Representantes do colegiado celebraram instalação, mas apontaram desafios para obter recursos orçamentários
O Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (CG ‒ PNGTAQ) foi instalado na última terça (25/2). A posse do colegiado veio com atraso de um ano e três meses após a instituição da política, em novembro de 2023.
Segundo a previsão inicial, 90 dias depois seria publicado o edital com os critérios e procedimentos para organizações quilombolas que desejassem compor a instância. Entretanto, somente em outubro de 2024 isso aconteceu. O resultado, com a lista dos nomes das entidades e dos representantes empossados agora, foi publicado no Diário Oficial só em 28 de janeiro deste ano (veja no quadro mais abaixo).
A PNGTAQ é fundamental para fortalecer e proteger os territórios quilombolas, que são espaços de resistência dessas comunidades, essenciais para sua existência e qualidade de vida, e também de grande importância para a conservação da sociobiodiversidade (saiba mais abaixo). Ao comitê compete planejar, coordenar, articular, monitorar e avaliar a execução da política, de acordo com o Decreto 11.786/2023, que a instituiu.
Essas áreas e seus moradores sofrem todo o tipo de pressão e ameaça, desde invasões de terra e roubo de madeira até a violência de pistoleiros. Por causa disso, e pelo fato da titulação dos territórios também avançar a passos de tartaruga, havia grande expectativa do movimento quilombola pela implementação da PNGTAQ.

“Existe uma dificuldade de sincronizar os tempos previstos nas normativas com as condições reais de tocar as coisas no cotidiano, até mesmo porque a equipe que cuida desse tema também cuida de tantas outras questões”, justifica Ronaldo dos Santos, secretário nacional de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos do Ministério da Igualdade Racial (MIR).
“Com tudo isso, quando avaliamos a implementação da política nesse seu início, entendemos que a demora na implementação do comitê gestor não comprometeu a política. Ao contrário, estamos muito satisfeitos com os resultados construídos”, ressalta.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, parabenizou a instituição do comitê e reforçou a importância da continuidade da PNGTAQ, que enfrentou, e ainda enfrenta, uma série de desafios em sua implementação. “São nesses momentos que a gente cresce. Como boa atleta, eu sempre digo que quando o jogo aperta a gente joga melhor. E esse comitê que está aqui tomando posse hoje faz parte disso também”, disse.

Desafio orçamentário
Um dos desafios para a execução da PNGTAQ é o orçamento. Inicialmente, foram disponibilizados R$ 20 milhões, mas, desde então, os ministérios envolvidos unem esforços para obter mais recursos. “Apesar do retardo na posse dos representantes do comitê gestor, isso, em parte, não afeta a busca pelo principal, que é o financiamento da política”, comentou o coordenador geral de Políticas para Quilombolas do MIR, Rozemberg Batista, durante a posse do colegiado.
“O MIR não parou no meio desse tempo, tem conquistas muito valorosas, inclusive com parceiros que estão aqui presentes, como o BNDES. A gente já tem uma parceria considerável para anunciar, que é o financiamento de planos locais de gestão territorial e ambiental na Amazônia Legal, na ordem de cerca de R$ 33 milhões na primeira leva, e a gente certamente vai observar e lutar para que esse espaço consiga ter ainda mais recursos”, complementou.
“O meu clamor se mistura, enquanto secretária, neste momento mas como pertencente também a uma comunidade. Nossa luta é diária para ter orçamento. A gente não precisa de pouco orçamento, a gente precisa de muito orçamento”, reforçou a secretária nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Édel Moraes.
Quem compõe o comitê?
Representantes de cinco organizações quilombolas, uma de cada região do Brasil, e da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), estiveram presentes para ser empossados e dar início aos trabalhos do comitê. Também o integram, os ministérios do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS); da Educação (MEC); da Cidadania (MC); do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA); do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA); e da Igualdade Racial (MIR) – esses últimos três considerados o “núcleo duro” do governo à frente da política.
Confira abaixo o quadro com membros das organizações quilombolas do comitê gestor.

O que é a PNGTAQ?
Segundo o Decreto 11.786/2023, a PNGTAQ deve promover práticas de gestão territorial e ambiental desenvolvidas pelas comunidades quilombolas, atuar para garantir seus direitos territoriais e ambientais, favorecer a implementação de políticas públicas de forma integrada, proteger o patrimônio cultural material e imaterial, conservar a biodiversidade e fomentar seu uso sustentável, e ainda promover a melhoria da qualidade de vida e a justiça climática para essas populações.
De acordo com o articulador político e integrante da coordenação da Conaq, Biko Rodrigues, “quando se fala sobre uma política de gestão territorial se fala na proteção do território; na área que você vai deixar para o manejo; a área que você vai produzir; a forma que você vai produzir; como você planeja esse território olhando de cima para baixo, com a perspectiva de resguardá-lo para as futuras gerações", explica.
"O que nós queremos cada vez mais é ter uma qualidade de vida para proteger os nossos territórios. Porque nós não podemos negar para os que virão o direito de ver árvores em pé ou rios correndo livremente. Nós temos o compromisso de proteger agora”, acrescenta.
“A gestão territorial e ambiental já existe. Na prática, os territórios já fazem isso. Todo território tem práticas de gestão territorial e ambiental. Então essa política tem um único papel, que é potencializar essas práticas. Tudo que foi pensado na política reflete as práticas ancestrais e territoriais das comunidades”, afirmou a diretora de Territórios Quilombolas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Mônica Borges.
Borges também destacou a relação da PNGTAQ com a regularização fundiária dessas áreas, que é bastante demorada. “Salvaguardar o território a partir da gestão territorial e ambiental é garantir que, quando a regularização chegar, ainda exista território. A PNGTAQ é essa ferramenta que tem a função de garantir a permanência das pessoas no território, de fortalecer as comunidades. É, sobretudo, permanecer e salvaguardar as vidas daquele território”, finalizou.
A PNGTAQ é destinada a todas as comunidades quilombolas do Brasil, independente da sua situação fundiária. Pela primeira vez, a população quilombola foi identificada, enquanto grupo étnico (IBGE, 2024). O Censo identificou 8.441 localidades quilombolas em todo o país, o que reforça a importância de investimentos robustos para que essa política pública chegue onde precisa chegar, esforços conjuntos dos ministérios e parceiros são fundamentais para alcançar o compromisso pela defesa dos territórios quilombolas. Para se ter uma ideia do problema da regularização fundiária dessas áreas, basta lembrar que existem hoje mais de 3,7 mil comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP), enquanto apenas 395 comunidades foram tituladas, de acordo com o Incra.
O que é a sociobiodiversidade?
A sociobiodiversidade é a diversidade biológica associada aos sistemas agrícolas tradicionais, o uso e manejo desses recursos reunidos no conhecimento e na cultura das populações tradicionais e agricultores familiares. Por sua vez, a diversidade biológica ou biodiversidade é a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, dentro das espécies, entre espécies e de ecossistemas. Ela abarca os ecossistemas terrestres, marinhos, outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte.