Coletivo de pesquisadores indígenas, ribeirinhos e acadêmicos analisa desde 2013 os impactos da usina de Belo Monte
O Monitoramento Ambiental Territorial Independente (MATI), grupo de pesquisadores indígenas, ribeirinhos e acadêmicos que atua na Volta Grande do Xingu (VGX), no Pará, começa a partir deste sábado (08/02) a divulgar no Instagram o trabalho realizado desde 2013 e que consiste na coleta de dados para a comprovação das mudanças no fluxo do Rio Xingu e seus efeitos sobre a vida aquática e nas florestas.
Leia o primeiro post!
O perfil do MATI no Instagram vai compartilhar informações sobre a origem do coletivo de pesquisadores e sua luta para que o monitoramento ambiental seja reconhecido pelos órgãos responsáveis pelo licenciamento das obras na região. Também, vai falar sobre temas essenciais, como as piracemas, os hidrogramas adotados pela UHE Belo Monte e a proposta dos pesquisadores, além de esclarecer aspectos fundamentais sobre o licenciamento e o funcionamento da usina.
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O coletivo conta com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA), a Iniciativa Amazônia + 10, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal do Pará e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
Pioneirismo dos Yudjá/Juruna
O monitoramento começou em 2013, pela Associação Yudja Muratu da Volta Grande do Xingu (AYMIX), uma organização que representa o povo Yudjá/Juruna da Volta Grande do Xingu e atua para defender os direitos dos povos indígenas e das comunidades ribeirinhas da região.
Antes da construção da usina, as comunidades viviam em relações multiespécies de intensas trocas com o Rio Xingu e seus peixes, plantas, praias, insetos, tracajás e animais domésticos. Mas, em apenas sete minutos, tempo que durou o leilão da UHE Belo Monte, as vidas dos povos da região mudaram drasticamente, graças aos impactos da obra e seu sistema de operação. Belo Monte matou o pulso do rio ao cortar a vazão da Volta Grande e sequestrar a maior parte das águas. As drásticas mudanças vêm provocando a morte dos ecossistemas locais e danos graves aos moradores.
Sobre o MATI
O MATI, como é hoje, é fruto da ampliação, em 2020, do trabalho da AYMIX. Seu propósito é registrar as alterações provocadas pela relação entre a vazão do Rio Xingu e os impactos ambientais causados por Belo Monte, utilizando diferentes métodos de produção de dados e unindo os conhecimentos tradicionais e científicos, que resultam em uma pesquisa colaborativa e intercultural.
O projeto foi ampliado para outras três aldeias da Terra Indígena Paquiçamba e seis comunidades ribeirinhas e as informações coletadas são utilizadas para dar visibilidade aos problemas, apoiar denúncias junto aos órgãos de fiscalização, como Ibama, Funai e Ministério Público, além de subsidiar a construção de planos de viabilidade econômica e sustentabilidade ambiental.
Os pesquisadores vêm registrando os impactos terríveis provocados pelo desvio de 70% a 80% das águas do Rio Xingu para as turbinas da UHE Belo Monte. O coletivo vem lutando por uma partilha de “água justa” e mostrando que o monitoramento realizado pela Norte Energia, concessionária de Belo Monte, não é isento, já que os dados levantados pelo MATI mostram que o hidrograma utilizado vem provocando a morte de peixes e até o desaparecimento de espécies na região da Volta Grande do Xingu.
“O nosso monitoramento tem uma grande importância tanto para os indígenas como para os ribeirinhos que moram ao longo da VGX, pois, desta forma, podemos mostrar a nossa realidade e comparar os resultados com os da empresa, que vem afirmando que não há impactos. No entanto, o nosso acompanhamento mostra os impactos sociais, na fauna, na flora e, principalmente, na saúde da população local”, afirma Josiel Juruna, coordenador do MATI.
Data simbólica
No dia 8 de fevereiro de 2023, os pesquisadores chegaram na margem do Rio Xingu, no local conhecido como piracema do Odilo, e se depararam com milhões de ovas de peixes mortas nos barrancos secos e incapazes de eclodir e gerar novos peixes. O local era um berçário de peixes e foi transformado em um túmulo a céu aberto, em decorrência dos níveis de volume de água (hidrogramas A e B) liberados pela hidrelétrica, após o barramento do rio.
Assista à animação e entenda mais sobre os hidrogramas:
As pesquisas do MATI têm evidenciado que o monitoramento realizado pela Norte Energia é insuficiente para captar a real dimensão dos impactos sobre a pesca tradicional. Os estudos apontam que a ausência de um monitoramento adequado contribui para o aumento de pragas, a redução e mortalidade de peixes, a dificuldade de navegação no Xingu e a consequente precarização da alimentação, da saúde e dos meios de subsistência das populações indígenas e das comunidades tradicionais.
O grupo vem lutando para que o “Hidrograma das Piracemas” seja aplicado para garantir o ciclo de reprodução dos peixes, especialmente em áreas de piracema, para onde os peixes migram na época de reprodução. Sem essa mudança no hidrograma, as fêmeas de várias espécies continuarão encontrando a seca, onde deveria haver alagamento, e perdendo suas ovas.
Sobre a UHE Belo Monte
O histórico da Usina Hidrelétrica de Belo Monte é marcado por muita luta, resistência e controvérsia. Desde a sua concepção, os povos indígenas e comunidades tradicionais denunciam os impactos não compensados e nem reparados devidamente pela empresa.
Belo Monte recebeu a Licença Prévia em 2010 e iniciou as suas operações em 2015. A construção da usina causou o deslocamento de pelo menos 20 mil pessoas das comunidades tradicionais e indígenas, desrespeitando o direito de consulta e impedindo a continuidade de modos de vida especializados há séculos em proteger o rio e as florestas.
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Ao alterar o curso do Rio Xingu, Belo Monte provoca a perda de biodiversidade na região, com a mortandade de peixes e outras espécies aquáticas e o desaparecimento de florestas alagáveis. Para ambientalistas, indígenas e ribeirinhos, os impactos negativos são tão graves que configuram um ecocídio. Os alegados benefícios da usina não justificam a gravidade e profundidade de seus custos socioambientais.
A redução da pesca e a dificuldade de acesso a outros alimentos têm causado insegurança alimentar nas comunidades afetadas e, em 2021, a licença de operação venceu e aguarda a análise do Ibama das informações complementares apresentadas pela Norte Energia.
Segundo um parecer do Ibama, de 2022, a empresa cumpriu apenas 13 das 47 condicionantes socioambientais impostas no período de concessão da licença.