Quilombos Praia Grande e Pedro Cubas de Cima receberam seus títulos parciais na última semana (20/02). Outras 52 comunidades ainda esperam o documento
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O governo de São Paulo entregou, no dia 20 de fevereiro, títulos parciais de regularização fundiária às comunidades quilombolas de Praia Grande e Pedro Cubas de Cima. As comunidades ficam no Vale do Ribeira, no sudoeste do estado.
A entrega dos títulos ocorreu durante o evento "Nosso Agro tem Força", no Palácio dos Bandeirantes, com a presença de sete quilombolas, da Secretaria de Agricultura, da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (Eaacone) e da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), além de outros atores do setor agropecuário da região.
Durante a solenidade, o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), prometeu titular "100%" dos quilombos no estado.
“Tenho que agradecer o trabalho do Itesp, que está proporcionando essa regularização fundiária. Acabou o agradecimento, agora eu vou cobrar. Vamos embora porque pretendo fazer o 100%. Eu digo assim: a gente tem pouco tempo para comemorar, pouco tempo para celebrar. A gente já tem que começar a trabalhar em busca da próxima meta”, disse.
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Para Rafaela Santos, advogada quilombola da Eaacone, titular esses territórios é uma questão de reparação histórica. “O estado de São Paulo construiu sua riqueza à custa da vida do nosso povo e tem poucas comunidades quilombolas se compararmos com outros estados”, afirmou após o evento. “Ouvir hoje do governador que tem que titular 100% das Comunidades Quilombolas é algo importante, uma conquista do movimento quilombola que se articula na luta diariamente para ver nossos territórios titulados e vamos cobrar para que essa promessa seja de fato realizada em um prazo razoável”, ressaltou.
Edilene Geralda de Matos, liderança do Quilombo Praia Grande, nutre esperanças de que os outros territórios serão titulados em breve. “Pelo o que o governador disse, estou confiante que virão mais títulos e quero estar firme e forte para ver isso”. Edilene lembra com pesar do senhor Benedito Messias, que começou a luta pela titulação do Quilombo Praia Grande e faleceu em janeiro sem ver a conquista da Comunidade. “Ele que me sustentava de pé. Ele falava ‘filha, não desiste’. Ele se foi, mas eu sinto ele comigo a todo momento me dando força para continuar. A minha esperança é ver mais território titulado e a nossa terra titulada integralmente”, disse.
Mas os títulos entregues às comunidades não são da integralidade dos territórios tradicionais, ademais os não quilombolas ainda não foram de fato retirados da área titulada, acirrando os conflitos fundiários. Ou seja, ainda há muito trabalho de regularização fundiária e entrega de títulos a serem feitos nas comunidades de Praia Grande e Pedro Cubas de Cima.
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Mudanças e avanços
Os títulos entregues têm cláusulas diferentes dos anteriores, entregues a outras comunidades. Foram retiradas cláusulas de reversibilidade, ou seja, de devolução das terras ao Estado em alguns casos como, por exemplo, por supostas e eventuais ações de degradação ao meio ambiente. Essa possibilidade violava o direito constitucional à titulação definitiva das comunidades.
A antiga cláusula era ainda uma expressão do racismo ambiental, pois não constava de títulos de terras entregues a não quilombolas no processo de regularização fundiária previsto na Lei 17557/2022. Ou seja, só os títulos entregues a quilombolas tinham essa restrição, justamente para os sujeitos que detêm as maiores porções de Mata Atlântica preservadas em todo o país.
Também, foi adicionada uma cláusula que prevê a imprescritibilidade, ou seja, os territórios agora ficam protegidos de eventuais tentativas de usucapião de suas terras por outras pessoas.
Outra cláusula adicionada foi a de impenhorabilidade dos territórios tradicionais coletivos, o que significa que eles não podem ser penhorados por dívidas.
Segundo Fernando Prioste, advogado popular no Instituto Socioambiental (ISA), as alterações nos títulos são fruto da ação das comunidades, que buscaram dialogar com a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo sobre o tema. “Após receber a solicitação formal feita pelas comunidades, a PGE analisou o caso, deu razão às comunidades, e alterou as cláusulas dos títulos”, explicou.
