Pescadores protestam contra proposta da Norte Energia, que opera há um ano com sua licença vencida; ao Ibama, também apresentaram proposta que garante mais água para região
Indígenas, ribeirinhos e pescadores da Volta Grande do Xingu (PA) manifestaram insatisfação com a proposta de reparação da Norte Energia, empresa responsável pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte. A empresa sugeriu pagar R$20 mil a famílias que, desde a construção da usina, viram os peixes, base de sua subsistência, sumirem do rio Xingu.
Os pescadores e comunidades locais discordam das condições levantadas pela Norte Energia para determinar a reparação, entre elas, o universo de pessoas que receberiam o dinheiro, de 1.976. A quantidade é insuficiente para atender todos os atingidos e desconsidera que a pesca é uma atividade tradicional de indígenas e ribeirinhos da região.
Também são contrários à forma como a empresa toma suas decisões, sem diálogo amplo com os representantes dos pescadores e comunidades indígenas e ribeirinhas. “Estamos aqui de pé para que nossas vozes sejam ouvidas. Não vamos aceitar reuniões de portas fechadas em comitês que não nos representam”, afirmam em carta do Conselho Deliberativo de Povos Tradicionais do Baixo e Médio Xingu.
No início da semana, pescadores reunidos em Altamira (PA) protestam contra a forma como a Norte Energia escolheu apresentar a proposta de reparação, em um espaço restrito para a participação de todos os interessados e diante de um Comitê de Pesca que não representa as famílias atingidas.
“Esse tipo de reparação tem que ser para todos nós que somos pescadores. Desde quando a NE [Norte Energia] chegou, ela barrou e destruiu nosso Xingu. Muita gente não tem o que comer”, afirma Raimundo Juruna, em uma segunda carta do Conselho de Povos Tradicionais.
Em manifestação encaminhada à Fundação Nacional do Índio (Funai) na terça-feira (22), o povo Juruna pediu para ser incluído na proposta de reparação, salientando que as famílias indígenas “perderam sua dignidade, sua fonte de alimentação e sua fonte de renda” desde que o empreendimento se instalou no rio Xingu.
A reparação é a condição imposta pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a renovação da Licença de Operação da UHE Belo Monte, que completa um ano vencida nesta sexta-feira (25). O pagamento é referente a um período de dois anos e dois meses em que a Norte Energia falhou em cumprir com as medidas de mitigação dos danos de implantação da usina, e não contempla todo o sofrimento causado às famílias da Volta Grande do Xingu.
A proposta da Norte Energia sugere o pagamento da verba de reparação em duas parcelas, a primeira mediante assinatura de um termo de quitação e a segunda em 30 dias. Inclui ainda uma verba de R$10 mil para o desenvolvimento de projetos de geração de renda, também em duas parcelas anuais e com prestação de assistência técnica por três anos.
Em reunião, indígenas, ribeirinhos e pescadores determinaram critérios mínimos para aceitar a proposta da Norte Energia. Eles e elas indicam que não irão assinar documentos de quitação dos impactos de Belo Monte nem aceitar a divisão em duas parcelas e pedem que o universo de pessoas a receberem o dinheiro não seja condicionado a um cadastro junto à Norte Energia, mas a bancos de dados que incluam de maneira mais ampla os pescadores e povos tradicionais da Volta Grande do Xingu.
Afirmam ainda que sua única entidade representativa é o Conselho Deliberativo de Povos Tradicionais e dizem que antes de aceitar a proposta, precisam refletir sobre seus projetos produtivos, de modo que faça sentido para as famílias pescadoras e para a recuperação do rio.
“A Norte Energia, desde que apareceu, fez nossas vidas se tornarem dor, sofrimento e conflito. Estamos numa guerra por água, defendendo nossos direitos, as nossas vidas e os direitos e as vidas dos peixes, as piracemas”, afirma o Conselho de Povos Tradicionais.
Para gerar energia, Belo Monte desvia parte da água do Xingu para suas turbinas, barrando o rio. Desde que começou a funcionar, em 2016, essa redução da vazão tem tido efeitos catastróficos no meio ambiente aquático da Volta Grande porque impede o alagamento das piracemas, regiões de reprodução dos peixes e tracajás. Várias espécies estão desaparecendo, com impacto desastroso para os ribeirinhos e os povos indígenas Arara e Juruna que vivem na Volta Grande e que dependem da pesca para alimentação e geração de renda.
Indígenas e ribeirinhos também lutam na Justiça por mais água. No dia 10/11, eles protocolaram um parecer com uma proposta de vazão de água que garante a manutenção da vida na região. Entenda aqui.