimulou o crime ambiental e sua regularização, em especial o garimpo ilegal nas TIs. Também promoveu um desmonte administrativo sem precedentes na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e no Ibama, responsáveis pela fiscalização dessas áreas.
Tudo isso resultou, a partir de 2019, numa onda de invasões a áreas protegidas e recordes sucessivos de desmatamento em cerca de 15 anos. A TI Yanomami foi uma das mais afetadas.
A saúde indígena também sofreu com a desestruturação de políticas públicas do governo Bolsonaro. As deficiências já existentes recrudesceram.
Forças militares e de segurança também reduziram a fiscalização e, muitas vezes, negaram apoio a operações para a retirada dos invasores e proteção das aldeias.
Toda a situação foi denunciada aos órgãos federais, ao Ministério Público, à imprensa e nas redes sociais pelo Conselho Distrital de Saúde Yanomami e Ye’kwana (Considisi-Y), a Hutukara Associação Yanomami, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o ISA. Os alertas foram desprezados, no entanto. Pelo menos 21 ofícios sobre o caso foram ignorados por diversas instituições oficiais em apenas dois anos, informou o The Intercept Brasil.
A ordem de isolar e conter os garimpeiros na TI Yanomami também foi ignorada. O mesmo aconteceu com decisões do próprio STF e da Justiça Federal para que a União formulasse e executasse um plano para retirar os invasores. Também foi desconsiderada uma deliberação da Corte Interamericana de Direitos Humanos e pedidos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Se as determinações e alertas tivessem sido atendidos, a crise não teria ocorrido ou seria menor.
Portanto, têm responsabilidade sobre a tragédia, em diferentes graus e aspectos, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-vice-presidente Hamilton Mourão, então coordenador do Conselho Nacional da Amazônia, responsável por articular as ações de fiscalização ambiental na região durante o último governo. Também podem ser responsabilizados os respectivos dirigentes, no antigo governo, da Funai, do Ibama, da PF e dos ministérios da Saúde, da Justiça, da Defesa e do Meio Ambiente, entre outros que uma investigação adequada vier a apontar.
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Presidente Lula visita indígenas yanomami em Boa Vista, Roraima, 20/1/2023 | Ricardo Stuckert / PR
Quais as medidas tomadas pelo governo até agora para enfrentar a crise sanitária na TI Yanomami?
Ainda no dia 20, o governo federal decretou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional na TI Yanomami. Trata-se de uma situação que demanda o emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, de danos e de agravos à saúde pública, em situações que podem ser epidemiológicas (surtos e epidemias), de desastres ou de desassistência à população. Esse último é o caso dos Yanomami.
A gestão federal também anunciou o envio de equipes médicas para prestar assistência emergencial e fazer um diagnóstico da situação, além da instalação de um hospital de campanha em Boa Vista e de um Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE), que fará a coordenação das ações contra a crise e deverá ser gerido pela Sesai.
Foi criado ainda um Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami, que vai discutir as medidas a serem adotadas, apoiar a articulação entre poderes e estados e apresentar um plano de ação em 45 dias. Fazem parte do colegiado os ministérios dos Povos Indígenas, da Saúde, da Defesa, da Justiça, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.
O governo planeja uma grande operação de retirada dos garimpeiros. A ação ainda não tem data para acontecer, mas nesta segunda (30), em reunião com vários ministros, o presidente Lula pediu pressa no bloqueio do espaço aéreo e dos principais rios que cortam a área, com o objetivo de estrangular a logística do garimpo. Cerca de 56 toneladas de alimentos e medicamentos já teriam sido enviados à TI Yanomami, segundo a Força Aérea Brasileira (FAB).
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O fracasso é a alma do negócio
Em artigo, a especialista em Biodiversidade do ISA, Nurit Bensusan, analisa as perspectivas e o contexto da 15ª conferência da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), no Canadá
Nurit Bensusan
- Especialista em Biodiversidade do ISA
O ano em que a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) chega aos seus 30 anos deveria conduzir a um momento de reflexão. Uma convenção balzaquiana deveria olhar para si mesma e avaliar por que tem tido tanta dificuldade em cumprir seus objetivos. Mas será que essa primeira impressão, talvez apressada, corresponde à realidade? Seus objetivos, de fato, não são cumpridos?
Os objetivos maiores da CDB, explícitos em seu texto original, são a conservação e o uso sustentável da biodiversidade e a repartição justa e equitativa dos seus benefícios derivados. Ora, não é preciso muito para constatar que esses objetivos estão longe de ser alcançados. A perda de diversidade biológica em todo o planeta continua crescendo, seu uso sustentável é uma miragem e a repartição de benefícios, uma exceção. Vale lembrar ainda que o tratado fracassou em implementar todas as 20 metas que definiu para si mesma entre 2011 e 2020.
Um rápido exame dos documentos que estão sendo discutidos, neste momento, na 15ª Conferência das Partes (COP 15), em Montreal, no Canadá, também ajuda a confirmar a impressão de que, daqui para frente, nada vai mudar e os objetivos da convenção continuarão a ser apenas um conjunto de boas intenções. A COP 15, para além de debater os temas habituais ligados à CDB, está discutindo um novo Marco Global para a Biodiversidade e se debruçando sobre temas que emergiram, nos últimos anos, em função do desenvolvimento tecnológico, como a biologia sintética e as sequências digitais (informações genéticas armazenadas sob forma de sequências digitais).
Se, nem no presente nem no futuro desse tratado internacional, é possível vislumbrar dúvidas para nossa primeira impressão – a de que a CDB deveria estar examinando sua baixa taxa de implementação e seu fracasso em alcançar suas metas – talvez seja possível encontrar algum indício no passado, nas origens da ideia de biodiversidade e de sua convenção.
O conceito de biodiversidade
Em algum momento da década de 1980, ganhou tração a ideia de ampliar o conceito de diversidade biológica, antes compreendido como diversidade de espécies e, algumas vezes, também como a variedade existente entre os indivíduos de uma mesma espécie, para todas as dimensões da diversidade existente no planeta. Em 1992, na Rio-92, a Convenção sobre a Diversidade Biológica já tratou biodiversidade quase como um sinônimo de natureza. Quase...
E quase não porque a biodiversidade abarcaria, como muitos defendem, apenas a “parte viva da natureza”, mas quase porque o conceito de biodiversidade é uma tentativa reducionista de lidar com a natureza, uma tentativa de dar uma aparência científica, mensurável, administrável, compreensível para todo esse mundo complexo que nos cerca e no qual estamos imersos até o último pelinho microscópico das bactérias que habitam o nosso corpo.
É possível que isso tenha acontecido – adotar o termo biodiversidade para se referir à natureza – por boa-fé da parte dos cientistas. Mas não é possível ignorar algumas consequências e outros elementos que estão na origem dessa substituição. Uma das consequências é a perda do valor afetivo que o termo “natureza” desperta nas pessoas em geral, que em sua grande maioria sequer sabe o que é biodiversidade. Assim, a perda de biodiversidade causa menos angústia do que a degradação da natureza.
Conservação e colonialismo
Há, ainda, diversos outros elementos importantes para pensarmos nos sucessivos fracassos da CDB e o que significa o uso do termo “biodiversidade”. Um deles é o que representa todo o aparato de conservação da biodiversidade, que vem de antes da convenção e ganhou força com ela, diante das formas tradicionais e históricas de povos indígenas e comunidades locais de compartilhar o mundo com os diversos seres que o habitam.
Após invadir, destruir, predar e dominar boa parte do planeta, o mundo eurocêntrico, montado no colonialismo que emergiu com a invasão da América, percebe que as áreas naturais têm importância e não serão preservadas de sua própria sanha predatória. Nesse momento, emerge a ideia de proteger áreas para manter, em primeiro lugar, recursos naturais e belas paisagens e, mais tarde, a biodiversidade. E a maneira colonial de fazer isso é alijar aqueles que poderiam ajudar a manter essas áreas, como povos indígenas e comunidades locais, e substituí-los por um aparato tecnocrático, cujo objetivo é preservar a biodiversidade.
