As novas portarias declaratórias foram publicadas em edição extra do Diário Oficial na noite de quarta-feira (23/10)
Na quarta-feira (23/10), o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski assinou a portaria declaratória de sete Terras Indígenas em São Paulo. São elas: Jaraguá, Pindoty/Araça-Mirim, Guaviraty, Tapy’i/Rio Branquinho, Amba Porã, Djaiko-aty e Peguaoty. As Terras Indígenas, todas do povo Guarani, agora seguem para a etapa final do processo demarcatório: a homologação pelo presidente da República.
As sete terras somam, juntas, mais de 18 mil hectares de extensão e esperaram, em média, 14 anos pela declaração do Ministério da Justiça. A cerimônia aconteceu em Brasília (DF) e reuniu lideranças, representantes e autoridades como Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; Sheila de Carvalho, secretária de Acesso à Justiça; Manoel Carlos, secretário-executivo da Justiça; e Paulo Ronaldo Ceo de Carvalho, adjunto ao Advogado-Geral da União.
“A gente não está aqui fazendo uma luta por um direito a mais, a gente está buscando o cumprimento de um direito já adquirido, de um direito constitucional” declarou Sonia Guajajara.
Veja a localização das sete Terras Indígenas:
O Vale do Ribeira e o Jaraguá são Guarani
Seis das sete terras declaradas estão situadas na região do Vale do Ribeira, no sudoeste do estado de São Paulo, e, além de fazerem parte do amplo território ocupado pelo povo Guarani no Brasil e na América Latina, ajudam a preservar a maior área contínua de Mata Atlântica no país.
Com taxas de desmatamento inferiores a 3%, as seis terras localizadas no Vale do Ribeira dão uma contribuição socioambiental decisiva para a conservação desta que é uma das florestas tropicais mais ameaçadas no mundo. Segundo o antropólogo Tiago Moreira, do ISA, "as Terras Indígenas estão entre os territórios mais protegidos do Brasil, colaborando com a manutenção da biodiversidade e com a mitigação climática".
Na região noroeste do município de São Paulo (SP), a Terra Indígena Jaraguá também está entre as declaradas por Lewandowski, mas seu caso é diferente dos demais. Após intensa mobilização guarani, a terra havia sido declarada em 2015, mas em 2018 o então ministro da Justiça de Michel Temer, Torquato Jardim, anulou a declaração.
Relembre: Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo (SP), é declarada pelo Ministério da Justiça
Agora, Lewandowski assinou uma portaria repristinatória, que restaurou a vigência da declaração de posse ao povo Guarani.
Segundo o antropólogo Daniel Pierri, assessor da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), esse foi o único caso em todo o país de uma “portaria de des-demarcação”, como chamou. “O então ministro da Justiça simplesmente anulou o procedimento administrativo sem nenhuma motivação, sem nenhum processo administrativo próprio que fundamentasse esse ato. Então foi uma portaria arbitrária e política que anulou a portaria declaratória de 2015”, explicou.
A assinatura que devolveu o Jaraguá ao povo Guarani é fruto de um acordo celebrado no último mês, que reconheceu a ilegalidade da portaria emitida pelo Governo Temer e estabeleceu um prazo de 30 dias para a nova assinatura firmando a decisão. O acordo também prevê a elaboração de um plano de gestão conjunta da área de sobreposição com o Parque Estadual do Jaraguá e a melhoria das habitações em todas as aldeias e a remoção de invasores e ocupantes ilegais.
“Estou levando essa portaria assinada para o meu território muito feliz e com o coração mais tranquilo porque a gente vai ter um pouco de paz”, afirmou, aliviada, Jandira Pará Mirim, liderança na Terra Indígena Jaraguá.
Segundo os dados monitorados pelo ISA, existem atualmente 36 TIs já identificadas pela Funai aguardando a declaração, além de 71 terras à espera da homologação pela presidência da República. No total, são 258 TIs com processo de demarcação em andamento, além de 6 áreas com portaria de restrição de uso.
