Cerimônia reuniu mulheres de 93 povos, 22 estados e seis biomas e fez parte da programação da Pré-Marcha das Mulheres Indígenas
Elas não estão sozinhas! Entre cantos, danças, rezas, cocares, maracás e muitas cores, a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) (saiba mais no box ao final da notícia) e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara (PSOL-SP), foram abençoadas pela graça das “mulheres-biomas” durante cerimônia de posse ancestral, no Centro de Formação em Política Indigenista da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em Sobradinho (DF). A celebração aconteceu em paralelo à posse oficial das parlamentares, na Câmara dos Deputados, e fez parte da programação da Pré-Marcha das Mulheres Indígenas, que aconteceu de 29 de janeiro a 1 de fevereiro.
O evento foi organizado pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), em parceria com o Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin). Em demonstração de apoio à candidatura e eleição de Xakriabá e Guajajara, a ANMIGA “finalizou” o ritual que iniciou, ainda em pré-campanha, para fortalecer candidaturas femininas por meio da iniciativa Bancada do Cocar. A cerimônia também celebrou a nomeação de Guajajara como ministra dos Povos Indígenas.
Puyr Tembé, mobilizadora e organizadora da Marcha das Mulheres Indígenas, ativista, liderança e agora a primeira secretária dos Povos Indígenas do Pará, falou da importância da ANMIGA na eleição da Bancada do Cocar. “A gente não só encorajou, a gente não só deu força tanto pra Célia quanto pra Sonia, mas pra tantas outras mulheres (...). Tiveram a coragem não só apenas por elas, mas por essa força que vem de todos os territórios do Brasil”.
A ANMIGA fez diversas caravanas pelos biomas brasileiros falando sobre o eixo da campanha indígena. “E queremos continuar a caravana das mulheres originárias da terra, para que a gente possa ter em 2026 mais mulheres, construindo mais municípios, mais estados e mais 'Brasis"', declarou.
A mobilizadora e organizadora da marcha das mulheres, ativista, liderança e secretária do estado do Pará, Puyr Tembé, fala sobre a importância da @AnmigaOrg na eleição da Bancada do Cocar.
— socioambiental (@socioambiental) February 1, 2023
📹 Carol Fasolo/ISA pic.twitter.com/La4nJESRPs
Posse ancestral
"Começamos o dia hoje com muita emoção, com muita força e com muita alegria", disse Guajajara, durante café da manhã organizado no Memorial Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília (UnB), para dar início ao dia dedicado à sua posse ancestral e de sua “parentíssima” companheira de luta, Célia Xakriabá. "É sim um dia histórico, é um dia que marca um novo momento da história dos povos indígenas", afirmou a ministra dos Povos Indígenas
Emocionada, ela relembrou com as mulheres indígenas presentes os momentos de luta e mobilização, o Acampamento Terra Livre (que acontece anualmente na capital federal), marchas e até as corridas pelos gramados de Brasília, fugindo da repressão policial. “Não tem como olhar pra cada uma que tá aqui e não lembrar desses momentos”, falou com carinho.
“A luta que a gente faz enfrenta muitos poderosos. As tentativas de silenciar são permanentes, as tentativas de nos intimidar são permanentes e a violência contra os povos indígenas não param. Olha o que foi o governo Bolsonaro: um projeto genocida pra acabar com os povos indígenas”, disse Guajajara, ao mencionar a situação de crise humanitária enfrentada pelos Yanomami e a violência contra os demais povos indígenas do Brasil.
A ministra também relembrou a trajetória e a luta da primeira deputada federal indígena e agora primeira mulher indígena presidente da Funai, Joenia Wapichana, que toma posse nesta sexta-feira (3), no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília. "Nós vamos trazer ainda mais e mais mulheres para ocupar esses lugares de poder”.
Wapichana marcou presença na posse ancestral e falou na reconstrução de um país que precisa reconhecer e considerar os povos e mulheres indígenas. “Encerro [o mandato] com muita alegria, porque o que a gente deixou de proposições legislativas, Celinha [Xakriabá] vai continuar defendendo, nossos amigos vão continuar defendendo, os movimentos vão continuar defendendo. Saio com a consciência tranquila”.