Ora, não é difícil perceber que se trata de um empreendimento fadado ao fracasso. Por um lado, a simplificação do mundo na ideia de biodiversidade faz sempre com que o aparato tecnocrático seja insuficiente, incompleto e equivocado. Por outro, não é possível, de fato, fazer frente à voracidade predatória do capital, com esse aparato e suas narrativas. E, correndo por fora, há ainda a destruição dos modos de vida dos povos indígenas e comunidades locais, que possuem outra forma de estar no mundo e de compartilhá-lo com os outros seres que aqui habitam, queimando as possibilidades de aprendizado e uma compreensão mais ampla do mundo.
Sabendo de tudo isso, ou pelo menos desconfiando, os delegados se encontram na COP 15, depois de terem passado por uma pandemia global que tem em suas origens as mesmas forças que degradam a biodiversidade a cada dia. Sabendo que a cada ano novas zoonoses – doenças de origem animal – com potencial pandêmico emergem e que isso se deve ao inusitado encontro entre organismos que não se encontravam antes, em função da destruição de seus ambientes e das mudanças climáticas, os representantes dos países gastam seu tempo discutindo expressões e gramática. Desconfiando, talvez, que nada será significativamente diferente, executam os passos de uma dança previamente ensaiada, cujo desfecho será, inevitavelmente, mais destruição.
Talvez o objetivo maior seja manter um fórum, como a CDB, e com ela a ilusão de que há alguma chance do capitalismo não devorar a natureza, criando uma falsa expectativa de que existe alguma possibilidade, que não o fracasso, mas o fracasso é justamente a alma do negócio.
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‘PL do Lobby’ aprovado na Câmara permite restringir atuação da sociedade civil
Projeto abre possibilidade de processo contra dirigentes de organizações não governamentais. Proposta segue para o Senado
Deputada Sâmia Bonfim criticou redação final do 'PL do Lobby'. PSOL foi o único partido a se posicionar contra projeto | Pablo Valadares / Câmara dos Deputados
O plenário da Câmara aprovou, na noite desta terça (29), em votação simbólica, um projeto de lei (PL) que regulamenta a atividade do lobby no país, mas deixa margem para restringir o trabalho de incidência política da sociedade civil na formulação da legislação e das políticas públicas no Congresso e no governo, na avaliação de organizações não governamentais que acompanharam as negociações da proposta.
O PSOL foi o único partido a se posicionar contra o projeto, que segue agora ao Senado.
Apelidado de “PL do Lobby”, o PL 1.202/2007 pretende regular o trabalho dos “representantes de interesses” do empresariado e de outros setores no Legislativo e no Executivo federais, origem de vários dos escândalos de corrupção que o país vive há décadas. O projeto cria restrições e regras de transparência para os contatos entre "lobistas" e autoridades públicas, exigindo a divulgação de informações básicas sobre objetivos e participantes de audiências, por exemplo.
Segundo o texto aprovado, está proibida “a oferta de bem, serviço ou vantagem indevida por agente privado que tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe”. As exceções seriam “brindes” de baixo valor e a chamada “hospitalidade legítima”, ou seja, o pagamento de alimentação, transporte e estadia por empresas a autoridades para realização de “cursos, seminários, congressos, eventos e feiras”.
O PL sofreu muitas alterações na tramitação, deixando as questões da transparência, controle social e livre acesso para vários segmentos da sociedade aos tomadores de decisão em segundo plano, na avaliação dos deputados do PSOL e integrantes da sociedade civil. Além disso, na prática, para eles o projeto não garante e até dificulta a publicidade do acesso de representantes privados a parlamentares e gestores públicos. Ou seja, o “PL do Lobby” não controlaria o lobby.
“A gente reconhece que é preciso ter algum tipo de previsibilidade e regulamentação e, portanto, sanção para aqueles agentes públicos e privados que passarem dos limites estabelecidos nesse processo de lobby”, afirmou a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP).
“Mas identificamos que existe um interesse muito grande por parte do setor privado para regulamentar e poder garantir a sua atuação legal sobre a política, e pouca possibilidade para avançar em métodos transparentes e de real participação popular, de movimentos sociais, de ativistas, de entidades. E a relação política sempre acaba sendo privilegiada por parte desses setores privados”, complementou.
A parlamentar criticou o conceito de “hospitalidade legítima” e mencionou que o texto aprovado não garante a publicidade de todos os tipos de relação entre pessoas públicas e privadas e que isso seja feito por meio de dados abertos a toda população.
“Alguns grupos privados têm meios e mecanismos de articulação diferentes para exercer sua influência e fazer valer seus interesses, não exatamente por meio das atividades de lobby que o PL propõe regular”, aponta nota divulgada pelo Observatório do Clima (OC) na semana passada.
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Plenário da Câmara durante votação do projeto | Pablo Valadares / Câmara dos Deputados
Confusão entre ONGs e empresas
"Regulamentar o lobby é desejável, mas o texto aprovado precisa ser corrigido no Senado. Da forma como está, abre margem para eventual perseguição política, além de permitir a desconsideração da personalidade jurídica sem decisão judicial", avalia Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA.
Para ele, a redação final do PL 1202 também é confusa quanto ao tratamento de representantes de empresas e aqueles ligados a movimentos e organizações sociais, que defendem interesses totalmente diferentes.
O assunto tinha sido deixado de lado, mas o governo Bolsonaro enviou um novo texto ao Congresso e o colocou entre suas prioridades, no início deste ano. A proposta foi retirada de sua tramitação normal nas comissões e levada ao plenário da Câmara com a aprovação de um regime de urgência, o que interditou o debate sobre a matéria, sob a justificativa de que ter uma legislação sobre ela é uma das exigências para que o Brasil consiga fazer parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
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O autor do 'PL do Lobby', deputado Carlos Zarattini | Pablo Valadares / Câmara dos Deputados
Integrantes de organizações que fazem parte do OC tentaram, por semanas, alertar o relator, deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), sobre os problemas da proposta e apelaram a integrantes do governo de transição para discutir o assunto mais profundamente. O parlamentar cedeu em alguns pontos, mas a estrutura principal do projeto foi mantida.
O texto original do governo sofreu várias mudanças, mas acabou mantendo restrições à atuação da sociedade civil e dos movimentos sociais, uma marca do bolsonarismo. Sofreu mais alterações de última hora e foi apresentado minutos antes da votação. Muitos parlamentares votaram sem conhecê-lo. Até o fechamento desta reportagem, a redação aprovada não estava disponível no sistema da Câmara.
Alterações no texto
O texto chegou a prever tipos de condutas e punições correspondentes com redação subjetiva - como “constranger participante de reunião” - mas que acabaram retirados pelo relator. Propostas como essa abririam brecha para criminalizar e censurar organizações não governamentais que atuam no Congresso e em instâncias de participação, na avaliação de pessoas que participaram das negociações. Algumas penalidades para quem infringir a lei também foram abrandadas.
Mas o PL continua prevendo sanções para o “representante de interesse” que “deixar de disponibilizar ou de retificar, no prazo estabelecido em lei, as informações referentes à representação de interesse realizada junto ao agente público”. Também prevê a possibilidade de punir dirigentes de instituições sem ação judicial que autorize esse tipo de processo.
As punições previstas podem ser advertência, suspensão e multa do "representante de interesse". Para pessoas físicas, a multa pode variar entre um e dez salários-mínimos e, para pessoas jurídicas, vai de 0,1% a 5% do faturamento bruto do exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos.
“A regulamentação deve ter como norte a transparência e o amplo acesso. Criar sanções desproporcionais só tende a enfraquecer a participação, a pluralidade de ideias e o debate democrático. Esperamos que o Senado corrija os pontos problemáticos", reforça a advogada do ISA Juliana de Paula Batista.
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O relator do 'PL do Lobby', deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) | Pablo Valadares / Câmara dos Deputados
'Preconceito'
“O Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo que não tem uma legislação sobre esse tema. E não tem porque [não ter]. Criamos uma narrativa e um preconceito contra a palavra ‘lobby’. A palavra ‘lobby’ criou no imaginário da sociedade a ideia de alguma coisa que vem junto com algum mal feito”, argumentou Lafayette.
