Apesar de múltiplas pressões e ameaças, TIs seguem sendo as maiores barreiras contra o desmatamento, protegendo mais de 100 milhões de hectares
No Cerrado e na Amazônia, as Terras Indígenas seguem sendo as maiores barreiras contra o desmatamento.
Na Amazônia, as Terras Indígenas são responsáveis pela preservação de mais de 97,4 milhões de hectares, ou 137,2 milhões de campos de futebol. Já no Cerrado, as TIs protegem cerca 8,3 milhões de hectares, ou o equivalente a 11,7 milhões de campos de futebol. Juntas, as TIs nos dois biomas – Amazônia e Cerrado – são responsáveis por proteger uma área equivalente a 12,4% do território nacional, maior que a de Mato Grosso, que possui pouco mais de 90 milhões de hectares.
É o que conclui o relatório Desmatamento em Terras Indígenas na Amazônia e Cerrado - Prodes 2024, lançado nesta terça-feira (21/01) pelo Instituto Socioambiental (ISA). A partir dos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) por meio do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), o relatório apresenta uma análise e os principais destaques do desmatamento em Terras Indígenas nos biomas Amazônia e Cerrado no período entre agosto de 2023 a julho de 2024.
O documento destaca o importante papel do processo demarcatório na proteção da sociobiodiversidade. No Cerrado, Terras Indígenas com processo de demarcação não concluído estão entre os territórios mais vulneráveis. À exemplo disso, as duas TIs mais desmatadas – Porquinhos dos Canela-Apãnjekra (MA) e Wedezé (MT) – ainda não possuem seu processo demarcatório concluído e esperam 24 anos para verem a assinatura da portaria homologatória.
Apesar da pressão que o Cerrado tem sofrido, as Terras Indígenas seguem sendo uma importante proteção para o bioma: apenas 5,89% da vegetação original das Terras Indígenas foram desmatadas, ao passo que a área fora de Terras Indígenas perdeu 54,4% de sua vegetação.
“Nós temos observado, para o contexto geral, que o avanço do processo demarcatório é fundamental para promoção da integridade ambiental das Terras Indígenas. Contudo, a delimitação pela Funai e a declaração dos limites pelo Ministro da Justiça, são incapazes por si só de frear a ação de ocupantes ilegais nos territórios, fato que só pode ser controlado com a homologação plena da área pelo Presidente da República”, afirma Tiago Moreira dos Santos, antropólogo do Programa Povos Indígenas no Brasil, do ISA.
Já no bioma Amazônia, a área fora de Terras Indígenas já perdeu mais de 27% da vegetação original, enquanto nas TIs o desmatamento é de apenas 1,74%. Isso significa que na Amazônia, as áreas fora de TIs estão cerca de 16 vezes mais desmatadas que dentro delas.
O relatório evidencia ainda uma redução no desmatamento no bioma Amazônia de 30,6% em relação ao período anterior, de agosto de 2022 a julho de 2023. No Cerrado, a queda foi de 25,7%, o que representou a menor taxa oficial de desmatamento desde 2019. Contudo, no caso das Terras Indígenas, a redução no bioma Amazônia não foi expressiva, enquanto no Cerrado houve um aumento de 34,2% no desmatamento nestes territórios.
No Cerrado, entraves no processo de demarcação aumentam a vulnerabilidade das TIs
No segundo maior bioma do Brasil, o Cerrado, o desmatamento em TIs foi de aproximadamente 10.150 hectares no último período, ou de aproximadamente 14,2 mil campos de futebol.
Dez TIs foram responsáveis por 94% de todo o desmatamento identificado no período, com as duas TIs que figuram no topo da lista sendo responsáveis por mais de 70% do total. Além disso, o relatório destaca que quase 80% de toda a perda de vegetação nativa em TIs no Cerrado se deu em áreas que ainda não tiveram seu processo de demarcação concluído, ressaltando a importância da regularização para a proteção plena desses territórios.
