Mendonça votou a favor, Zanin e Barroso votaram contra. Julgamento retorna em 20 de setembro
O julgamento da tese do “marco temporal” foi retomado no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (29/8). Votaram os ministros André Mendonça (a favor), Cristiano Zanin (contra) e Luís Roberto Barroso (contra).
O Ministro Fachin já havia votado contra o marco temporal e Kassio Nunes a favor. A sessão foi encerrada com placar de 4 a 2 contra a tese. A votação deve continuar no dia 20 de setembro. Ainda faltam votar os ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.
A volta do julgamento aconteceu após André Mendonça ter pedido vistas, ou seja, mais tempo para analisar o processo, em junho deste ano.
O “marco temporal” é uma tese ruralista que busca restringir os direitos dos povos originários. De acordo com ela, só poderiam ser oficialmente reconhecidas as terras por eles ocupadas em 5 de outubro de 1988. Alternativamente, teriam de provar a existência de disputa judicial ou conflito pela área na mesma data, o chamado “renitente esbulho”.
A interpretação legitima violências e expulsões sofridas por essas populações. Também ignora que elas eram tuteladas pelo Estado e não tinham autonomia para acionar a Justiça até a promulgação da Constituição.
Em seu voto, Mendonça se posicionou contra a tese do indigenato, o direito originário dos indígenas sobre suas terras. Na mesma direção, ele se colocou favorável à condicionante de comprovação das expulsões forçadas apenas por conflitos que tenham perdurado até 5 de outubro de 1988 ou por ação judicial que já estivesse proposta nesta data. “Haverá uma grande insegurança jurídica se nós não fizermos as delimitações correspondentes da perspectiva de marco temporal”, afirmou.
Para ele, o marco temporal não causaria novos conflitos entre indígenas e não-indígenas ao estabelecer o dia da promulgação da Constituição Federal como a data limite em que os indígenas estariam em posse de suas terras para garantir o direito à elas.
Cristiano Zanin também votou ontem e foi contra a tese do marco temporal. Para ele, a garantia estabelecida na Constituição Federal, por si, “revela a precedência desse direito sobre qualquer outro”, não necessitando assim de um marco temporal.
Ele acrescentou ainda que a própria Constituição garante o direito ao território tradicionalmente ocupado pelos indígenas, mas que essa ocupação não se dá apenas pela presença física e local desde os tempos remotos, mas também pela utilização em atividades produtivas e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Por outro lado, assim como Alexandre de Moraes, Zanin defendeu a indenização dos ocupantes não-indígenas de “boa-fé”. Para ambos, a indenização deve se referir não apenas às benfeitorias, mas também ao valor da terra nua. Isso se limitaria aos casos em que o próprio Estado foi o responsável pela titulação e venda das Terras Indígenas para particulares. Para Zanin, entretanto, cada caso deve ser avaliado em procedimento administrativo ou judicial próprio e não dentro do processo de demarcação.
O Ministro Barroso também votou e foi contrário à tese do marco temporal. Segundo especialistas que acompanham o caso, a tese do marco temporal deve ser superada pelo Tribunal. A discussão principal, agora, deve girar em torno da possibilidade de pagamento das indenizações da terra nua aos particulares que tenham títulos sobrepostos à Terras Indígenas.
Manifestações pelo Brasil
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) fez um chamado geral para que indígenas de todo o país e aliados se unissem para dizer “não” ao marco temporal. Em Brasília, cerca de 800 indígenas, de 20 povos, de oito estados brasileiros, inclusive uma delegação dos Xokleng (SC), reuniram-se na capital para fazer coro contra a tese ruralista.
Liderança do povo Munduruku, Alessandra Munduruku disse que a data de 5 de outubro de 1988 apaga toda a história anterior dos povos indígenas. “A gente não existe apenas nessa data, a gente existe há milhares de anos. Por que vocês querem destruir a nossa história? Falam ‘Ah, mas os indígenas precisam voltar pra mata’. Mas como? Se a mata está sendo destruída, se a mata está sendo tomada, nossos rios estão sendo secos, estão sendo construídas usinas hidrelétricas. Onde nós vamos viver? Qual terra que eles vão dar? Então repudiamos o marco temporal!”
A proposta do marco temporal inviabiliza demarcações de terras e apaga o processo violento de expulsão pelos quais passaram notadamente antes da edição da Constituição Federal de 1988, quando o país vivia a ditadura civil-militar que durou mais de 20 anos no país.
Para o coordenador executivo da APIB, Dinaman Tuxá, se o STF admitir a teoria do marco temporal, os conflitos socioambientais irão aumentar: “ nós estamos aqui para clamar, para pedir e para reivindicar que se cumpra os direitos constitucionais dos povos indígenas, o direito originário, o direito defendendo a tese do indigenato, porque o direito dos povos indígenas antecedem, inclusive, a formação do estado brasileiro”. Para Tuxá “Nós precisamos garantir a dignidade dos povos indígenas e a nossa dignidade está vinculada à demarcação do nosso território. Estamos aqui todos mobilizados porque entendemos que esse vai ser o julgamento do século para os povos indígenas”, completa.
Movimentação em Boa Vista (RR)
O Conselho Indígena de Roraima (CIR) estima que 6 mil pessoas se juntaram à manifestação nesta quarta-feira (30) na Praça do Centro Cívico de Boa Vista. O local possui uma estátua de garimpeiro bem ao centro e fica rodeado pelos três poderes do estado.
Por volta das 8h, os indígenas iniciaram o ato com uma explicação sobre o Marco Temporal, os seus prejuízos aos povos indígenas do Brasil e como funciona a dinâmica do julgamento no STF.
“Nós indígenas somos contra esta tese porque viola a demarcação dos territórios, apaga toda a história do Brasil. Se aprovada, essa tese vai aumentar uma série de violências que já ocorrem no Brasil”, declarou Junior Nicácio Wapichana, advogado do CIR.
Após as explicações, os Macuxi, Taurepang, Wapichana e Yanomami se reuniram para cantar sobre a resistência indígena com apresentações de danças e exposições de cartazes com posicionamento contrário ao Marco Temporal.