“A representação de interesses é republicana, é democrática, é necessária”, continuou. Lafayette negou que a atuação de organizações não governamentais e movimentos sociais esteja no escopo do projeto e que seu parecer abrande penas para crimes de corrupção.
“O objetivo desse projeto é exatamente fazer com que as pessoas, o povo brasileiro, o eleitorado conheçam a atuação do setor privado e com quem o setor público conversa para discutir projetos e de lei e decisões administrativas e decisões políticas”, defendeu autor da proposta, Carlos Zarattini (PT-SP). Ele disse que seu texto teve como subsídio as legislações norte-americana e europeia.
O petista reconheceu que ele sofreu várias alterações e não incluiu um cadastro dos lobistas, elemento que considera fundamental para nova lei. Ressalvou, porém, que o relatório de Lafayette “avança bastante e nos contempla no que a gente julga mais importante”.
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Ruralistas aprovam projetos que ampliam desmatamento em comissão da Câmara
Propostas preveem anistias a ocupações ilegais, colocam em risco fontes de água e ecossistemas da Mata Atlântica, já muito ameaçada. Matérias seguem para Comissão de Constituição e Justiça
Ruralistas e bolsonaristas aprovaram, ontem (23), numa mesma sessão da Comissão de Meio Ambiente (CMADS) da Câmara, três projetos que, se convertidos em lei, vão ampliar o desmatamento e colocar em risco nascentes e mananciais de água, segundo especialistas e ambientalistas.
Em minoria, a oposição não conseguiu reduzir os danos incluídos nas propostas. Nas últimas semanas, já vinha tentando obstruir as votações e ganhar tempo, mas os instrumentos regimentais para isso foram gradualmente se esgotando.
“Todo dia estão colocando na pauta um ‘saldão de final de ano’ com matérias ruins. Trabalhamos na perspectiva de fazer acordos, para diminuir o tamanho do dano. Não é fácil”, lamentou o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), ao final da sessão. Ele alerta que a pressão para a aprovação dos projetos em outras comissões e plenários, da Câmara e do Senado, continuará até o fim das atividades legislativas, em meados de dezembro.
A votação na CMADS ocorreu na iminência da divulgação, nos próximos dias, de um novo recorde na taxa oficial de desmatamento na Amazônia.
Projetos que fazem parte do que foi apelidado de “pacote da destruição" também entraram nas negociações entre ruralistas e petistas pela aprovação da “PEC da Transição”, que pretende garantir espaço orçamentário para benefícios sociais e investimentos no ano que vem.
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Ruralistas e oposicionistas negociam votação de projetos que ampliam desmatamento na Comissão de Meio Ambiente da Câmara | Oswaldo Braga de Souza / ISA
Mais desmatamento
Uma das propostas aprovadas ontem na CMADS, o Projeto de Lei (PL) 364/2019, legaliza desmatamentos antigos e permite novas derrubadas em vegetações campestres de todo país.
Esses ecossistemas são fundamentais para a manutenção de nascentes e aquíferos, e sua destruição pode colocar em risco o abastecimento de água de milhões de pessoas. Além disso, o projeto permitirá desmatar áreas da Mata Atlântica, o bioma mais devastado do país, com cerca de 12% de cobertura vegetal original preservada.
A proposta segue agora para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e tem regime conclusivo, ou seja, se não for aprovado um requerimento para que passe ao plenário da Câmara, vai direto ao Senado.
“A Mata Atlântica sofreu um enorme revés no dia de hoje. Nós perdemos [a proteção de] uma das fisionomias mais sensíveis, mais frágeis: os ‘campos de altitude’, que estão protegidos hoje pela Lei da Mata Atlântica, justamente pelos serviços ecossistêmicos que prestam, na segurança hídrica, no microclima e na manutenção da biodiversidade”, comentou Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas do SOS Mata Atlântica. “Nós temos que sair daqui, reverter essa votação no plenário da Câmara e, depois, no Senado e, se for o caso, até no Supremo Tribunal Federal”, afirmou (veja vídeo abaixo).
⚠️ A diretora de Políticas Públicas do @sosma, Malu Ribeiro (@Gotinhas), explica o que pode acontecer se o PL 364/2019 for convertido em lei.
As negociações sobre o projeto arrastaram-se por semanas. O relatório inicial do deputado Nilto Tatto (PT-SP) rejeitava o projeto original, de Alceu Moreira (MDB-RS), que retirava dos “campos de altitude” a proteção conferida pela Lei da Mata Atlântica, aplicando a eles as normas menos restritivas do Código Florestal. O objetivo de Moreira era “consolidar”, ou seja, anistiar e legalizar desmatamentos irregulares desse tipo de vegetação realizados até 2008, e só na Mata Atlântica.
Com a pressão da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), propostas mais radicais e abrangentes contra a conservação foram incluídas nas conversas ou apensadas ao projeto original.
Na sessão de ontem, a maioria ruralista derrubou o parecer de Tatto e, na última hora, aprovou um substitutivo de José Mário Schreiner (MDB-GO) com uma redação capciosa. O texto fixa uma data para anistiar antigos desmatamentos, mas, em seguida, torna sua aplicação inócua, e ainda abre brechas para mais destruição de ecossistemas “não florestais" em todos os biomas.
“Nas formas de vegetação nativa predominantemente não florestais, tais como os campos gerais, os campos de altitude e os campos nativos, consolida-se a área utilizada anteriormente a 22 de julho de 2008 ainda que não tenha ocorrido a conversão da vegetação nativa, independente do Bioma em que esteja localizado”, diz um dos dispositivos aprovados.
“Se a vegetação nativa já era utilizada como pastagem, seria um enorme contrassenso obrigar o produtor a substitui-la”, argumentou Schreiner. “As medidas que propomos irão uniformizar os entendimentos e evitar interpretações equivocadas, ocasionando segurança jurídica e tranquilidade para o produtor”, concluiu, em seu relatório.
Ameaça a abastecimento
Na sessão de ontem, também foi aprovado o relatório do PL 2.168/2021, igualmente de autoria de Schreiner. O projeto dá caráter de “utilidade pública e interesse social” a obras e desmatamentos destinados à construção de reservatórios para irrigação e abastecimento do gado em Áreas de Preservação Permanente (APPs) de cursos de água. A medida dispensa a licença ambiental para essas intervenções, abrindo caminho ao barramento indiscriminado de córregos e rios.
“Um projeto como esse, se virar lei, pode gerar instabilidade em todas as bacias hidrográficas do país e alterar o fluxo e a vazão dos rios brasileiros que sofrerem barramento desordenado”, critica Kenzo Jucá Ferreira, assessor do ISA.
“Os produtores rurais já perceberam que as mudanças climáticas são uma ameaça ao fornecimento de água e querem sair na frente na disputa por esse recurso. O problema é que isso vai afetar todos os outros tipos de uso da água, como abastecimento humano, a indústria e a geração de energia, por exemplo”, ressalta (veja vídeo abaixo).
Outra BOIADA do PACOTE DA DESTRUIÇÃO aprovada na Comissão de Meio Ambiente da @camaradeputados foi o PL 2.168/2021, que permite barrar indiscriminadamente cursos de água e ameaça até o abastecimento humano.@KenzoJuca, assessor do ISA, fala sobre a proposta.#SaldãoDoDesgovernopic.twitter.com/YygyNqoe4X
Sem trazer dados e evidências científicos, Schreiner e outros ruralistas dizem que o fim das restrições à construção dos reservatórios não trará impactos relevantes. Eles reconhecem que o objetivo do projeto é garantir água para a agropecuária diante de secas cada vez mais frequentes.
Um acordo realizado na terça (15) da semana passada, depois de uma batalha de horas entre ruralistas e oposição, permitiu que o texto de Schreiner fosse lido no mesmo dia e votado sem discussão ontem. Igualmente, em minoria, os oposicionistas não conseguiram melhorar a redação, mesmo depois de muita pressão. O PL 2.168 segue para a CCJ em caráter conclusivo e, se for aprovado, vai ao Senado.
