Enquanto a alíquota do imposto do açaí pode aumentar pelo menos três vezes com a nova regulamentação, agrotóxicos terão isenção de 60%, aponta nota técnica do ÓSocioBio
A Reforma Tributária em tramitação no Senado (PLP 68/2024) pode representar um retrocesso para a sociobioeconomia e a preservação ambiental, além de não estar alinhada com as políticas públicas nacionais e os tratados internacionais para combater as mudanças climáticas. Essas são algumas das conclusões de nota técnica elaborada pelo Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
O documento, que conta com o apoio de 50 organizações, destaca que itens da sociobiodiversidade produzidos por povos indígenas, quilombolas, extrativistas e agricultores familiares podem ficar com alíquota cheia - até agora de 27,97%.
Hoje, por exemplo, os principais Estados produtores de açaí têm alíquotas que variam de 3,65% a 9,25%. Com a nova regra da Reforma Tributária, as alíquotas podem passar para até 27,97%, ou seja, pelo menos o triplo! Em alguns casos específicos, levando em conta todos os produtos da sociobiodiversidade, esse aumento pode ser de até 7 vezes.
A concessão de benefícios fiscais a produtos como açaí, castanha-do-Brasil, macaúba e pequi teria um impacto fiscal mínimo de apenas 0,046% sobre a arrecadação nacional, o que representaria apenas R$ 622 milhões, considerando o arrecadado no ano de 2023.
Esse valor simbólico contrasta com os benefícios fiscais concedidos a setores poluentes, como o agronegócio, que passa a receber isenção de até 60% sobre o uso de agrotóxicos, comprometendo a saúde pública e a sustentabilidade ambiental.
Além disso, a carne terá subsídio de 100%, passando a fazer parte da cesta básica, o que irá gerar, segundo cálculos do Ministério da Fazenda, acréscimos de 0,56% ao valor total da alíquota padrão, o que corresponderia em 2023 a perdas na arrecadação de R$7,6 bilhões, beneficiando o setor que responde por 57% das emissões de gases de efeito estufa no país.
Entre as sugestões para corrigir as lacunas identificadas destaca-se a inclusão dos produtos da sociobiodiversidade na cesta básica, com isenção fiscal, o que ajudaria a garantir o acesso à alimentação saudável, além de promover a segurança alimentar.
A nota também propõe a inclusão no grupo de produtores rurais - de forma explícita - os povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e outras comunidades tradicionais que desempenham papel crucial na preservação ambiental. Dessa forma, esses povos podem ter também acesso a benefícios fiscais concedidos aos produtores rurais.
“Estamos sugerindo que povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e comunidades tradicionais sejam incluídos de maneira explícita na reforma tributária, dando a eles os benefícios garantidos aos produtores rurais. São justamente esses povos que têm práticas agrícolas e modos de vida conectados ao meio ambiente, promovendo biodiversidade e protegendo culturas. Essa também é uma forma de reconhecer a diversidade alimentar e produtiva do Brasil”, explica o economista do ISA João Luís Abreu.
Secretária-executiva do ÓSocioBio, Laura Souza, destaca a importância da mobilização para uma tributação justa. "Com a participação de 42 organizações do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), redes parceiras e empresas, a mobilização pela reforma tributária destaca a importância de uma tributação justa para cooperativas e associações da sociobioeconomia, reforçando seu impacto em diversos setores e no interesse coletivo", declara.
A nota técnica aponta que a sociobioeconomia, que envolve a produção de alimentos da biodiversidade e o extrativismo sustentável, é um setor estratégico para toda a economia nacional.
Além de gerar R$17,4 bilhões por ano e gerar mais de 525 mil postos de trabalho, esse setor protege 60 milhões de hectares de floresta. O levantamento desses indicadores econômico-financeiros, socioculturais e ambientais das principais cadeias de valor da sociobioeconomia foi feito considerando 18 produtos extrativistas vegetais atualmente contemplados pela Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPMBio). Foram utilizados dados sistematizados pelo IBGE sobre a Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS, 2023) e dados compilados pelas organizações que fazem parte do ÓSocioBio.
As cadeias de valor da sociobioeconomia concentram-se em territórios de Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais e Agroextrativistas - que ajudam a proteger uma área equivalente a 25% do território nacional, o que representa 30% das florestas de pé no país e contempla metade da Amazônia brasileira.
São imprescindíveis para o equilíbrio climático e econômico nacional ao proverem parte substancial de serviços ecossistêmicos como regulação de chuva e temperatura, água, fertilidade do solo, polinização, controle de praga, formação de solo, armazenamento de carbono e proteção contra erosão e enchentes.
Essa preservação ambiental é essencial também para outros setores da economia nacional, como a agropecuária. O desequilíbrio climático gerou prejuízos de R$5,8 bilhões na produção de soja e milho entre 2006 e 2019, com perdas anuais médias de R$ 412 milhões, provocados majoritariamente pelos efeitos sistêmicos do desmatamento na Amazônia, como apontam os dados da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Mobilização
A partir de 3 de dezembro, será lançada a campanha "Sociobioeconomia na Reforma Tributária" nas redes sociais do ÓSocioBio e das organizações que compõem o Observatório. A iniciativa busca informar e mobilizar sobre a importância de um imposto justo para os produtos da sociobiodiversidade, promovendo justiça tributária e valorização das economias sustentáveis.
Propostas de Adequação ao PLP 68/2024
A nota técnica sugere, entre outras medidas, as seguinte adequações no PLP 68/2024:
1 - Garantir que povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares (PIQCTAF) tenham o mesmo tratamento tributário dos demais produtores rurais beneficiados.
2 - Garantir que produtos e serviços com origem nos territórios de extrativistas, de pescadores artesanais, de povos indígenas, de quilombolas e de comunidades tradicionais tenham o mesmo benefícios dos demais produtores rurais beneficiados.
3 - Incluir produtos já utilizados como base da alimentação cotidiana em diferentes regiões do país e que compõem cadeias de valor da sociobioeconomia na cesta básica nacional ou na lista de alimentos que têm 100% de isenção, permitindo alíquota zero sobre sua comercialização e consumo.
4 - Simplificar o processo de adesão a isenções e benefícios fiscais para pequenos produtores e cooperativas e associações de sementes nativas, da agricultura familiar e produtos da sociobiodiversidade.