Em setembro, o Ministério da Justiça havia saído de um período de seis anos sem assinaturas de portarias de declaração, quando Lewandowski assinou a portaria de três Terras Indígenas: Apiaká do Pontal e Isolados (MT), dos povos Apiaká, Isolados do Pontal e Munduruku; Maró (PA), dos povos Arapium e Borari; e Cobra Grande (PA), dos povos Arapium, Jaraqui e Tapajó
Saulo Guarani, liderança da TI Amba Porã destacou, durante a cerimônia, a importância dessas áreas para a preservação da Mata Atlântica, onde as sete áreas estão inseridas. “A falta de demarcação só gera violência para nossas comunidades e a destruição da biodiversidade nos territórios que cuidamos”.
#DemarcaYvyrupa
As sete Terras Indígenas declaradas faziam parte das reivindicações da campanha #DemarcaYvyrupa, capitaneada pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), em busca do compromisso do governo federal com o andamento de 14 processos de demarcação de Terras Indígenas do povo Guarani sem quaisquer pendências. Das dez terras à espera da assinatura da declaração pelo ministro da Justiça, apenas a TI Sambaqui, nos municípios de Paranaguá e Pontal do Paraná (PR); a TI Boa Vista do Sertão do Promirim, em Ubatuba (SP); e a TI Ka’aguy Mirim, em Miracatu e Pedro de Toledo (SP), não foram contempladas.
“O quanto é importante que saiam essas terras para que os meus parentes também parem de sofrer”, defendeu Jandira Para Mirim durante a cerimônia, em referência às três terras que ficaram de fora da decisão.
A campanha, lançada inicialmente em 2023, foi relançada em abril deste ano para pleitear mais uma vez o seguimento nos processos de declaração e homologação de terras guarani sem pendências. Os Guarani entregaram canetas ao presidente Lula, na expectativa de que assinadas também as homologações das TIs Morro dos Cavalos, em Palhoça (SC); Pindoty e Tarumã, nos municípios de Araquari (SC) e Balneário Barra do Sul (SC); e Piraí, nos municípios Araquari e Joinville (SC).
#CinturãoVerdeGuarani: Terras Indígenas protegem Mata Atlântica na capital paulista
Anúncio das portarias declaratórias acontece na mesma semana em que o povo Guarani lançou uma nova campanha pela sanção do Projeto de Lei do Cinturão Verde Guarani (PL 436/2021) – que cria uma política municipal para as Terras Indígenas Jaraguá e Tenondé Porã, localizadas na capital paulista.
Em vídeo divulgado na última segunda-feira (21/10), os indígenas cobram o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), pelo envio imediato do projeto para o Legislativo, onde o texto poderia ser aprovado ainda este ano – garantindo apoio efetivo para as contribuições e serviços socioambientais já realizados pelos Guarani.
Atualmente, o Cinturão Verde Guarani protege mais de 16 mil hectares de Mata Atlântica e mananciais em São Paulo, por meio de ações fortalecimento cultural; gestão ambiental e territorial; promoção da biodiversidade; recuperação de nascentes e áreas degradadas; além de reflorestamento e monitoramento da fauna nativa.
Elaborado em 2016, o PL vem sendo discutido desde então e, em 2024, chegou finalmente a uma versão de consenso – que, segundo a CGY, estaria pronta para ser encaminhada à votação na Câmara.
Conheça as sete Terras Indígenas declaradas:
Terra Indígena Jaraguá
A Terra Indígena Jaraguá, do povo Guarani Mbya, teve sua primeira homologação em 1987 com apenas 1,7 hectare, figurando como a menor TI do Brasil. Contudo, sem um estudo antropológico que garantisse aos Guarani o direito ao território que tradicionalmente habitavam, um novo estudo foi iniciado em 2001. Resultado de uma luta dos indígenas do território, a abertura de um novo processo demarcatório visa a retificação dos limites que foram deixados de fora do primeiro em razão do crescimento da cidade e da construção de empreendimentos como a rodovia Bandeirantes e o Rodoanel. Em 2015, a nova área delimitada foi de 532 hectares.
Terra Indígena Pindoty/Araça-Mirim
Localizada entre os municípios de Pariquera-Açu (SP), Cananéia (SP) e Iguape (SP), a Terra Indígena Pindoty/Araça-Mirim é habitada pelo povo Guarani Mbya. O primeiro Grupo Técnico para identificar e definir os limites da área foi criado em 2010. Sete anos mais tarde, em 2017, seus estudos foram concluídos e a TI foi delimitada pela Funai com 1.030 hectares. Segundo o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), os Guarani da TI Pindoty/Araça-Mirim sofreram com a expulsão de seu território, de onde foram levados à força para a Reserva do Bananal, em Peruíbe, pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Ainda segundo o relatório, a reocupação do território se dá como um retorno ao lugar dos antepassados, conforme fora revelado em sonhos aos pajés.