Fraude no transporte de madeira
Por último, foi aprovado na CMADS o PL 195/2021, que altera o Código Florestal e é de autoria de Lúcio Mosquini (MDB-RO). O projeto amplia a quantidade de madeira que pode ser extraída da Reserva Legal (RL) de pequenas propriedades rurais, de 15 m3 para 40m3 ao ano. Também dispensa a fiscalização do transporte dessa quantidade máxima de matéria-prima entre as propriedades de “parentes de primeiro grau”. Nesse caso, não seria exigido o Documento de Origem Florestal (DOF) e nem haveria qualquer registro do destino da madeira.
Para ambientalistas e oposição, a proposta abre brecha para a fraude, permitindo “esquentar” matéria-prima extraída e transportada ilegalmente. Eles queriam que o relator, Evair de Melo (PP-ES), incluísse no texto a obrigatoriedade do envio de uma declaração aos órgãos ambientais com os dados sobre a extração e transporte da madeira.
Os ruralistas contra-argumentaram que vários produtores rurais não têm acesso à internet. Afinal, Melo previu apenas que o transportador da madeira tenha consigo uma declaração de papel, com informações básicas, como nome, endereço e CPF do responsável.
“Ao permitir o transporte [de madeira] para outra propriedade, com esse acréscimo de volume, há uma preocupação que isso seja utilizado para o comércio ilegal de madeira”, reforçou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ). Ele explicou que um documento de papel, escrito e assinado por qualquer pessoa, pode ser facilmente fraudado. “Uma pessoa de boa-fé vai fazer a declaração e irá respeitar os 40m3 anuais. Quem quiser se utilizar disso [irregularmente] pode sair todo dia com os 40m3 e só trocar a data da declaração”, salientou.
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Jovens protestam contra projeto que ampliam desmatamento na Comissão de Meio Ambiente da Câmara | Oswaldo Braga de Souza / ISA
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ISA e outras organizações da sociedade civil denunciam governo Bolsonaro na ONU
Segundo documento encaminhado ao órgão internacional, a administração federal estimula o desmatamento e viola direitos de comunidades indígenas e tradicionais
Na última terça (15), o governo Bolsonaro foi denunciado à Organização das Nações Unidas (ONU) por estimular uma crise ambiental e violar os direitos humanos, em geral, e de populações indígenas e tradicionais, em particular, no país.
De acordo com a denúncia (texto em inglês), o aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia e no Cerrado está fazendo aumentar a violência contra essas comunidades, agrava as mudanças climáticas, ameaça a biodiversidade, a alimentação, a saúde e o acesso à água no Brasil e em outras nações.
Assinam o documento encaminhado ao órgão internacional o ISA, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Conectas Direitos Humanos, o Observatório do Clima e o WWF-Brasil.
O texto foi entregue a cinco relatores especiais da ONU responsáveis pelo acompanhamento de temas relacionados a meio ambiente, direitos indígenas, mudanças climáticas, alimentação, água potável e saneamento, desenvolvimento, moradia, além da coordenadora do grupo de trabalho sobre direitos humanos e empresas. Embora os relatores não possam obrigar o governo brasileiro a agir, eles podem fazer recomendações, o que pode implicar pressão e desgaste políticos.
A multiplicidade de temas reflete a abrangência da denúncia, que cobre os impactos do desmatamento sobre os direitos dos povos indígenas e demais habitantes locais, da população mais ampla no Brasil e na América Latina e das pessoas ao redor do globo.
De acordo com as organizações responsáveis, para garantir o direito a um meio ambiente saudável, a destruição de ecossistemas naturais deve parar imediatamente e os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais precisam ser respeitados. O documento também pede ao governo brasileiro tenha a "maior ambição possível" na sua proposta de corte de emissões de gases de efeito estufa apresentada à ONU, a chamada NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, em português).
A denúncia é mais uma da série com acusações semelhantes e já apresentadas, nos últimos quase quatro anos, a vários órgãos e instâncias internacionais, a exemplo da própria ONU e da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Retomada de políticas ambientais
Ainda segundo o texto divulgado na terça, além de impedir a aprovação de qualquer projeto de lei que estimule ou que facilite o desmatamento, será necessário implementar um plano para combater e prevenir o desmatamento, retomar as ações do Ibama e a implementação das políticas de gestão dos territórios indígenas, reativar o Fundo Amazônia e restabelecer o orçamento do Ministério do Meio Ambiente.
“A retomada e o aperfeiçoamento das políticas socioambientais do Brasil, destroçadas pelo governo Bolsonaro, são medidas que interessam diretamente não apenas à população brasileira, mas ao mundo inteiro”, afirma Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA. “A Amazônia e os demais biomas exercem papel fundamental no combate à emergência climática. É preciso agir agora, ou será tarde demais”, alerta.
"O governo Bolsonaro violou a Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos", reforça Eloy Terena, advogado indígena e coordenador jurídico da Apib. “Os povos indígenas são defensores ambientais. Quando defendemos nossas terras e nossos direitos, estamos defendendo a vida em todo o planeta. Se uma terra indígena é invadida, desmatada, se algum povo indígena é ameaçado ou é alvo de violência, o planeta todo sofre os impactos”, ressalta.
Ponto de 'não retorno'
Os índices de desmatamento da Amazônia, no Brasil, estão próximos a 20%. As taxas de desmatamento sob a gestão Bolsonaro estão em seu nível mais alto em 15 anos.
A denúncia destaca que a Amazônia, maior floresta tropical do planeta, está cada vez mais perto de seu ponto de “não retorno”, situação na qual não conseguiria mais se regenerar. Calculado pelos cientistas justamente entre 20% e 25% de perda da vegetação nativa, esse é o ponto a partir do qual a floresta amazônica perde a capacidade de manter sua composição original e se transforma em um ecossistema mais degradado e menos resiliente.
Além da perda de biodiversidade, essa mudança afeta os serviços ecossistêmicos da floresta, como, por exemplo, os rios voadores, que têm papel-chave no regime de chuvas em todo o Brasil. A liberação de carbono, se esse ponto for alcançado, coloca a meta climática de 1,5 graus do Acordo de Paris fora de alcance.
Esses ataques à floresta e aos povos que vivem nela representam, portanto, riscos reais para a vida da população da América do Sul e do mundo em geral. A Amazônia é fundamental para a natureza global, pois 10% das espécies do mundo são encontradas lá, e também para o clima, sendo responsável pelo regime de chuvas de toda América do Sul, além da regulação do clima global.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Copiô, Parente! O que já se sabe sobre o Ministério dos Povos Originários
Ouça o que diz o movimento indígena e as informações da transição de governo sobre a nova pasta, promessa de campanha do presidente eleito. Episódio 257
Eleito no dia 30 de outubro o próximo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teve o voto de mais de 60 milhões de brasileiros. As movimentações para formação da equipe de transição, que prepara o terreno para o próximo governo, remetem para a promessa feita ainda em pré-campanha: a criação do Ministério dos Povos Originários.
Lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reuniram-se no começo do mês, para fazer uma avaliação do período pós-eleitoral e debater sua atuação no novo cenário político. Além disso, elaboraram um documento com subsídios para o novo governo em relação aos povos originários.
O texto levanta pontos essenciais, como direitos territoriais, criação de políticas públicas e sociais, saúde e educação e os projetos anti-indígenas, que atualmente tramitam no Congresso. O documento foi encaminhado ao líder da equipe de transição do governo, Geraldo Alckmin (PSB), na manhã do dia 8. Durante a tarde, foi oficializada a portaria da equipe de transição, com 31 eixos temáticos, e entre eles um sobre “povos originários”.
O movimento indígena vê com bons olhos o espaço de debate criado, mas também está atento a alguns pontos que levantam preocupação, como as atribuições e responsabilidades do novo ministério e qual orçamento para ele.
