Artesanatos, comidas, cantos e danças tradicionais marcaram a celebração na Casa do Saber, em São Gabriel da Cachoeira

Com o tema “História Viva, Movimento Indígena, Resistência e Conquistas Coletivas”, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) reuniu lideranças, parceiros e convidados no dia 30 de abril, em sua Casa do Saber, para a celebração dos 38 anos de fundação da instituição que representa os 23 povos indígenas do Rio Negro. Artesanatos, comidas, cantos e danças tradicionais marcaram a celebração, que exigiu cuidados redobrados devido ao aumento de casos de Covid-19 registrado em São Gabriel da Cachoeira nas últimas semanas. O uso de máscaras foi obrigatório, e álcool em gel foi disponibilizado nos espaços.
As boas-vindas ao evento foram feitas pelos jovens comunicadors da rede Wayuri, Imaculada Moreira, do povo Tukano, e Nayra Sthefany, do povo Baniwa, e pela articuladora do Departamento de Jovens, Mariete Pompilho, do povo Baré, nas línguas tukano, baniwa e nheengatu, respectivamente. O benzimento e a apresentação cultural do povo Tuyuka com a Dança de Cariçú também marcaram a abertuvou tentarra da festividade.
Além da atual diretoria da Foirn, representantes de instituições parceiras, públicas e privadas, e lideranças que marcaram a história da Foirn também compuseram a mesa de autoridades.
Sócio-fundador e membro da primeira diretoria da Federação, Pedro Garcia, do povo Tariana, lembrou das dificuldades e pressões sofridas à época, a exemplo de garimpeiros e empresas mineradoras, que motivaram a união e o diálogo dos 23 povos em prol da defesa do território, dando origem à federação em 1987, em assembleia realizada no ginásio da Diocese de São Gabriel da Cachoeira, que reuniu mais de 400 lideranças indígenas que vinham se organizando desde a década de 1970.

“O movimento não parou, continua vivo! Espero que os novos diretores, as novas pessoas que vêm, continuem levando essa mensagem de vida, da cultura, da riqueza do nosso povo”, desejou Pedro, que foi ainda o primeiro prefeito indígena de São Gabriel da Cachoeira (2009–2012) e, como ele destaca, fruto também da luta do movimento indígena. O atual prefeito da cidade, Egmar Saldanha, o Curubinha, do povo Tariana, também esteve presente no evento.
Liderança histórica no Rio Negro, Maximiliano Correa Menezes, do povo Tukano, falou da importância da maloca Casa do Saber, na sede da Foirn, como um espaço e símbolo de articulação nas lutas e celebração das conquistas. “Aqui a gente resolve do nosso jeito, falamos na nossa linguagem, falamos nas nossas línguas. Se no primeiro momento, ao longo da criação da federação, o lema era terra e cultura, a terra a gente lutou, brigou com o governo, para que o governo reconhecesse essa terra. E essa casa aqui recebeu o ministro da Justiça, que entregou, nas mãos do presidente da Federação das Organizações do Rio Negro, o Pedro Garcia, o decreto da demarcação das terras indígenas. Então, essa casa tem história, essa casa aqui, a Casa do Saber.”

Após 25 anos da criação da Foirn, Almerinda Ramos de Lima, do povo Tariana, foi a primeira mulher eleita para a presidência da entidade (2013–2016). Em seu discurso, ela destacou os desafios enfrentados ao longo das décadas, o fortalecimento da Foirn por meio da gestão compartilhada e a importância da continuidade das lutas coletivas. “Resistiremos sempre. Virão nossos jovens que ocuparão os cargos, tanto aqui na Foirn quanto nas esferas de governo. Esse é o nosso anseio, porque nós precisamos de pessoas que defendam os nossos direitos, que lutem por nós, por todos os nossos direitos conquistados, que hoje são ameaçados, e a gente precisa se fortalecer”, destacou.

Representando o Instituto Socioambiental (ISA), Ana Letícia Trindade, assessora em Gestão, ressaltou a importância das conquistas alcançadas ao longo da trajetória da Federação — além das demarcações dos territórios, os avanços nas áreas de saúde e educação, a participação ativa na construção da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI), a consolidação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) em todas as terras da área de abrangência da federação e o protagonismo na formulação de políticas alimentares que contribuem para a segurança alimentar dos territórios.

“A gente comemora junto essas vitórias porque elas não fazem a diferença só aqui no Rio Negro, mas também em todos os territórios tradicionais do Brasil e impactam todo o mundo. A Foirn tem essa vocação de conseguir ouvir a sua base e dar voz às necessidades dos povos indígenas”, declarou.
Em sua fala, o presidente da Federação, Dário Casimiro, do povo Baniwa, destacou a importância da entidade para a articulação política e ressaltou o crescimento da rede de governança, que hoje conta com 118 associações de base, do alto ao baixo Rio Negro, tendo como grande desafio a extensa área territorial.
Dário também enfatizou o papel da Foirn e dos povos do Rio Negro na preservação ambiental e na valorização dos conhecimentos ancestrais, fundamentais para a gestão dos territórios indígenas. “Nós manejamos o mundo. Então, a essência, a história, os conhecimentos ancestrais são fundamentais, porque é dali que buscamos a nossa fortaleza, a nossa confiança e o nosso compromisso de sermos protagonistas no processo histórico”, disse o presidente, destacando a parceria histórica da Federação com o ISA nesse processo.

Entre os avanços recentes, mencionou a criação do Fundo Indígena do Rio Negro como estratégia para garantir a implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs). Ao final, reforçou a importância das parcerias institucionais no fortalecimento das ações da Foirn e defendeu o engajamento contínuo das lideranças e comunidades para assegurar os direitos das futuras gerações.
Ao final do dia, o médico e escritor Drauzio Varella, que já fez mais de 100 incursões pelo Rio Negro, contou sobre sua relação com a região, que originou o livro O Sentido das Águas – Histórias do Rio Negro (Companhia das Letras), inspirado pelas narrativas escutadas nas viagens e lançado durante a celebração do aniversário da Federação.
Drauzio relatou como se encantou pelas histórias de vida dos moradores, especialmente de um jovem tukano chamado Maxiliano, que lhe contou sobre a canoa de transformação. Ao reencontrar Maxiliano anos depois, ali no evento, contou tê-lo reconhecido pela voz. “Aí vejo aqui chamando o senhor Max, ele está de máscara e não o reconhecia. Mas quando ele falou hoje, eu falei: ‘É ele, não é possível, eu conheço essa voz’. Reconheci o senhor Max pela voz”, revelou.

Drauzio refletiu sobre a complexidade da região, que considera profundamente desconhecida por grande parte dos brasileiros. Para ele, a Amazônia é resultado tanto da ação da natureza quanto do manejo ancestral dos povos indígenas, e esse conhecimento precisa ser reconhecido e valorizado diante das narrativas históricas coloniais.
O encerramento da festa contou ainda com as apresentações das agremiações Tribo Baré, Tribo Tukano e Filhos do Rio Negro, que se apresentam anualmente no Festival Cultural das Tribos Indígenas do Alto Rio Negro, o Festribal. Por fim, houve o desfile de peças de vestuário, acessórios e utensílios da Casa de Produtores Indígenas do Rio Negro Wariró.