A especialista Nurit Bensusan analisa as dificuldades para a implementação do tratado internacional sobre biodiversidade. Leia documentos sobre o assunto
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), uma das grandes convenções assinadas na Rio-92, é um instrumento multilateral que contribuiu significativamente para colocar o tema da biodiversidade nas agendas políticas e socioambientais dos países. Trouxe também, à época, contribuições importantes, como o reconhecimento do uso sustentável como estratégia de conservação da biodiversidade e do relevante papel do conhecimento de povos indígenas e comunidades locais para a manutenção da biodiversidade. Essas ideias, bastante difundidas hoje, ganharam um impulso fundamental com a CDB. Outras, como a repartição dos benefícios oriundos do uso da biodiversidade (e sua implementação), permanecem desafios para os países e para a própria Convenção.
O que é diversidade biológica ou biodiversidade?
Segundo a CDB, a diversidade biológica ou biodiversidade é a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos, outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte. Abarca, ainda, a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.
Apesar de sua importância inicial, a CDB vem perdendo espaço nos debates nacionais e internacionais sobre o assunto, e certamente um dos motivos é sua baixa implementação. Os compromissos assumidos pelos países são voluntários, e não mandatários, e eles não vêm sendo cumpridos, uma das razões para que as taxas de perda de biodiversidade continuem crescendo.
Um novo marco global de biodiversidade, conhecido como Marco Global de Kunming-Montreal da Diversidade Biológica, foi aprovado na última COP (decisão 15/4) da CDB. Esse novo marco possui 23 metas a serem cumpridas até 2030 e é bastante amplo. Ainda assim, não foram concebidos novos instrumentos que permitam dar um impulso à implementação da Convenção. Ou seja, trata-se de mais uma tentativa de implementar uma convenção que vem amargando fracassos sucessivos. As metas anteriores, conhecidas como Metas de Aichi, que deveriam ser implementadas até 2020, não foram executadas. Esse novo marco é possivelmente a última oportunidade de implementação dessa Convenção.
Implementação no Brasil
Diante desse cenário, torna-se relevante criar condições favoráveis para sua implementação no Brasil, principalmente engajando a sociedade civil e os movimentos sociais em um esforço de incidência política, novas propostas, participação, cobrança e controle social. Não haverá, porém, chances de sucesso sem o envolvimento de povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais, que vivem em seus territórios e dominam as mais importantes estratégias de conservação e uso sustentável da biodiversidade. Não haverá, tampouco, nenhuma chance de êxito sem contar com um compromisso dos setores que mais destroem a biodiversidade do país.
O Brasil está, nesse momento, preparando uma nova Estratégia Nacional de Biodiversidade (EPANB), aderida às metas do novo Marco Global de Biodiversidade. Apesar de ser a terceira Estratégia Nacional de Biodiversidade que o país prepara, seu processo de elaboração padece dos mesmos males das anteriores. Assim, dificilmente ela terá melhores resultados.
Para colaborar nesse processo e convidar seus participantes a uma reflexão mais profunda sobre as metas e suas possibilidades de implementação, o ISA produziu dois documentos. O primeiro, o Mapa do Caminho, elaborado por Jaime Gesisky e Marta Salomon, traz as políticas públicas federais existentes, ordenadas por cada uma das metas do Marco Global da Biodiversidade. A ideia é dar materialidade a cada uma das metas, bem como ajudar a identificar as lacunas e ajustes que precisam ser feitos. O segundo, Marco Global da Biodiversidade: Entender e Refletir, elaborado por mim, é um documento no qual as metas são decupadas e problematizadas, convidando a refletir sobre as questões que envolvem sua implementação.
Ademais, a publicação conta com exemplos de políticas para cada uma das metas, suas conexões com povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, além da seção “dançando no fio da faca”, que mostra como o governo brasileiro, ao mesmo tempo que se compromete com metas ambientais, segue incentivando setores da economia cujas as práticas são deletérias para a manutenção da biodiversidade.
A próxima COP, a décima sexta, será realizada em Cali, na Colômbia, entre os dias 21 de outubro e 1º de novembro de 2024. Os países deverão apresentar seus avanços na construção de suas novas estratégias nacionais e decisões importantes sobre o novo programa de trabalho sobre o artigo 8j e outras provisões da CDB relacionadas com povos indígenas e comunidades locais, bem como sobre o mecanismo de repartição de benefícios ligado ao acesso às sequências digitais, serão tomadas. Ainda assim, é difícil crer, pelos resultados apresentados pela CDB até o momento, e pelo andar das negociações nas reuniões preparatórias de seus corpos subsidiários, que haja algum avanço efetivo que contribua ao menos para diminuir marginalmente o ritmo da perda de biodiversidade. Mais que isso, ninguém ousa sequer esperar...