Às vésperas da COP30, I Encontro da Rede de Sementes do Vale do Paraíba reforça importância de coletoras e coletores para Brasil cumprir meta de restauração assumida
União entre diversas frentes e políticas públicas para o fortalecimento de redes para garantir que a restauração dos ecossistemas seja realmente efetiva. Essa foi a mensagem que ecoou durante o I Encontro da Coopere (Cooperativa Rede de Coletores de Sementes do Vale do Paraíba), que aconteceu entre os dias 12 e 14 de setembro, em Tremembé, São Paulo.
O evento reuniu mais de 100 pessoas entre coletores, representantes do governo federal, e de organizações não governamentais, chamando a atenção para a necessidade de olhar para questões além da meta de restaurar hectares de vegetação nativa: o comprometimento com o consumo responsável, valorização da cultura popular e talentos locais. Também incentivar o protagonismo feminino, o resgate da ancestralidade e a profissionalização de quem coleta sementes.
Café caipira, coco, forró, maracatu, Socorro Lira cantando “Majestade, o sabiá”, yoga ao amanhecer: teve de tudo para alimentar o corpo e a alma.
Quem esteve lá participou de uma prosa boa com os coletores dos núcleos de produção da cooperativa sobre “Os desafios e as oportunidades da restauração ecológica e da agricultura de regeneração” e da feira de trocas de sementes. Também levou pra casa mais conhecimentos sobre a "Muvuca" e seus usos como estratégia de restauração ecológica e produtiva em sistemas agroflorestais; marcação de matrizes e identificação botânica; coleta em altura e segurança no trabalho; produção de sementes florestais (coleta, beneficiamento e armazenagem); e qualidade e análise de sementes (legislação e pesquisa).
Nas paredes da Casa de Sementes, inaugurada durante o encontro, mais que o nome Valdir do Nascimento, o companheiro assassinado em janeiro deste ano, a arte em grafite, idealizada e executada pelas mãos que também coletam sementes nativas e crioulas, conta a trajetória, lutas, parcerias e valores do coletivo que reúne agricultores familiares e assentados da reforma agrária articulado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), à agroecologia e ao Redário.
Hoje, a Coopere reúne 75 coletores de 40 unidades familiares em 10 municípios do Vale do Paraíba. Já coletou 10 toneladas de sementes de 130 espécies da Mata Atlântica e Cerrado e apoia o desenvolvimento de grupos de coletores na Zona da Mata Mineira.
Meta de restaurar
“A restauração não é feita apenas por coletores. Há várias frentes que precisam entrar em ação, para que ela aconteça. Acho que o desafio nosso aqui é unir essas frentes para que a gente possa conseguir ter resultados de impacto. Já estamos na metade da Década da Restauração. Temos aí mais uns cinco anos. Será que a gente tem esse tempo?”, afirmou Thiago Coutinho, coordenador da Coopere e membro do Conselho das Redes do Redário na abertura das atividades do encontro, fazendo referência à meta assumida pelo Brasil de restaurar 12 milhões de hectares até 2030.
Ao classificar as redes como modelo organizacional conectado aos novos tempos, Marcos Sorrentino, diretor do Departamento de Educação Ambiental e Cidadania do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) falou sobre a importância de criar e fortalecer as redes, envolvendo diferentes setores da sociedade com o objetivo de incidir sobre as políticas públicas, para que a transição para uma sociedade sustentável seja possível.
COP 30
Para Marcos Sorrentino, encontros globais como a COP 30, que acontece em novembro próximo, em Belém, “precisam repercutir as vozes dessa diversidade de redes de sementes. Alguém precisa contar que não é fácil coletar semente para plantar doze milhões de hectares. Acima de tudo, contar para os gestores de políticas públicas que o Estado brasileiro só conseguirá coletar sementes suficientes, se for junto com a sociedade, junto com essas redes. E para fazer isso junto, é necessário que o recurso público fortaleça as redes, no sentido de superar as fragilidades. Então, o estado brasileiro não pode estar alijado, distanciado desse processo de fortalecimento das redes de sementes”.
Eduardo Malta, especialista em restauração do Instituto Socioambiental (ISA) e coordenador do Redário, foi além, lembrando as origens do ISA. “E socioambiental se escreve junto, né? O ISA nasceu lançando esse nome porque a gente acredita que uma floresta vazia de gente, isolada, para ser uma área de preservação, onde as pessoas não podem entrar, não é a solução para o planeta. Ele precisa ter florestas com as pessoas. Onde tenha gente”.
Avisa lá
Luciano Carvalho, representante do MST, reforçou a urgência de ações globais contra o que chamou de devastação brutal dos meios de vida que vem sendo sistematicamente mortos e envenenados.
“O Movimento Sem Terra se colocou o desafio enorme, a ambiciosa meta de plantar cem milhões de árvores. Mas só o movimento Sem Terra sozinho não vai conseguir. Já estamos na marca dos quarenta milhões de árvores plantadas. Temos mais aí, mais cinco anos pela frente para atingir nossa meta. Tem que avisar essas alianças o que nós temos que fazer com o campo e a cidade. Na perspectiva do plano nacional, plantar árvores e produzir alimentos saudáveis. Essa é a nossa tarefa política, esse grupo, essa rede de coletores de sementes. Isso é extraordinário”.
Onde tem gente, tem que ter comida
Bráulio Furtado Alvarez, do ISA de Viçosa – Zona da Mata Mineira, onde está se formando uma rede de coletores, lembrou que é preciso prestar atenção à produção de alimentos, “porque senão a gente vai restaurar as florestas e vai ficar comendo salsicha”, alertou.
E é justamente a restauração aliada à produção de alimentos a estratégia adotada pela Coopere, que tem sua área de atuação localizada numa das regiões mais industrializadas do país, antes habitada pelo povo puri, e que vem sendo historicamente degradada.
“Não é só a semente. Se não tiver a mão que coleta a semente, se não tiver o coletor, a coletora, não tem a semente. Mas também não é só restauração, é também agricultura regenerativa, restauração produtiva. Acreditamos que vai potencializar o processo e vamos conseguir chegar ali nos doze milhões de hectares. Agora a gente tem que trabalhar! Tá muito atrasado para um processo que é urgente, né? É para ontem”, finalizou Thiago Coutinho.
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