Boletim de áudio também aborda debates do Aquilombar, maior evento do movimento quilombola brasileiro, realizado em maio, em Brasília
O Instituto Socioambiental (ISA) divulgou nesta semana o segundo episódio do “Vozes do Clima”, boletim de áudio lançado no último dia 6 de junho com o objetivo de levar informações a povos indígenas e quilombolas e comunidades tradicionais sobre os temas relacionados à pauta climática. Nesta segunda edição, apresentada por Alex Hadda, da comunidade quilombola Kalunga, de Goiás, lideranças quilombolas abordam os impactos da emergência climática em seus territórios e sugerem ações para enfrentar o problema.
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A cobertura foi realizada durante o 2º Aquilombar, maior evento do movimento quilombola brasileiro, realizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) no dia 16 de maio, com o tema “Ancestralizando o futuro”. Durante o encontro, que culminou numa grande marcha com mais de 3 mil pessoas, o ISA ouviu lideranças de várias regiões do país que demonstraram preocupação com o futuro das comunidades tradicionais frente às recorrentes catástrofes ambientais, como a mais recente ocorrida no Rio Grande do Sul, que deixou 136 comunidades quilombolas em estado de calamidade ou em situação de emergência, segundo dados do Ministério da Igualdade Racial.
Escute todos os episódios:
ISA lança “Vozes do Clima”, boletim de áudio com informações sobre a pauta climática para povos e comunidades tradicionais
Terceiro episódio do "Vozes do Clima" aborda debate sobre mudanças climáticas e mercado de carbono durante assembleia da Rede Xingu+
Quarto episódio do “Vozes do Clima” ouve lideranças sobre programas jurisdicionais de REDD+
Quinto episódio do “Vozes do Clima” discute salvaguardas para garantir direitos em projetos de crédito de carbono
“A gente lamenta muito a situação que o Rio Grande do Sul vem passando. Comunidades (quilombolas) estão sendo assoladas por essa catástrofe climática. A gente tinha uma delegação do Rio Grande do Sul ampla para estar aqui, mas não conseguiu chegar devido essa situação”, lamentou Biko Rodrigues, coordenador-executivo da Conaq.
Kátia Penha, integrante do quilombo Divino Espírito Santo, do norte do Espírito Santo, e coordenadora nacional da Conaq, disse ao ISA como as mudanças climáticas interferem no cultivo e na produção de alimentos, principal fonte de renda de muitas comunidades. “A gente investe, vai lá, planta o feijão. Aí vem uma seca danada e o agricultor perde totalmente o feijão, porque não choveu”. Isso é mudança climática”, ressaltou.
Políticas de adaptação climática
Uma das alternativas apresentadas no segundo episódio do “Vozes do Clima” para enfrentar as consequências da emergência climática é a implementação de políticas de adaptação. No início de junho, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que estabelece regras gerais para a elaboração e implantação dos planos nacional, estaduais e municipais sobre o tema. Com isso, o Congresso Nacional deu uma resposta à catástrofe enfrentada pelos gaúchos e a tantas outras que já ocorreram no país.
“O projeto aprovado definiu que deve haver participação da sociedade civil nas várias etapas desses planos, ou seja, elaboração, implementação e revisão. Que essas revisões devem acontecer de quatro em quatro anos devido ao avançar da emergência climática”, explicou Ciro Brito, analista de políticas climáticas do ISA.
Segundo ele, das 26 capitais brasileiras, somente 11 têm plano de adaptação climática e diversos motivos são apresentados como desafios para que sejam ampliados, como a falta de recursos e de diretrizes de como incluir a sociedade civil nessa discussão. “Com essa possível lei, essas diretrizes vão ser esclarecidas e os mecanismos de financiamento também passam a existir”, ressaltou.
Titulação para conter ameaças
A morosidade dos processos de reconhecimento e de titulação dos territórios quilombolas também é uma preocupação dos entrevistados no episódio. Pouco antes de acontecer o Aquilombar, o governo federal havia informado a lideranças do movimento que entregaria a documentação da titulação definitiva de seus territórios durante o evento, o que acabou não se confirmando.
Essa demora se reflete, também, nas diversas ameaças sofridas pelas comunidades. Mesmo estando entre as áreas mais conservadas do Brasil, 98,2% dos territórios quilombolas estão ameaçados por obras de infraestrutura, requerimentos minerários e por sobreposições de imóveis particulares, segundo aponta estudo do ISA em parceria com a Conaq.
Chagas de Souza, assessor da Conaq, comentou o problema. “A pesquisa do ISA com a Conaq traz que os territórios titulados são os que mais preservaram. Porque esses territórios estão mais amparados e o grileiro ou o processo de desmatamento, de invasão do território, ficam mais contidos porque aquele território é titulado”, argumentou.
Antonio Oviedo, analista do ISA e responsável pelo estudo, explicou que muitos territórios quilombolas são pressionados por esses três vetores. “Você observa: requerimentos minerários, muitos cadastros ambientais rurais e áreas de influência de obras de infraestrutura dentro do mesmo território, ampliando o grau de vulnerabilidade desses territórios”.
Mesmo o Brasil sendo signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina a necessidade de consulta prévia, livre e informada, muitos empreendimentos são realizados sem que esse direito seja garantido aos povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais, conforme destacou Oviedo.
“O Brasil se compromete a fazer a consulta livre, prévia e informada de populações tradicionais, populações mais vulneráveis, no caso da implementação de qualquer política pública, ou obra de infraestrutura, ou contrato, ou projeto que afete a vida dessas pessoas. E o que a gente percebe é que as obras de infraestrutura no Brasil não fazem essa consulta adequada aos moradores. E no final o que acontece? A degradação ambiental fica no local, e as riquezas vão embora”.
O boletim de áudio “Vozes do Clima” é uma realização do ISA, com produção da produtora de podcasts Bamm Mídia e apoio da Environmental Defense Fund (EDF). A identidade visual foi concebida pelas designers e ilustradoras indígenas Kath Matos e Wanessa Ribeiro. Além de ser distribuído via Whatsapp e Telegram, o programa também poderá ser ouvido nas plataformas de áudio Spotify, iHeartRadio, Amazon Music, Podcast Addict, Castbox e Deezer.