Polícia Federal informou que um dos suspeitos confessou ter participado de crimes. Corpos e pertences de vítimas ainda estão sendo periciados e barco será analisado nos próximos dias
Texto atualizado em 17/6/2022, às 8:43.
A Superintendência da Polícia Federal (PF) no Amazonas confirmou, na noite desta quarta-feira (15/6), em entrevista coletiva em Manaus, que os corpos que seriam do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista e servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) Bruno Araújo Pereira foram encontrados perto da comunidade ribeirinha de São Rafael, na região do município de Atalaia do Norte, no extremo oeste do estado do Amazonas. Os dois estavam desaparecidos desde domingo (5).
De acordo com a PF, Amarildo da Costa, conhecido como “Pelado”, confessou a participação nos assassinatos de ambos. Ainda na quarta, ele foi levado por policiais ao local onde estariam os restos mortais das vítimas.
Outro suspeito já preso é o irmão de Amarildo, Oseney da Costa Oliveira, conhecido como “Dos Santos”. Ele negou a participação nos crimes, mas há “provas em seu desfavor”, segundo o superintendente da PF no Amazonas, Eduardo Alexandre Fontes. Fontes também confirmou que há um terceiro suspeito em investigação já preso.
O superintendente da PF reforçou que só será possível ter “100% de certeza” sobre a identidade dos cadáveres e sobre como as vítimas foram mortas após a conclusão da perícia. Apesar disso, informou que Amarildo contou que teria sido usada uma arma de fogo. O policial não deu mais detalhes, justificando que as investigações correm sob sigilo.
No início da semana, a PF tinha encontrado documentos de Pereira e objetos pessoais dele e de Dom. Os pertences foram enviados para perícia em Manaus. Os itens estavam próximos à casa de Amarildo, na comunidade de São Rafael, submersos e amarrados a uma árvore, para que não fossem encontrados. O barco em que estavam Phillips e Pereira também teria sido afundado com uso de sacos de terra para que não fosse encontrado. A embarcação ainda não foi encontrada.
Amarildo havia sido preso em flagrante, na terça-feira (7/6), por posse de drogas e de armas, uma delas de uso restrito. Também foram encontrados vestígios de sangue, que estão em análise, no barco do suspeito.
Linha investigativa
Nos últimos dias, com base em vazamentos vindos da própria PF, veículos da imprensa divulgaram que Amarildo teria esquartejado e enterrado os corpos. Os assassinatos teriam sido cometidos por causa dos registros feitos por Phillips e Pereira sobre a pesca ilegal realizada por invasores na Terra Indígena (TI) Vale do Javari, a segunda maior do país, com 8,5 milhões de hectares. A polícia suspeita que a atividade era usada para lavar dinheiro do narcotráfico praticado na fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia.
Pouco antes de desaparecer, além da documentação da prática dos crimes, Pereira estava fazendo conversas com indígenas, ribeirinhos e autoridades locais para tentar conter a pesca ilegal na região e obrigar alguns dos invasores a aderirem a práticas legais de manejo pesqueiro. Recentemente, o servidor realizou um grande mapeamento das atividades ilícitas na TI Vale do Javari. O material foi entregue a órgãos como o Ministério Público Federal (MPF).
Ele vinha recebendo ameaças há algum tempo por causa disso. De acordo com áudios do próprio Bruno divulgados pelo site G1, os pescadores ilegais vinham inclusive atirando nas equipes de fiscalização da Funai.
Já Dom Phillips era um experiente e reconhecido repórter que colaborou para jornais importantes, como os norte-americanos New York Times e Washington Post e, principalmente, para o britânico The Guardian. Morava há 15 anos no Brasil, tinha conhecimento da Amazônia e estava escrevendo um livro sobre os principais problemas ambientais da região e como solucioná-los.
Univaja confirma crimes
Na coletiva em Manaus, chamou atenção a ausência de mais informações relevantes, de representantes dos povos indígenas da região e do reconhecimento do seu trabalho e dedicação nas buscas aos desaparecidos.
Pouco antes da entrevista com a PF e integrantes dos órgãos oficiais que auxiliam as investigações, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) divulgou uma nota, também confirmando as mortes.
“Hoje, 15/06/22, após 11 dias de buscas, obtivemos a notícia de que os corpos de Pereira e Phillips, nossos parceiros e defensores dos Direitos Humanos, foram encontrados pelos órgãos competentes envolvidos nas buscas”, diz o texto.
“A UNIVAJA compreende que o assassinato de Pereira e Phillips constitui um crime político, pois ambos eram defensores dos Direitos Humanos e morreram desempenhando atividades em benefício de nós, povos indígenas do Vale do Javari, pelo nosso direito ao bem-viver, pelo nosso direito ao território e aos recursos naturais que são nosso alimento e garantia de vida, não apenas da nossa vida, mas também da vida dos nossos parentes isolados”, continua a nota.
Exoneração na Funai
Pereira foi chefe da coordenação de Povos Isolados da Funai no Vale do Javari. No final de 2019, foi exonerado do cargo de coordenador geral de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato da sede da Funai, em Brasília, após ser responsável por uma ação de repressão ao garimpo ilegal também no Vale do Javari, com a destruição de dezenas de balsas de garimpo.
“Na conjuntura atual de desmonte da política indigenista e de ataques aos direitos indígenas, ele [Bruno] optou por se afastar do órgão [indigenista] e seguir esse trabalho lá no Vale do Javari, como assessor da Univaja, onde vinha participando de uma série de iniciativas voltadas a proteger o território, produzir informações, subsidiar a atuação do estado com informações qualificadas sobre o conjunto de pressões e ameaças que incidem sobre essa terra indígena”, conta Conrado Octávio, geógrafo associado ao Centro de Trabalho Indigenista (CTI).
“Era um profissional extremamente dedicado, competente e comprometido com os povos indígenas do Vale do Javari, onde começou a trabalhar em 2010, quando entrou na Funai”, complementa Octávio.
“No Vale do Javari, ele veio desempenhando um papel fundamental nas ações de proteção territorial, de proteção de povos isolados e de recente contato. Enquanto esteve à frente desse trabalho, estendeu essas ações para muitos outros povos e territórios indígenas”, conclui.