Ministros formam maioria contra a tese ruralista anti-indígena. Discussão sobre indenização por terra de proprietários de “boa-fé” continua na próxima semana
Com o eco da alegria, do grito e do choro emocionados dos mais de 600 indígenas que acompanhavam o julgamento na Praça dos Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou, nesta quinta-feira (21/09), a tese do “marco temporal” da demarcação das Terras Indígenas.
A interpretação ruralista buscava estabelecer a data de 5 de outubro de 1988 como limite para o reconhecimento da ocupação tradicional indígena no país.
"Passa um filme na mente da gente. Quantas lideranças lutaram por isso, né?", afirmou Setembrino Canlem, cacique geral dos Xokleng de Santa Catarina. Uma área Xokleng, a Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, foi alvo da ação julgada agora pelo STF, o Recurso Extraordinário (RE) 1017365. "Os nossos antepassados que lutaram e que hoje não estão mais aqui, então, essa vitória é deles também", comemorou.
Foram nove votos contra o marco temporal: dos ministros Edson Fachin, relator do caso, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Os ministros André Mendonça e Nunes Marques proferiram votos favoráveis.
"A superação do marco temporal pelo STF é uma vitória histórica dos povos indígenas", considera Juliana de Paula Batista, advogada do ISA. "O Supremo Tribunal Federal afirma sua grandeza ao bem tutelar os direitos fundamentais das minorias. A decisão de hoje fortalece a democracia e põe fim a uma das mais sórdidas tentativas de inviabilizar os direitos indígenas desde a redemocratização do país", comenta.
A discussão tramita na Suprema Corte desde 2019, quando foi reconhecida a repercussão geral do caso sobre a interpretação do artigo 231 da Constituição, que prevê os direitos territoriais indígenas.
O tribunal deve discutir, na próxima semana, as teses propostas pelos ministros sobre a ação, que abordam temas como a indenização pela terra nua aos proprietários com terras adquiridas de boa-fé e sobrepostas a territórios indígenas e também a proposição do ministro Dias Toffoli, que poderá determinar ao Congresso o prazo de 12 meses para legislar sobre a regulamentação do parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição, que prevê a possibilidade de mineração e construção de usinas hidrelétricas nas Terras Indígenas, o que hoje é proibido.
"Não é o momento de se decidir [sobre esse assunto] no âmbito do recurso extraordinário", avaliou Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib. "Além disso, muito nos preocupa a atual configuração do Congresso, que não é favorável a nós, povos indígenas. A gente espera que essa tese não esteja dentro do acórdão e que de fato os ministros fiquem adstritos à legalidade e ao voto do ministro Fachin, ao objeto da ação", concluiu.
Para Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a derrubada do “marco temporal” é fundamental para dar continuidade aos procedimentos demarcatórios. "Sabemos que tem outros desafios a serem superados, dependendo das teses que serão votadas. Há a preocupação sobre a questão da indenização prévia e temas que extrapolam o objetivo do caso de repercussão, como a mineração. Então, uma luta por dia, uma luta por vez. Hoje é o dia de comemorar o ponto final no marco temporal", destacou, após o final da sessão do STF.