Com 1 ano e 8 meses de atraso, presidente Lula promete concluir até a próxima semana o processo de demarcação de todas as Terras Indígenas listadas pela equipe de transição
Nesta quarta-feira (04/12), o governo Lula anunciou a homologação de mais três Terras Indígenas. São elas: Potiguara de Monte-Mor, do povo potiguara, na Paraíba; Morro dos Cavalos, dos povos Guarani Ñandeva e Guarani Mbya; e Toldo Imbu, do povo Kaingang, ambas em Santa Catarina. A média de tempo que as três TIs levaram para concluírem seu processo homologatório foi de 31 anos.
O país agora possui 445 Terras Indígenas tradicionalmente ocupadas homologadas que abrangem um território de 107.449.595 hectares. Ainda existem outras 286 áreas que seguem aguardando o andamento de seus processos demarcatórios: são 151 em estudo e outras seis áreas com portarias de Restrição de Uso para proteção de povos indígenas isolados, 36 identificadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e por fim, 68 terras já declaradas pelo Ministério da Justiça a espera do decreto homologatório.
O decreto de homologação é uma das etapas finais do processo que garante a posse exclusiva da terra aos indígenas. Após, a TI deverá ser registrada no cartório de imóveis e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
Com a decisão, o atual Governo Lula alcança a marca de 13 homologações, número que representa um pouco mais da metade do número de assinaturas homologatórias feitas em sua última gestão, de 2007 a 2010. Apesar disso, os anúncios que aconteceram ao longo dos últimos dois anos eram esperados para acontecer ainda nos primeiros dias da gestão.
Durante a transição de governos, o Grupo Técnico dos Povos Originários encaminhou 13 TIs prontas para terem seus processos finalizados nos primeiros 100 dias da gestão. As primeiras homologações assinadas pelo presidente aconteceram durante o Acampamento Terra Livre, em abril de 2023, e continham apenas cinco das 13 indicadas pelo GT: Kariri-Xokó (AL); Tremembé da Barra do Mundaú (CE); Rio dos Índios (RS); Uneiuxi (AM) e Arara do Rio Amônia (AC). Na ocasião, também foi homologada a TI Avá-canoeiro (GO), que não constava na lista das 13 indicadas pelo GT.
Veja a localização das Terras Indígenas:
Já as TIs Rio Gregório (AC) e Acapuri de Cima (AM), parte da lista, foram homologadas na cerimônia oficial do Dia da Amazônia, em 5 de setembro de 2023. As TIs Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT), por sua vez, foram homologadas um dia antes do Dia dos Povos Indígenas, em 18 de abril de 2024, sob lamentos de lideranças das TIs que foram convidadas para a cerimônia e não viram os seus territórios serem homologados pela presidência.
“Quero que vocês saibam que essas Terras já estão prontas. O que nós não queremos é prometer para vocês uma coisa hoje e amanhã você ler no jornal que a Justiça tomou uma decisão contrária. A frustração seria maior”, justificou o presidente Lula à época.
Desta vez, a única terra da lista que ficou de fora da decisão foi a TI Xukuru-Kariri, do povo Xukuru-Kariri, que aguarda há mais de 26 anos pela demarcação final do território. Durante a cerimônia reservada no Palácio do Planalto, o presidente se comprometeu a oficializar a TI ainda na próxima semana.
“Temos mais dois anos de governo e vamos continuar trabalhando para que a gente possa legalizar e entregar todas as terras que estiverem sob a nossa possibilidade. Se um dia perguntarem para mim qual é o meu legado na presidência, eu vou dizer: o cara que mais autorizou Terras Indígenas nesse país. Foi no meu governo”, afirmou o presidente.
Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, também esteve presente na assinatura e reafirmou o compromisso do governo federal com a proteção das áreas demarcadas. “Nós seguimos trabalhando muito para que a gente possa fortalecer a política indigenista a partir da demarcação das Terras Indígenas, da desintrusão das Terras Indígenas e também da proteção desses territórios, para garantir a segurança dentro desses territórios indígenas já demarcados”, declarou.
Juliana Batista, uma das advogadas que representa juridicamente a Terra Indígena Morro dos Cavalos, celebrou a decisão junto à ministra Sonia Guajajara e aos representantes do Ministério dos Povos Indígenas. “Nós estamos muito felizes, essa é uma vitória do Ministério, essa é uma vitória da comunidade indígena de Morro dos Cavalos e nós esperamos apoio da sociedade brasileira para que mais terras possam ser homologadas garantindo a preservação dos biomas e também dos modos de vida dos povos indígenas”, afirmou.
Na cerimônia também estiveram presentes lideranças indígenas como Sandro Potiguara, o cacique-geral do povo Potiguara; cacique Babau Tupinambá, Cal Potiguara, liderança potiguara; e Dinaman Tuxá, coordenador na Articulação dos Povos Indígenas. Além deles, representantes do governo federal como Joenia Wapichana, presidenta da Funai; Weibe Tapeba, secretário especial de Saúde Indígena (Sesai); Luiz Eloy Terena, secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas; Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça; Sheila de Carvalho, secretária Nacional de Acesso à Justiça; e Marcos Kaingang, secretário de Direitos Territoriais Indígenas.