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Produção e roteiro: Ester Cezar Apresentação: Ester Cezar e Helder Rabelo Edição de áudio: Helder Rabelo Artes para as redes sociais: Cristian Wariu
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Estudo do ISA comprova que garimpo impede progresso social da Amazônia
Análise revela que municípios com presença de garimpo têm condições de vida ainda piores que a média amazônica, já mais baixa que a nacional por razões históricas
Nos últimos anos, pesquisas e reportagens vêm mostrando exaustivamente como o garimpo contamina cursos d' água e fontes de alimentação, amplia o desmatamento, a disseminação de doenças, o consumo de drogas e álcool, a criminalidade e a violência. Os impactos são mais diretos para os povos indígenas, mas abrangem outras populações e áreas da Amazônia.
Agora, um estudo do ISAcomprova que a exploração mineral predatória não só não promove o desenvolvimento como derruba os indicadores sociais onde ocorre na região. A ideia de que a atividade traz progresso, portanto, é um mito.
O levantamento aponta que o Índice de Progresso Social (IPS) médio dos municípios amazônicos afetados pelo garimpo é de apenas 52,4, menor do que a média para a Amazônia, de 54,5, e bem abaixo da média nacional, de 63,3. O IPS médio dos municípios garimpeiros é 4% menor que a média amazônica e 20% menor que a média nacional.
O IPS amazônico é menor do que o nacional por fatores estruturais históricos e estruturais, como baixo desenvolvimento econômico, ausência de políticas públicas, gargalos de logística e transporte diante de grandes distâncias, entre outros.
O IPS é um indicador internacional que combina três dimensões - “necessidades básicas de sobrevivência”, “fundamentos do bem-estar” e “oportunidades” - por meio de uma série de indicadores sociais e ambientais, provenientes de bases de dados internacionais, além de pesquisas de percepção, com objetivo de identificar o cenário, os desafios e as possibilidades de progresso social dos países (saiba mais no quadro no final da notícia).
Segundo Antonio Oviedo, assessor do ISA e um dos autores do estudo, além da redução do progresso social, o garimpo provoca várias outras mazelas socioambientais, o que gera gastos públicos desnecessários e problemas quase irreversíveis para as comunidades afetadas.
“O avanço da área degradada pelo garimpo, além de ampliar os impactos ambientais e reduzir as condições para o progresso social, gera enormes gastos públicos como, por exemplo, despesas para o sistema de saúde, segurança pública, assistência social e fiscalização ambiental”, enfatiza o pesquisador.
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Situação nos estados e municípios
Para se ter uma ideia da situação, os municípios de Roraima com presença de garimpo tem um IPS médio 7% mais baixo que o da Amazônia e 20% menor que o do Brasil. No Pará, os municípios garimpeiros têm um IPS médio 5% menor que o da Amazônia e 18% menor que o nacional.
Entre 2014 e 2021, o IPS dos municípios do Pará e de Roraima com garimpo em Terras Indígenas caiu de 51,81 para 50,90, uma queda de 2%. Já nos municípios sem áreas degradadas pela atividade foi registrado um pequeno aumento de 1%, com o índice subindo de 52,35 para 52,97.
Dados de outras pesquisas reforçam a gravidade do problema. Três municípios da lista dos dez com menores IPS afetados pelo garimpo estão na relação dos 30 municípios mais violentos do país, segundo o Anuário Brasileiro de Violência Pública 2022. Jacareacanga (PA) está em 2º lugar, com um índice de 199,2 mortes violentas intencionais (MVI) por 100 mil habitantes. Cumaru do Norte (PA) está na 16ª posição, com 113,2 MVIs/100 mil, e Bannach (PA) está na 30ª posição, com 101,8 MVIs/100 mil.
A presença dos três municípios no ranking faz parte de um contexto: a violência letal na Região Norte é 38% superior àquela das demais regiões do país. Ao contrário do resto do Brasil, as mortes violentas estão crescendo na região, conforme a mesma publicação (saiba mais).
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Crateras e impactos deixados por garimpo em Terra Indígena | Divulgação
Seis milhões de pessoas afetadas
O garimpo afeta pelo menos 216 municípios e uma população estimada de 6 milhões de pessoas na Amazônia Legal, ainda de acordo com o levantamento do ISA. Todos os estados da região têm garimpo, exceto o Acre. Em 2020, o Pará estava em primeiro lugar em termos de área degradada pela atividade, com 86,8 mil hectares, seguido pelo Mato Grosso, com 29,5 mil hectares, Rondônia, com 6,5 mil hectares, e Roraima, com 480 hectares.
Mais de 90% da área de garimpo no território nacional está na Amazônia Legal. A extensão total explorada pela atividade na região saltou de 10,1 mil hectares para 124,2 mil hectares, entre 1985 e 2020, um aumento de 1.127% ou mais de 10 vezes, de acordo com o MapBiomas. O número de árvores abatidas pode chegar a pelo menos 71,4 milhões. Um hectare corresponde mais ou menos a um campo de futebol.
Um total de 10,8 mil hectares degradados pelo garimpo estão em Terras Indígenas, o que representa 8,7% da área degradada pelo garimpo na Amazônia Legal, segundo o MapBiomas. As Terras Indígenas mais afetadas são: Kayapó (PA, 7.988,9 hectares), Mundurucu (PA, 1.765,2 hectares), Yanomami (AM-RR, 550,6 hectares), Sawré Muybu (PA, 213 hectares) e Sararé (MT, 135,7 hectares). A Constituição não permite o garimpo nas Terras Indígenas.
Entre janeiro de 2019 e maio de 2021, o aumento da área degradada pelo garimpo em Jacareacanga (PA) foi de 269%. Mais de 98% da extensão do município é sobreposto à Terra Indígena Mundurucu e, no mesmo período, foram devastados 2,2 mil hectares nessa área protegida (saiba mais).
Entre 2020 e 2021, o garimpo ilegal avançou 46% na Terra Indígena Yanomami (RR-AM). Entre 2019 e 2020, já havia sido registrado um salto de 30%. De 2016 a 2020, o garimpo cresceu nada menos que 3.350% na área. Em dezembro de 2021, mais de 3,2 mil hectares já haviam sido devastados pela atividade no território (saiba mais).
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Impactos socioambientais
As florestas nas regiões impactadas pelo garimpo são degradadas e já sofreram uma redução de 23% em sua área entre 1985 e 2020, o que representa uma perda de mais de 141 milhões de árvores adultas, ainda segundo o levantamento do ISA. No mesmo período, foi registrado um aumento de 1.235% nas classes de uso antrópico terra (agricultura, pecuária, urbano, mineração). Vale lembrar que a redução das florestas na Amazônia pode levar a uma redução de 25% das chuvas no Brasil.
Além disso, o garimpo impacta diretamente os rios na Amazônia Legal, comprometendo o fornecimento de água potável para a população local e nacional. Em 36 anos de dados do MapBiomas, é possível identificar um grande avanço da degradação pelo garimpo sobre os recursos hídricos. Em 1985, foram detectados 229 km de rios impactados, e em 2020 esse número saltou para 2,6 mil, um aumento de 1037%.
No início deste ano, a mudança de cor do rio Tapajós chamou atenção internacional: da cor verde esmeralda, as águas do rio localizado em Alter do Chão, no Pará, transformaram-se em barrentas e opacas. Após laudo da Polícia Federal (PF), concluiu-se que a mudança de cor foi provocada pelo garimpo e pelo desmatamento na região.
O material coletado pelos peritos comprovou que o aumento drástico na quantidade de sedimento nas águas teve origem no Mato Grosso, em rios que desaguam no Tapajós. A estimativa da PF é que os garimpeiros tenham despejado cerca de 7 milhões de toneladas de rejeitos no Tapajós e, ainda, os investigadores alertam para o risco da presença de produtos químicos no rio, como mercúrio e cianeto, geralmente usados por garimpeiros no processo de extração de minérios e altamente tóxicos para saúde humana.
Como é composto o IPS
O IPS é um indicador que combina três dimensões e uma série de indicadores sociais e ambientais, a partir de bases de dados internacionais e pesquisas de percepção.
Para chegar aos resultados do estudo, foi realizado o cruzamento entre os dados do IPS 2021, produzidos pelo Projeto Amazônia 2030, e da ocorrência de garimpo nos municípios da Amazônia Legal, disponíveis pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG).
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Por que é importante deter o garimpo?