Em meio a muitas falas das mulheres indígenas presentes, “mulheres-terra”, “mulheres-biomas”, como são chamadas pela ANMIGA, as mulheres indígenas dos estados da Amazônia vieram para a pré-marcha para demonstrar apoio à Bancada do Cocar, declarar que elas não estão sozinhas e legitimar a confiança no trabalho das parentes eleitas. “Nós viemos trazendo a nossa força da ancestralidade. Nós somos o arco e vocês são as flechas” disse Edna Shanenawa, uma das representante das mulheres indígenas da Amazônia.
Com o “rezo” de proteção das “mulheres-raiz” para defender os direitos dos povos indígenas com muita força, também receberam as bênçãos a secretária dos Povos Indígenas do Pará, Puyr Tembé; a secretária dos Povos Indígenas do do Ceará, Juliana Jenipapo Kanindé; a secretária de Direitos Ambientais e Territoriais Indígenas, Eunice Keretxu, e o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, além do secretário de Saúde Indígena, Weibe Tapeba.
Luta compartilhada
Ao longo do dia da posse ancestral, juntaram-se à Sonia e à Célia as ministras da Igualdade Racial e do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Anielle Franco e Marina Silva, respectivamente, em caminhada realizada no gramado em frente ao Congresso Nacional.
Também acompanharam a cerimônia a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e a primeira-dama, Janja Lula da Silva.
Gonçalves colocou o Ministério das Mulheres à disposição das mulheres indígenas. “Quero trazer o calor e a afetividade da maioria das mulheres brasileiras, porque nós acreditamos em vocês. Aquele Congresso vai ser dos povos originários com esses dois mandados”.
Janja, igualmente, colocou-se como aliada da causa das mulheres indígenas. “Eu vou caminhar junto com elas. Encontrar caminhos para que as nossas meninas indígenas não sofram mais com a violência. Esse também é meu compromisso”.
Uma carta da ANMIGA foi entregue à primeira-dama com proposições para contribuir com a melhoria da vida e a garantia de direitos das mulheres indígenas dos seis biomas do Brasil. O documento possui oito eixos: Proteção e Infraestrutura nos Territórios, Saúde, Combate à Violência Obstétrica, Indígenas Fora do Território, Acesso à Justiça, Educação, Cultura, Funai e Planejamento e Orçamento.
“Permaneceremos mobilizadas na força de nossas ancestralidades, seguimos firmes na luta pela vida das mulheres e pelos nossos territórios dos diferentes biomas para reconstruir a democracia no Brasil. Pois é preciso retomar as políticas públicas de Igualdade de Gênero com a nossa participação na produção de políticas que dialoguem com as nossas especificidades: Nunca mais um Brasil sem nós!”, diz trecho da carta.
Pré-marcha das Mulheres Indígenas
A Pré-Marcha teve como tema “Vozes da Ancestralidade dos seis biomas do Brasil” e foi uma etapa preparatória para a construção da agenda e planejamento da III Marcha das Mulheres Indígenas, que acontecerá em setembro, para o “Março das Originárias” e para o ATL 2023, em abril.
Continuação do legado
“É a chama do fogo ancestral que nós trazemos pra esse lugar”, ressaltou a co-fundadora da ANMIGA Célia Xakriabá, durante a “posse ancestral”. Desde cedo, interessou-se em saber o que era política, sempre questionando as lideranças de sua aldeia. Elas falavam que ela chegaria longe e se tornaria deputada. “Eu fiquei rindo. Jamais pensei que estaria nesse lugar”.
A partir daí, Xakriabá traçou seu caminho para ressignificar a política tradicional branca, do paletó e da caneta, sob a perspectiva ancestral da poesia, do cocar, do jenipapo, do urucún e da mulher indígena.
“Eu entendo política quando as pessoas estão participando. Eu entendo política quando as pessoas estão dialogando. Eu entendo política quando elas estão em algum projeto de vida, e pra mim é o melhor jeito de fazer política. Eu não percorri caminhos da velha política tradicional brasileira. Minha primeira escola, minha primeira universidade foi, e continua sendo, a luta”.