Conheça as Terras Indígenas demarcadas:
Terra Indígena Morro dos Cavalos, em Palhoça (SC)
Habitada pelos Guarani Mbya e Guarani Ñandeva, a Terra Indígena Morro dos Cavalos está situada no município de Palhoça (SC), com uma extensão territorial de 1.983 hectares e está sobreposta ao Parque Estadual (PES) Serra do Tabuleiro. Mesmo com registros históricos apontando a presença de comunidades guarani na região do Morro dos Cavalos desde o século XVII, foi apenas em 1993 que o primeiro Grupo Técnico (GT) para delimitação da TI foi constituído.
Segundo o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da TI Morros dos Cavalos, a primeira invasão do território teve início na década de 1960, a partir da construção da rodovia BR-101. O documento destaca que a ocupação do entorno da TI e a criação do PES Serra do Tabuleiro, em 1975, geraram conflitos fundiários que se estendem até hoje, pois provocaram “a redução dos espaços ocupados pelos Guarani, comprometendo a sua autonomia econômica e a satisfação de suas necessidades”.
A delimitação da TI em abril de 2008 motivou uma ação judicial movida pelo estado de Santa Catarina contra a União e a Funai, com o objetivo de declarar a nulidade do processo administrativo de demarcação.
Sobre essa ação, os advogados do ISA, Maurício Guetta e Juliana Batista, afirmam que: “a judicialização da demarcação da TI Morro dos Cavalos foi mais uma das maneiras encontradas pelo estado de Santa Catarina para tentar procrastinar a sua regularização fundiária. Além do processo administrativo de demarcação ter transcorrido na mais absoluta legalidade, de acordo com as normas aplicáveis, os indígenas jamais abandonaram a TI Morro dos Cavalos”.
Saiba mais no artigo “A judicialização das demarcações de terras indígenas: o caso de Morro dos Cavalos”, no livro Direitos dos povos indígenas em disputa, de 2018.
Segundo a organização indígena Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), a TI Morro dos Cavalos e outras 13 terras guarani estariam prontas para serem homologadas ou declaradas – e foram incluídas na campanha #DemarcaYvyrupa, relançada na véspera das eleições municipais deste ano.
Terra Indígena Toldo Imbú, em Abelardo Luz (SC)
A Terra Indígena Toldo Imbu, de ocupação tradicional do povo Kaingang, está localizada no município de Abelardo Luz, estado de Santa Catarina, com uma área delimitada e declarada de 1.970 hectares e uma população de 393 pessoas, segundo o Censo 2022. A luta dos Kaingang de Toldo Imbu pela demarcação do seu território vem desde 1949, quando foram removidos à força de seu território para o Posto Indígena Xapecó, uma área que fora instalada pelo governo estadual do Paraná em 1902.
Após a expulsão das comunidades de seu território, os indígenas se mobilizaram para retomar suas terras tradicionais. O processo de regularização fundiária, no entanto, sofreu um revés com a oposição dos produtores rurais e seus aliados políticos, interessados na exploração madeireira e na criação de loteamentos. Os processos de identificação e delimitação da TI Toldo Imbu foram iniciados pela Funai em 1986, contudo, disputas judiciais paralisaram por um longo tempo os procedimentos administrativos.
Apenas em 2019 que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim às ações que tentavam anular a declaração da TI, permitindo que o rito demarcatório seguisse aos estágios finais.
Terra Indígena Potiguara de Monte-Mor, em Marcação (PB) e Rio Tinto (PB)
A Terra Indígena Potiguara de Monte-Mor está localizada nos municípios de Marcação e Rio Tinto, ambos no estado da Paraíba, e pertence ao povo Potiguara. Homologada com 7.530 hectares, o Censo 2022 identificou 10.966 pessoas vivendo no território. A densidade demográfica da TI é maior que a das cidades em que a TI está localizada, além disso, ela está sobreposta a duas Unidades de Conservação, a Área de Proteção Ambiental (APA) da Barra do Rio Mamanguape e a Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) Manguezais da Foz do Rio Mamanguape.
Em 2007, durante reunião do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), o Ministro da Justiça à época, Tarso Genro, assinou a Portaria Declaratória da TI.
Segundo o RCID, publicado em 1997, existem registros da presença potiguara no litoral da Paraíba desde o século XVI. Em 1860, a ocupação potiguara na região do Rio Mamanguape, onde hoje está a TI Potiguara de Monte-Mor, foi confirmada em um ofício enviado à Repartição Geral da região. Apesar disso, apenas no início do século XXI eles foram reconhecidos. Em 2007, após 400 potiguaras ocuparem a sede da Funai em João Pessoa (PB), o Ministro da Justiça à época, Tarso Genro, assinou a Portaria Declaratória da TI durante reunião da CNPI.