Exposição Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação convida visitantes a mergulhar na memória, na luta e no espírito do patrimônio linguístico e cultural dos povos originários
Na parede do primeiro andar do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, um texto da artista, ativista e comunicadora Daiara Tukano demarca a potência da palavra e o enorme patrimônio que a diversidade linguística brasileira constitui. “Terra é viva, língua é memória, palavra tem poder, palavra tem espírito”, escreve. “Nossas línguas são território. Com as palavras desenhamos mundos, criamos alternativas para reflorestar os pensamentos. Precisamos ouvir as boas palavras para que elas possam nos mover”.
É justamente isso que propõe a exposição Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação, aberta ao público até 23 de abril de 2023: convidar os visitantes a abrirem a mente e ouvirem as histórias, palavras e vidas indígenas com mais respeito. Confira o vídeo:
“Fundamental é entender que o conhecimento, o pensamento, nasce da diversidade,” sublinha Daiara, curadora da mostra. “Nós estamos em um único planeta, enfrentando [uma das] maiores extinções em massa da história, as mudanças climáticas… [Tudo] depende de a gente aprender a pisar [no mundo] de uma maneira diferente, acreditar na vida e permitir a existência dos povos indígenas”.
A mostra se debruça sobre as mais de 175 línguas faladas hoje pelos 305 povos indígenas do Brasil, resistentes a cinco séculos de apagamento das culturas e cosmovisões originárias. Estima-se que, antes da chegada dos portugueses, havia neste território mais de cinco milhões de habitantes, que falavam aproximadamente mil línguas diferentes. Mais do que isso, mergulha nos múltiplos universos e formas de vida que tendem a se perder toda vez que uma língua desaparece.


Florestas de línguas, artefatos, imagens históricas e obras exclusivas apresentam aos visitantes os universos e saberes indígenas 📷 Ciete Silvério
Nhe’ẽ Porã marca o lançamento no Brasil da Década Internacional das Línguas Indígenas, declarada pela ONU para os anos de 2022 a 2032. A exposição tem apoio da Unesco, do Instituto Socioambiental (ISA), do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), do Museu do Índio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Quem visita Nhe’ẽ Porã encontra obras de mais de 50 profissionais indígenas, entre artistas visuais, fotógrafos, cineastas, comunicadores e pesquisadores – nomes como Denilson Baniwa, Tamikuã Txihi, Jaider Esbell, Paulo Desana e a própria Daiara Tukano, que, além de pensar todo o espaço expositivo, também adicionou uma pintura original ao corpo da mostra.

O acervo inclui artefatos, petróglifos e peças de artesanato, imagens e documentos históricos, entrevistas em vídeo e estações interativas onde é possível conhecer as árvores linguísticas que resistem hoje no Brasil e ouvir histórias, cantos e discursos em dezenas de línguas indígenas.
Há, ainda, peças criadas exclusivamente para a exposição, como uma animação que mostra a queda no número de línguas faladas no país entre 1492 e os tempos atuais em razão do massacre cometido pelos colonizadores, conflitos entre etnias e impactos de obras de infraestrutura, narrado por Daiara; além de mapas que registram a distribuição geográfica das línguas indígenas não só no Brasil, mas em todo o continente americano.
“[A exposição] não foi feita para se ver uma vez só”, pontua Daiara. “Ela é feita para se descobrir, para ter várias abordagens e vai provocar a todos. Toda vez que você voltar, vai achar outros caminhos para navegar, aprender e pensar”.
Muito além dos objetos expostos, a mostra se estrutura ao redor de árvores, constelações, pássaros e até um rio de palavras, que percorre toda a área, sobe pelas paredes, dá voltas e deságua em uma chuva linguística que, por sua vez, alimenta novamente o rio. “Demos um jeito de transformar um espaço quadrado em um circular, que atravessa uma série de narrativas e memórias”, Daiara adiciona.
Nada é isolado; cada áudio, imagem e artefato é contextualizado em relação aos tempos históricos, momentos políticos e tensões sociais. “Não é apenas falar em sons de palavras, estamos falando de pensamentos e como eles se expressam de várias formas”, a curadora avalia.
Chamam atenção, por exemplo, a exploração das diferentes plataformas onde os povos indígenas elaboram e registram narrativas sobre si e o mundo, do livro ao Youtube, bem como a reflexão sobre a relação da língua portuguesa, imposta pelos colonizadores, diante das línguas indígenas.
Em vídeo falado todo em yanomami, o xamã Davi Kopenawa resume: “a língua de vocês é doce, mas também é uma epidemia”.
As boas palavras - significado de Nhe’ẽ Porã em Guarani Mbyá - não necessariamente são agradáveis. “A gente fala de tristeza, de violência, de dores, lutos e mentiras”, diz Daiara. A exposição, porém, vem para compartilhar as vivências indígenas e marcar a existência e importância de lideranças históricas e da nova geração de guerreiros e guerreiras através do mais rico – e frequentemente esquecido – patrimônio: suas línguas e cosmovisões.
“Boas palavras são aquelas que curam”, a curadora finaliza. “[Esperamos] que elas possam ser recebidas profundamente no coração”.

Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação
Quando: Até 23 de abril
Onde: Museu da Língua Portuguesa - Estação da Luz, São Paulo
Horário: De terça-feira à domingo, das 9h às 16h30
Ingressos: R$20,00, com entradas gratuitas aos sábados