Histórico das titulações
No Estado de São Paulo há 56 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares, mas apenas as Comunidades de Ostras e Ivaporunduva receberam os títulos integrais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Passados 36 anos de vigência da Constituição Federal e 27 anos da lei paulista nº 9.757/1997, apenas 10 dez comunidades foram tituladas parcialmente: 1) São Pedro, 2) Maria Rosa, 3) Pedro Cubas,4) Pedro Cubas de Cima, 5) Pilões, 6) Nhunguara, 7) Sapatu, 8) Galvão, 9) Praia Grande e 10) Ostras.
No ritmo atual, seriam necessários aproximadamente 150 anos para titular integralmente os 54 Quilombos no estado de São Paulo que ainda aguardam regularização fundiária.
A regularização fundiária é ferramenta indispensável para a garantia de direitos e a preservação da história e da cultura dessas comunidades, que são responsáveis por conservar o maior maciço de Mata Atlântica do país. Entre suas práticas, está o Sistema Agrícola Tradicional (SAT) ligado ao modo de fazer as roças de coivara, que é reconhecido como Patrimônio Cultural e Imaterial do país pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

“Nós Quilombolas do Estado de São Paulo e do Brasil enfrentamos ainda muitos desafios na regularização fundiária de nossos territórios. A maioria das comunidades está há dezenas de anos aguardando reconhecimento e titulação conforme o comando constitucional. Mesmo estando como prioridade desde 2014 no convênio INCRA e ITESP, o Quilombo Praia Grande foi somente agora parcialmente titulado, mas sem que, de fato, os não quilombolas sejam retirados”, disse Rafaela.
“Precisamos lembrar também que muitos tombaram nessa batalha. Seu Laurindo Gomes foi assassinado na Comunidade de Praia Grande, Seu Messias faleceu pouco antes de receber o título. É uma tristeza para a gente, porque são pessoas que lutaram muito para ter esse momento aqui hoje, esse título e a retirada de terceiros de suas comunidades”, completou.
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Edvina Tie (Dona Diva), liderança do Quilombo Pedro Cubas de Cima, ressaltou que a luta continua. “Estou muito contente com essa vitória, mas a luta continua. Nós vamos vencendo e começando outras etapas. São 30 anos de luta, fundei a Associação em 2003 e não parei mais”, disse.
As comunidades quilombolas cobram do ITESP e da Secretaria de Agricultura a realização de um plano estadual de titulação dos territórios quilombolas. A política pública de titulação não pode depender apenas da vontade política dos gestores, ela deve ser planejada, com objetivos, metas e indicadores bem definidos, para que as titulações ocorram em prazo razoável.
No entanto, apesar de trabalhar há quase trinta anos com essa agenda, o ITESP não se deu ao trabalho de planejar sua ação de forma a titular todos os quilombos em prazo razoável.
Esse planejamento também é importante para que as ações do ITESP possam prever os recursos necessários para as ações, e para que as leis orçamentárias possam prever esses recursos.
Comunidades que ainda esperam o título integral:
Fazenda Silvério
André Lopes
Sapatu
Cangume
Morro Seco
Mandira
Caçandoca
Bombas
Cafundó
São Pedro
Varadouro
Ariri
Porto Cubatão
Taquari
São Paulo Bagre
Santa Maria
Reginaldo
Pilões
Fazenda Caixa
Sertão do Itamambuca
Cambury
Brotas
Fazenda Pilar
Porto Velho
Pedro Cubas de Cima
Terras de Caxambu
Paraíso e Pedra Preta
Ribeirão Grande
Cedro
Terra Seca
Jaó
Castelhanos
Carmo
Nhunguara
Praia Grande
Capivari
Galvão
Maria Rosa
Abobral Margem Esquerda
Poça
Pedro Cubas
Frade, Raposa, Caçandoquinha e Saco Das Bananas
Espírito Santo da Fortaleza de Porcinos
José Joaquim de Camargo
Piririca
Aldeia
Bairro Peropava
Ilhas
Rio Das Minas
Engenho