Oposição rejeitou a proposta em comissão, mas acabou aceitando a aprovação simbólica no plenário. Só Flávio Bolsonaro foi contra na votação final
O plenário do Senado aprovou, no início da noite desta quarta (15), o projeto de lei (PL) que estabelece normas nacionais para a formulação e implementação dos planos federal, estaduais e municipais de adaptação climática. O PL 4.129/2021 segue agora para a Câmara e, se for aprovado, vai à sanção presidencial.
Trata-se de uma das respostas do Congresso à tragédia no Rio Grande do Sul. Até às 18h, segundo a Defesa Civil do estado, eram 149 mortos, 806 feridos, 108 desaparecidos, cerca de 76 mil desabrigados e 538,1 mil desalojados. No total, 2,1 milhões de pessoas e 452 municípios afetados de alguma forma.
No esforço de desgastar o governo e dificultar a votação de medidas contra a crise climática, a oposição conseguiu adiar a análise do PL de ontem para hoje, sob a justificativa de que ele precisaria ser mais discutido. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), acabou cedendo à pressão para que o texto retornasse à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), desde que fosse apreciado pelo plenário hoje.
Depois de se posicionar contra o projeto no colegiado pela manhã, os oposicionistas acabaram aceitando que o projeto fosse aprovado simbolicamente no plenário, com um único voto contrário de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), logo após os senadores chancelarem a suspensão por três anos das dívidas do governo gaúcho com a União, também com resistências da extrema direita.
Na CCJ, como relator, Wagner acatou parcialmente uma emenda de Flávio, que explicitou a participação do setor privado na formulação e implementação do plano nacional de adaptação e a necessidade dele conciliar a "proteção do meio ambiente com o desenvolvimento econômico”. A alteração não foi considerada ruim por ambientalistas.
O PL 4.129/2021 foi aprovado inicialmente na Câmara, em 2022, e pela Comissão de Meio Ambiente do Senado no final de fevereiro, onde o relator foi Alessandro Vieira (MDB-SE).
Palanque
A sessão na CCJ acabou se tornando um palanque da extrema direita para atacar a política e os órgãos ambientais. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi um dos alvos. O presidente do colegiado, Davi Alcolumbre (União-AP), informou que vai apresentar um requerimento para que a ministra vá à comissão.
Alguns senadores alegaram que o PL 4.129 não traz medidas concretas e imediatas, mas não apresentaram nenhuma alternativa. O líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN), chegou a justificar que ele traria mais problemas que soluções ao atribuir funções a órgãos e técnicos ambientais e prever a participação da sociedade civil na formulação e gestão dos processos de adaptação.
“O projeto não traz efeito prático nenhum. É uma elaboração de diretrizes, é uma preocupação de fortalecer ainda mais os órgãos ambientais”, disse Flávio Bolsonaro no plenário.
De fato, a redação trata de diretrizes e critérios gerais, mas foi incluída na pauta prioritária da Câmara e do Senado por ter sido considerada a mais completa sobre o assunto em tramitação e adequada para iniciar a preparação à ameaça climática.
O assessor do ISA Ciro Brito explica que o texto aprovado respeita as peculiaridades de cada estado e município. “A aprovação do PL de Adaptação na CCJ é adequada, especialmente neste momento em que a sociedade está entendendo e fazendo juízos sobre as catástrofes climáticas e sendo instada a refletir sobre o que fazer. Mas vimos que o debate não está alinhado e que as causas e soluções apresentadas são bem diferentes”, comenta.
Pacote de projetos positivos
De autoria da deputada Tábata Amaral (PSB-SP), o PL 4.129 foi indicado como prioritário pelo Observatório do Clima (OC) e a Frente Parlamentar Ambientalista no pacote de projetos positivos que o Congresso deveria aprovar em função da catástrofe no Rio Grande do Sul. As duas entidades também encaminharam uma lista de propostas em tramitação que deveriam ser rejeitadas, o chamado “Pacote da Destruição”.
O PL 4.129 prevê que os planos de adaptação sejam integrados aos planos de ação climática, conforme a Política Nacional sobre a Mudança do Clima (PNMC). Além disso, municípios, estados e União também devem alinhar estratégias de mitigação e adaptação aos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, o tratado internacional sobre a emergência climática.
O PL prevê ainda que os planos de adaptação municipais e estaduais priorizem áreas, setores e populações mais vulneráveis, conforme critérios de “etnia, raça, gênero e condição de deficiência”. As ações deverão ser monitoradas e avaliadas, e revistas a cada quatro anos. Além disso, o PL estabelece mecanismos de monitoramento da agenda de adaptação nos três níveis federativos.
"A aprovação do PL 4129/21 representa mais um passo para que o plano de adaptação, a nível federal, se traduza em políticas públicas estaduais e municipais”, disse Sarah Darcie, coordenadora de advocacy do Instituto Clima de Eleição e secretária executiva do Grupo de Trabalho de Clima da Frente Parlamentar Ambientalista. “Em um ano de eleições municipais e diante dos eventos climáticos extremos recentes, é mais do que urgente que o debate sobre adaptação seja pautado pelas novas lideranças políticas”, ressaltou.
“O Estado precisa parar de fazer gestão de desastre e se dedicar com responsabilidade em adaptar as cidades”, afirmou Mariana Belmont, assessora de Clima e Racismo Ambiental do Geledés - Instituto da Mulher Negra. “É fundamental produzir políticas públicas eficientes e focadas no curto e médio prazos. A adaptação às mudanças climáticas precisa questionar que tipo de sociedade que teremos no futuro”, completou.
Quais os principais pontos do PL 4.129?
Áreas e populações prioritárias. Os planos de adaptação nacional, municipais e estaduais deverão priorizar áreas e populações mais vulneráveis, conforme critérios de "etnia, raça, gênero e condição de deficiência”. Esses critérios deverão levar em conta a “identificação, quantificação e reporte contínuo das vulnerabilidades e ameaças climáticas”.
Apoio aos municípios. Priorização dos municípios mais vulneráveis e a possibilidade de criação de “consórcios intermunicipais”.
Participação social. Garantia de participação social na coordenação e gestão dos planos nas várias esferas de governo.
Financiamento. Possibilidade de acesso ao Fundo Nacional de Mudança Climática (FNMC) e à cooperação internacional para o financiamento da elaboração e das ações dos planos.
“Soluções baseadas na natureza”. Adoção de medidas como a restauração florestal e a criação de áreas protegidas urbanas, como parte das estratégias de adaptação, considerando os benefícios adicionais e sinergias com as ações de mitigação.