- Além de provocar impactos ambientais graves, o avanço da área degradada pelo garimpo gera enormes gastos públicos desnecessários, por exemplo, em despesas e sobrecarga no sistema de saúde, segurança pública, assistência social e fiscalização ambiental.
- A Amazônia guarda 25% das reservas de carbono acima do solo das florestas do mundo. Se esse carbono for liberado para a atmosfera, poderia tornar o aquecimento global ainda mais catastrófico, com consequências devastadoras, por exemplo, para a agricultura e a geração de energia. O fim da floresta pode levar a uma redução de 25% das chuvas no Brasil, conforme um estudo da Universidade de Princeton (EUA).
- O mercado pede cada vez mais o fim da mineração ilegal. Há uma enorme pressão vinda dos mercados, dos investidores e iniciativas para excluírem do comércio exterior os produtos “contaminados” pelo garimpo.
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Maior bancada indígena da história enfrentará oposição ferrenha em novo Congresso
Número de parlamentares autodeclarados indígenas eleitos chega a sete. Expectativa é de mais embates com bolsonaristas e ruralistas, mas também mais visibilidade e articulação na defesa da agenda socioambiental
A partir de 2023, o Congresso terá o maior número de parlamentares indígenas da história. A expectativa do movimento social e da sociedade civil é que isso signifique mais visibilidade e capacidade de articulação na defesa dos direitos dos povos originários e do meio ambiente. Outra expectativa, porém, é que a "bancada do cocar" enfrente uma oposição inédita por causa do crescimento de bolsonaristas e outros adversários diretos no Legislativo.
O tamanho do problema também dependerá do novo presidente eleito. Jair Bolsonaro faz um governo anti-indígena e anti-ambiental, enquanto Luís Inácio Lula da Silva tem um legado positivo na área e fez promessas importantes na campanha, como criar um Ministério dos Povos Originários e retomar a política ambiental. As posições antagônicas irão se refletir no parlamento e apontar os rumos do debate da agenda.
Com os resultados do 1º turno das eleições, os autodeclarados indígenas eleitos para o Congresso são agora sete. Desses, duas novas deputadas federais tiveram as candidaturas apoiadas formalmente pelo movimento indígena: Sonia Guajajara (PSOL-SP) e Célia Xakriabá (PSOL-MG). Também se autodeclararam e foram eleitos para a Câmara Juliana Cardoso (PT-SP), Paulo Guedes (PT-SP) e Sílvia Waiãpi (PL-AP) (saiba mais no quadro ao final da reportagem). Já Wellington Dias (PT-PI), ex-governador do Piauí, e Hamilton Mourão (Republicanos-RS), o vice-presidente da República, chegaram ao Senado. Além deles, Capitão Assumção (PL-ES) e Índia Armelau (PL-RJ) elegeram-se para assembleias estaduais.
Em 2018, apenas Joenia Wapichana (Rede-RR) conseguiu uma vaga na Câmara, tornando-se a primeira mulher indígena deputada federal. Antes dela, só Mário Juruna (PDT-RJ) tinha exercido o cargo, entre 1982 e 1986. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começou a registrar a cor e raça dos candidatos a partir de 2014 (veja tabela).
Nessas eleições, 44% do Legislativo federal foi renovado. Na Câmara, os partidos que, nos últimos anos, alinharam-se aos ambientalistas e ao movimento indígena perderam duas cadeiras das 146 que têm hoje, somando 27% do total. No Senado, o número baixou de 16 para 15 ou 18%.
A conta considera as legendas que podem ser qualificadas como oposição ao atual governo: PT, PSB, PDT, PCdoB, PSol, PV, Rede, Solidariedade, Pros, Avante e Cidadania. Obviamente, o número de votos a favor ou contra as pautas socioambientais pode variar entre os partidos, dependendo do tema específico.
Por outro lado, agremiações de centro-direita, que só eventualmente votaram contra o governo na última legislatura, perderam assentos, enquanto partidos mais à direita ou de extrema-direita, em geral anti-indígenas e antiambientais, ampliaram sua presença. Chamou atenção o crescimento do PL, ao qual Jair Bolsonaro é filiado, que passou de 76 para 99 deputados, e de 9 para 13 senadores, sendo agora o maior do Congresso.
Além disso, União Brasil e PP, também com muitos bolsonaristas e ruralistas, avaliam uma fusão. Se concretizada, ela pode originar uma nova força com mais de 100 assentos na Câmara e 15 no Senado ‒ desconsiderando possíveis defecções ou adesões.
Assim, essas legendas continuarão dominando a distribuição de cargos nas mesas diretoras e comissões e, logo, também a definição das prioridades legislativas e o ritmo da tramitação de matérias. Em consequência, as pressões pela aprovação de propostas contra o meio ambiente e os direitos indígenas devem aumentar e as negociações tendem a ser ainda mais difíceis.
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Novo composição da Câmara dos Deputados a partir de 2023. Fonte: Câmara dos Deputados
Menos compromisso socioambiental
O impacto do 1º turno na agenda socioambiental no novo Congresso foi medido pelo Farol Verde, projeto liderado pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e a Rede Advocacy Colaborativo. A iniciativa criou o Indicador de Convergência Ambiental total (ICAt) para avaliar o compromisso dos parlamentares com a pauta. Numa escala de 0% a 100%, quanto maior o índice, mais “verde” o posicionamento.
Segundo o levantamento, o percentual de deputados “verdes” (acima de 50%) cairá de 30% para 27% e dos “moderados” (ICAt na faixa média) passará de 30% para 33%, enquanto aqueles com ICAt abaixo de 50%, com baixo engajamento socioambiental, vai subir de 37% para 42%. O índice geral da Câmara hoje é 43%. Com a nova composição, cai para 42%.
O ICAt tem como referência as posições do coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista em temas como regularização fundiária, agrotóxicos e mineração em Terras Indígenas. Para medir o índice da nova legislatura, foram avaliados posicionamentos dos parlamentares reeleitos e, no caso dos novatos, aplicada a média do ICAt de cada partido.
O consultor jurídico do ISA Mauricio Guetta concorda que o crescimento das bancadas alinhadas mais diretamente ao bolsonarismo será um fator importante no Congresso a partir de 2023, mas ressalva que elas sozinhas não têm maioria nas duas casas legislativas.
“Não vamos convencer bolsonaristas radicais, como Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP) e Ricardo Salles (PL-SP). A saída é continuar a dialogar com o centro, que eventualmente pode votar a favor do meio ambiente e dos direitos dos povos originários”, aposta.
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Sonia Guajajara | Christian Braga / MNI
Desafio gigante
Sonia Guajajara reconhece que enfrentar uma maioria anti-indígena e antiambiental será um “desafio gigante”. Apesar disso, está confiante de que a "bancada do cocar" conseguirá fazer um contraponto eficaz, em articulação com os partidos progressistas e outras bancadas temáticas.
“De qualquer modo, a gente precisa muito do movimento indígena articulado, mobilizado e forte em Brasília, como a gente sempre fez, para poder continuar dando essa legitimidade, esse respaldo para defendermos nossas bandeiras [no Congresso”], afirma.
Para Kléber Karipuna, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib), o mandato de Joenia Wapichana é um exemplo de capacidade de articulação dentro do Legislativo, com o movimento social e a sociedade civil, que deve ser seguido e aprimorado. A deputada reativou e coordena a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Indígenas.
“Essa intensidade de atuação do movimento indígena, a partir dessa representação de Sonia e Célia, vai ter um impacto superpositivo, trazendo como aliados, para esse debate, tanto os autodeclarados que mais se identificam com a pauta do movimento como outros parlamentares, também aliados, que a gente sempre teve no Congresso”, ressalta Kléber.
Ele aponta como prioridade do movimento indígena barrar a aprovação dos Projetos de Lei (PLs) 490/2007, que altera as regras das demarcações e abre as Terras Indígenas para atividades de impacto ambiental, e 191/2020, que libera a mineração e outras atividades insustentáveis nesses territórios. Outra ameaça é o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 177/2021, que autoriza a saída do Brasil da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual garante a consulta livre, prévia e informada de qualquer medida que afete os territórios indígenas.