A TI Porquinhos dos Canela-Apanyekrá (MA), que encabeça a lista, foi responsável por 58% do desmatamento total em TIs no Cerrado em 2024. A TI está localizada em uma região conhecida como “Matopiba” e sofre com intenso conflito de disputas fundiárias e avanço da agropecuária. Apesar de ter sido declarada pelo Ministério da Justiça em 2008, seu processo está desde 2014 em um disputa no Supremo Tribunal Federal. Atualmente, segundo aponta o relatório, 80% da área TI é sobreposta a registros de propriedades rurais no Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em 2024, foram quase 6 mil hectares desmatados, ou 8,2 mil campos de futebol, o que representa um aumento de 162% no total de área desmatada em relação a 2023.
A Terra Indígena Wedezé (MT), por sua vez, é território tradicional do povo indígena Xavante. Vítima da política imposta na ditadura de esbulho territorial e transferência forçada para outro território nos anos 1970, o povo autodenominado A’uwe ainda não pôde retornar à sua terra. Atualmente, a TI sofre com a expansão de atividades agropecuárias que causam graves danos ambientais, como a perda de 1,5 mil hectares de vegetação nativa entre agosto de 2023 e julho de 2024, ou mais de 2 mil campos de futebol. Segundo o relatório, o número representa um aumento de 979% em relação ao período anterior e o valor mais alto desde o início da série histórica em 2008.
Outro destaque no relatório, a Terra Indígena Inãwébohona (TO), localizada na Ilha do Bananal, sofreu um desmatamento de quase 500 hectares, ou quase 700 campos de futebol. Além dos desmatamentos, a TI enfrenta incêndios florestais de grandes proporções, com uma área de 141 mil hectares de queimadas, ou quase 200 mil campos de futebol. Na TI, além dos povos Avá-Canoeiro, Iny Karajá e Javaé, existe o registro de um grupo indígena isolado.
Na Amazônia, as TIs tiveram o menor índice de desmatamento desde 2018
No bioma Amazônia, as dez TIs com maior área desmatada em 2024 foram responsáveis por acumular 60% do total desmatado em Terras Indígenas. No total, foram quase 14 mil hectares desmatados em TIs no período.
Apesar do desmatamento analisado estar apenas 4 hectares abaixo do identificado no período anterior – entre agosto de 2022 e julho de 2023 –, esse é o menor índice desde 2018, considerando as 240 TIs cujos dados foram integralmente disponibilizados pelo Inpe.
Ademais, as TIs Sararé (MT) e Alto Rio Guamá (PA), mesmo sem terem sido inteiramente cobertas pelo mapeamento realizado, apresentaram perda de vegetação nativa alta o suficiente para figurarem entre as mais desmatadas do bioma.
Na Sararé, aproximadamente 4% da vegetação original da TI foi perdida apenas em 2024. No total, foram 2,6 mil hectares desmatados. Uma das razões apontadas é o avanço do garimpo ilegal, responsável por quase metade do desflorestamento registrado na TI no período analisado.
Outra TI que figurou entre as dez mais desmatadas, a Cachoeira Seca (PA), teve uma área desmatada de mais de 20 mil hectares apenas entre os anos de 2017 e 2020. Em 2024, esse número chegou a mais de 1,2 mil hectares. O povo Arara que habita a TI foi vítima da política de contato forçado instituída na ditadura militar, da invasão e divisão do seu território pela Rodovia Transamazônica (BR-230).
Segundo a nota técnica Queimadas em Terras Indígenas, do ISA, as rodovias são responsáveis por aumentar a vulnerabilidade de Terras Indígenas, impulsionando invasões, desmatamentos e queimadas. Relembre aqui.
A Terra Indígena Andirá-Marau (PA e AM), por sua vez, apresentou um aumento de 795% no desmatamento em relação ao período anterior – entre agosto de 2022 e julho de 2023, com 1.165,20 hectares devastados.