Terra Indígena Guaviraty
Habitada pelos Guarani Mbya, a Terra Indígena Guaviraty foi delimitada pela Funai em 2017 com 1.248 hectares. Segundo o RCID, a TI Guaviraty é composta pela aldeia Tekoa Guaviraty, estabelecida em 1999, próxima à que liga o município de Iguape a Pariquera-Açu. Assim como outras TIs no Vale do Ribeira, os indígenas da área resistiram aos processos de colonização e deslocamento forçado, continuando a desenvolver práticas como o cultivo do "milho verdadeiro" (avaxieteí), elemento fundamental para rituais como o Nheemongarai. “Este é o ritual de atribuição dos nomes na língua guarani às crianças da aldeia, ou seja, é a revelação de parte da constituição da pessoa guarani”, afirma o relatório.
Terra Indígena Tapy’i/Rio Branquinho
A Terra Indígena Tapy’i/Rio Branquinho, localizada em Cananéia (SP), foi delimitada em 2017 com 1.154 hectares. Habitada pelos Guarani Mbya, o RCID da TI Tapy'i conta que ela foi estabelecida em 1994 e habitada por diversas famílias guarani ao longo das décadas, enfrentando desafios territoriais impostos pela colonização e pela presença de propriedades não indígenas. Entre suas atividades o RCID também destaca a agricultura itinerante, realizada por meio da técnica de coivara, onde alterna-se o uso das áreas para plantio de cultivos como milho, mandioca, batata-doce e feijão, adequando-se às características das terras ocupadas. O calendário guarani, dividido entre o tempo velho (ara yma) e o tempo novo (ara pyau), regula as atividades produtivas, complementado pelas fases da lua, explica o Relatório.
Terra Indígena Amba Porã
A Terra Indígena Amba Porã foi delimitada em 2016 com 7.204 hectares. Habitação tradicional do povo Guarani Mbya, a TI está localizada no município de Miracatu (SP). A região em que está inserida destaca-se por sua grande biodiversidade, essenciais para o sustento e a continuidade do modo de vida guarani. Segundo o RCID, a população na TI Amba Porã se organiza em áreas designadas para plantios rotativos e moradias. “Amba Porã, cujo significado semântico é "bela, perfeita morada das divindades", é o reflexo do desejo de viver bem, conduzindo seu grupo familiar de acordo com os princípios do sistema guarani (teko), e a possibilidade de plantar e reproduzir as sementes tradicionais em suas diversas variedades, entre as quais avaxi etei (milho "verdadeiro") e manduvi (amendoim)”, explica o RCID.
Terra Indígena Djaiko-Aty
A Terra Indígena Djaiko-Aty, com 1.216 hectares pertence ao povo Guarani e Guarani Mbya. Localizada em Miracatu, a área foi palco de intensos conflitos no século XIX entre os Tupi e Guarani e os colonizadores, culminando no esbulho forçado dos indígenas e na criação de aldeamentos fundados pelo governo para levar os indígenas que se encontravam naquele momento pelo Vale do Ribeira. A volta ao território tradicional se deu, segundo o RCID, a partir de revelações espirituais junto a aspectos ecológicos. Na região foram encontradas plantas que são cultivadas pelos Guarani como o kapi'i'a (lágrima de nossa Senhora), o urucum, a gabiroba, o cará espinho, entre outras.
Terra Indígena Peguaoty
Habitada pelo povo Guarani Mbya, a Terra Indígena Peguaoty, está situada no município de Sete Barras (SP) e possui 6.230 hectares. Segundo o RCID aprovado em 2016, o território ocupado está profundamente conectado à cosmologia e às tradições Guarani, reveladas por meio das histórias orais e genealogias da comunidade, que remontam a 1987. Das atividades produtivas na TI, o RCID destaca a combinação de práticas tradicionais de plantio, manejo, caça e pesca, ligadas tanto à subsistência quanto aos rituais espirituais, com o milho sendo o principal cultivo, por seu grande significado.