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Célia Xakriabá | Benjamin Mast / La Mochila Produções / ISA
“A minha expectativa é de que, com mais representantes indígenas, a gente possa fazer um ‘barulho’ maior”, diz o sócio fundador do ISA Márcio Santilli. “Porque esses parlamentares não trazem apenas um mandato ou um voto. Eles trazem uma carga de legitimidade histórica na sua representação, no questionamento, por sua simples presença, de toda a tragédia colonial que marcou nosso país”, analisa.
“É importante que os representantes indígenas tenham capacidade de fazer as alianças necessárias e, sobretudo, de promover a mobilização da opinião pública, no sentido de fortalecer sua agenda. Será uma disputa difícil, travada palmo a palmo”, aposta. Santilli acredita que o currículo e a envergadura política dos eleitos fará diferença no debate legislativo.
Autodeclarados bolsonaristas
Uma dificuldade adicional para a bancada indígena podem ser dois autodeclarados eleitos saídos do governo: Hamilton Mourão e, sobretudo, Sílvia Waiãpi. O receio é de que tentem usar a condição étnica registrada na Justiça Eleitoral para sinalizar uma suposta divisão no movimento e na representação indígenas. Governo e ruralistas já vêm promovendo indígenas aliados, muitas vezes não reconhecidos como interlocutores de seus povos.
Não há muita expectativa de que Mourão apresente-se como um líder indígena. Neste ano, ele causou polêmica ao tentar registar a candidatura ao Senado como de uma pessoa “branca”, porque autodeclarou-se indígena em 2018. Depois que o assunto veio a público, voltou atrás.
Já Sílvia sempre afirmou a condição étnica e foi nomeada chefe da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), em 2019, por essa razão, entre outras. Ela deixou o cargo em 2020, após pressões do movimento indígena. De lá para cá, posicionou-se contra as pautas ambiental e indígena e defendeu o governo Bolsonaro. Na campanha, recebeu apoio de bolsonaristas conhecidos, como Damares Alves (Republicanos-DF), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Carla Zambelli (PL-SP).
“Não vemos, pelo menos agora, inicialmente, nesta conjuntura, a Sílva trabalhar a favor dos direitos indígenas”, diz Karipuna. “[Sobre] a questão dela se colocar como uma liderança parlamentar indígena, para a gente está claro que indígena que trabalha contra os direitos indígenas não tem conexão [com o movimento], não tem coerência”, defende.
Ele não questiona a condição étnica da deputada eleita e diz que quem pode reafirmá-la ou negá-la é o povo Waiãpi. Também explica que o problema não é estar em campos ideológicos diferentes. Ressalva, porém, que o movimento indígena continuará batendo de frente com quem apoiar propostas que ameaçam os direitos dos povos originários.
Sílvia foi denunciada pelo Ministério Público por supostamente ter usado dinheiro do fundo eleitoral para pagar uma operação estética. Ela nega a acusação. Candidatos que perderam a eleição no Amapá também questionaram a votação para deputado federal no Tribunal Regional Eleitoral (TRE). A Comissão de Apuração do órgão rejeitou os argumentos e manteve o resultado. O relatório do colegiado ainda será analisado pelo TRE.
A reportagem entrou em contato com Sílvia e a assessoria de Hamilton Mourão, mas não obteve resposta.
Bancada ruralista
Maior adversária de ambientalistas e indígenas, a bancada ruralista deve manter sua influência na nova legislatura ‒ o quanto também dependerá de quem for o presidente eleito. Embora figuras importantes do bloco não tenham sido reeleitas, serão substituídas por outras de peso político.
Dos 39 senadores da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), cinco não se reelegeram. Entre eles estão a ex-ministra da Agricultura do governo Dilma, Kátia Abreu (PP-TO), e o atual presidente da Comissão de Agricultura, Acir Gurgacz (PDT-RO). Em contrapartida, a deputada federal e ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro, Tereza Cristina (PP-RS), conquistou uma vaga na casa.
Na Câmara, “bolsonaristas-raiz”, como Nelson Barbudo (PL-MT), perderam as eleições. Neri Geller (PP-MT) teve sua candidatura à reeleição indeferida pela Justiça. José Mário Schreiner (MDB-GO) e Jerônimo Goergen (PP-RS) não disputaram o pleito. Em compensação, mantiveram seus mandatos o atual presidente da FPA, Sérgio Sousa (MDB-PR), e o presidente da Comissão de Agricultura, Giacobo (PL-PR).
Segundo o Broadcast Político do jornal O Estado de São Paulo, a frente já está de olho na filiação de Ricardo Salles (PL-SP), eleito deputado, ex-ministro do Meio Ambiente e principal responsável pela política antiambiental de Bolsonaro. No Senado, além da incorporação natural de Tereza Cristina, também são visados Hamilton Mourão e outros ex-ministros da atual gestão, como Damares Alves, Rogério Marinho (PL-RN) e até Sérgio Moro (União Brasil-PR).
"No Senado, há sempre dificuldade para passar as pautas do setor. A nova configuração dá mais tranquilidade nisso. Agora, chegarão senadores eleitos com um pouco mais de afinidade e conhecimento”, afirmou Sousa ao Broadcast Político. “Sem dúvida, nossa bancada será tão grande ou maior que a atual", completou.
Quem são os autodeclarados indígenas eleitos para a Câmara
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Sonia Guajajara (PSOL-SP)
Sônia Bone de Souza Silva Santos, 48, nasceu na Terra Indígena Araribóia (MA). É formada em Letras e Enfermagem e especialista em Educação Especial pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Atua no movimento indígena há mais de 20 anos. Começou sua trajetória na Coordenação das Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima), foi vice-coordenadora da Coordenação dos Povos Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) até chegar à coordenação da Apib. Em 2018, foi candidata a vice-presidente na chapa do PSOL encabeçada por Guilherme Boulos. Em maio, foi eleita pela revista Time uma das 100 personalidades mais influentes do ano. Foi eleita a primeira mulher indígena deputada federal por São Paulo, com mais de 156 mil votos, o maior número já obtido por um indígena na história. Terá como prioridades a defesa dos direitos indígenas, das mulheres indígenas e do meio ambiente (saiba mais).
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Célia Xakriabá (PSOL-MG)
Célia Nunes Correa, 32, é da Terra Indígena Xakriabá, nos municípios de Itacarambi e São João das Missões, no norte de Minas Gerais. Formou-se em Educação Indígena pela UFMG e tem mestrado em Desenvolvimento Sustentável, na área de Sustentabilidade dos Povos Tradicionais, pela Universidade de Brasília (UNB). Também é doutoranda em Antropologia pela UFMG. Foi coordenadora de Educação Indígena de Minas Gerais e uma das fundadoras da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA). Foi eleita a primeira mulher indígena deputada federal de Minas Gerais com mais de 101 mil votos. Tem como prioridades a preservação da memória e do patrimônio cultural; a democratização do acesso à cultura; a educação especial indígena; o reconhecimento e proteção dos territórios indígenas e quilombolas; o combate à mineração predatória; as reformas agrária e urbana (saiba mais).
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Juliana Cardoso (PT-SP)
Tem 42 anos, é nascida e criada em Sapobemba, Zona Leste da cidade de São Paulo. Começou a militar cedo nas Comunidades Eclesiais de Base e na Pastoral da Juventude da Igreja Católica. Seu pai era um indígena Terena que migrou do Mato Grosso do Sul para São Paulo para estudar. Ele foi assassinado quando ela tinha apenas cinco anos e Juliana perdeu contato com a família paterna por algum tempo. Retomou esses laços e, hoje, autodeclara-se Terena. É formada em Gestão Pública e está no quarto mandato como vereadora, sendo a única indígena na Câmara Municipal paulistana. Ajudou a criar o Conselho Municipal dos Povos Indígenas e participou de mobilizações pelo direito à terra e contra desocupações de indígenas aldeados. Foi eleita com mais de 125 mil votos a primeira deputada federal indígena do PT. Atua nas áreas de direitos humanos, direitos das mulheres, moradia popular, saúde pública, assistência social, infância e juventude. Pretende integrar a “bancada do cocar” e lutar na linha de frente da defesa dos direitos indígenas na Câmara (saiba mais).
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Paulo José Carlos Guedes (PT-MG)
É natural de São João das Missões, no norte de Minas Gerais, e tem 52 anos. Tem curso de Magistério. Estudou Direito e Gestão Pública, mas não chegou a se formar. Iniciou sua vida pública com 20 anos, como vereador na cidade de Manga (MG). Exerceu o cargo entre 1993 e 2004 e foi deputado estadual, entre 2007 e 2019. Em 2015, foi secretário de Desenvolvimento e Integração do Norte e Nordeste de Minas Gerais na gestão de Fernando Pimentel (PT). Em 2018, elegeu-se deputado federal. Autodeclarou-se indígena neste ano. Nestas eleições, teve cerca de 134 mil votos. Tem atuação nas áreas de infraestrutura, transporte, logística e segurança pública, entre outras.
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Sílvia Waiãpi (PL-AP)
Silvia Nobre Lopes, 47, nasceu na Terra Indígena Waiãpi (AP). Aos três anos, foi adotada por um casal de Macapá. Aos 13 anos, após ser mãe, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde chegou a morar na rua e foi vendedora de livros e revistas. Conseguiu estudar artes cênicas, foi pesquisadora, figurinista, preparadora de elenco e atriz na TV Globo. Participou de novelas e minisséries. Também foi esportista e chegou a ganhar medalhas de atletismo pelo clube Vasco da Gama. Formou-se em Fisioterapia pelo Centro Universitário Augusto Motta. Em 2011, foi a primeira mulher autodeclarada indígena a integrar o Exército brasileiro. Também é formada em Política e Estratégia e Liderança Estratégica pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Participou do governo de transição de Jair Bolsonaro e foi chefe da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) entre 2019 e 2020. Tem se alinhado ao governo Bolsonaro, defendendo a liberação de grandes projetos econômicos nas Terras Indígenas e a militarização da política indigenista. É muito próxima à senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF). Foi eleita com 5.435 votos.
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Debate socioambiental vai esquentar no novo Congresso com resultado de eleições
O sócio fundador do ISA Márcio Santilli analisa o provável aumento da polarização do debate sobre meio ambiente e povos indígenas no Legislativo a partir dos resultados do 1º turno das eleições
Márcio Santilli
- Sócio fundador e presidente do ISA
Embora a agenda socioambiental não tenha sido debatida em profundidade na campanha eleitoral, os resultados do primeiro turno já indicam um recrudescimento qualitativo no trato da questão no Congresso.
Do ponto de vista numérico, não houve grandes alterações na correlação de forças. Bancadas antagônicas saíram fortalecidas, como as do PL e do PT, partidos dos dois principais candidatos à Presidência.
O orçamento secreto certamente cacifou o “centrão” governista, que tomou espaços dos partidos do centro e direita mais convencionais, ligados aos candidatos presidenciais menos votados. PSB, PDT, PSDB e Cidadania diminuíram, enquanto cresceu a federação do PSOL com a Rede.
A bancada bolsonarista cresceu no Senado, mas houve ganhos pela esquerda também. É provável que teremos um Senado mais polarizado e com menor interlocução. A mediação de interesses poderá ser melhor exercida pelo Executivo, caso se confirme a vitória de Lula no segundo turno. O petista tem maior capacidade e disposição para a negociação política.
Expressões opostas
As mudanças mais significativas e interessantes foram de caráter qualitativo, pelo perfil dos eleitos, que têm relação mais próxima com a agenda socioambiental, para o bem e para o mal.
Na bancada federal paulista, há exemplos eloquentes. A deputada Carla Zambelli (PL) reelegeu-se com extraordinários 940 mil votos, desbancando o próprio Eduardo Bolsonaro entre os bolsonaristas mais radicais. Ela foi superada no estado apenas por Guilherme Boulos (PSOL), que teve mais de um milhão de votos. Zambelli foi presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara e tem notória inclinação contrária à agenda da sustentabilidade. Também se elegeu por São Paulo, com grande votação, o ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles (PL), o passador de “boiadas” contra o meio ambiente.
Em contrapartida, os paulistas foram generosos ao acolher e eleger duas novas deputadas diretamente ligadas a essa agenda: Marina Silva (Rede), acreana e ex-ministra do Meio Ambiente de Lula, e Sonia Guajajara (PSOL), maranhense e integrante da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Também reelegeu-se o deputado Nilto Tatto, secretário do Meio Ambiente do PT, com cerca de 150 mil votos. Igualmente foi eleito o seu irmão, Jilmar Tatto (PT), numa proeza familiar que duplica o seu poder de voto na Câmara.
Além deles, por outros estados, parlamentares com atuação importante na agenda socioambiental que conseguiram manter seus mandatos na Câmara são Tábata Amaral (PSB-SP), Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Túlio Gadêlha (Rede-PE).
Infelizmente, Camilo Capiberibe (PSB-AP), Rodrigo Agostinho (PSB-SP) e Alessandro Molon (PSB-RJ) não conseguiram se reeleger. Agostinho é ex-coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista e ficou como primeiro suplente, sendo provável que retome o mandato caso outro parlamentar de seu partido assuma um cargo executivo. Molon é o atual coordenador da frente, candidatou-se ao Senado e perdeu as eleições.
Bancada indígena
Além da Sonia, o movimento indígena também apoiou a eleição da deputada Célia Xakriabá (PSol-MG), ampliando a presença dos povos originários no parlamento. Infelizmente, Joênia Wapichana (Rede-RR), a primeira deputada federal indígena do Brasil, não conseguiu se reeleger, apesar de ampliar em mais de um terço a votação obtida nas eleições anteriores. Ela foi a sexta mais votada em seu estado, mas a federação partidária pela qual se candidatou, entre Rede e PSOL, não alcançou o quociente eleitoral.
Há outros cinco parlamentares eleitos para o Congresso autodeclarados indígenas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE): na Câmara, Silvia Waiãpi (PL-AP), Juliana Cardoso (PT-SP) e Paulo Guedes (PT-MG); no Senado, Hamilton Mourão (REP-RS), vice-presidente, e Wellington Dias (PT), ex-governador do Piauí.
Vale destacar que parte importante dos votos obtidos por Sonia e Célia não vieram de eleitores indígenas, mas de não indígenas de zonas urbanas. Ao que parece, há uma significativa receptividade à questão indígena em segmentos da sociedade que, antes, não se posicionavam sobre isso.
Amazônia sob pressão
O cenário político da Amazônia também promete grande tensão. Bolsonaro foi mais votado na região do chamado Arco do Desmatamento, que elegeu vários representantes de interesses ligados à extração predatória de recursos naturais. O avanço da devastação na região no mandato de Bolsonaro, assim como o orçamento secreto, fortaleceram esses segmentos.
Caso o modelo predatório de exploração de recursos continue sendo promovido pelo governo no próximo mandato, o Brasil certamente sofrerá graves sanções internacionais pelo enorme impacto negativo para as já debilitadas condições do clima global. Na hipótese, mais provável, de vitória do Lula, esses atores resistirão à adoção de políticas pela sustentabilidade ambiental na Amazônia.
Por outro lado, as condições climáticas continuarão piorando em função dos danos já acumulados. Todos os países sofrem com essa situação e os impactos sobre o Brasil já têm sido devastadores, como atestam as secas e enchentes que destroem as cidades, afetam a produção agrícola, a geração de energia e o abastecimento de água. A tendência é de acirramento de conflitos de interesse, caso não sejam tomadas providências efetivas e urgentes para a redução de danos.
Portanto, o clima político também deve esquentar. Com representantes mais qualificados e aguerridos, de ambos os lados, vai se acirrar o debate sobre a proteção da Amazônia e dos demais biomas, assim como sobre toda a agenda socioambiental. O povo brasileiro, como um todo, terá que se posicionar, para que o país possa recuperar o tempo perdido e construir um presente melhor e um futuro mais promissor para as próximas gerações.
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Audiência na Câmara sobre direitos indígenas em 2015 | Fábio Nascimento / MNI
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