Decisão veio após ausência da presidência da autarquia em reunião. Segundo quilombolas, não há compromisso e encaminhamentos das pautas apresentadas pelo movimento
Texto atualizado em 25/4/2025 às 20:47.
A Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) anunciou, nesta quinta-feira (24), sua saída da Mesa Quilombola do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em vídeo divulgado no Instagram, a coordenadora executiva da Conaq Maria Rosalina informou a decisão acompanhada de um grupo de lideranças quilombolas e disse que “não há mesa para dialogar se aqueles que têm a caneta na mão não participam”.
A decisão veio após a ausência da presidência da autarquia, na reunião desta quinta. De acordo com a Conaq, a ausência reflete a falta de compromisso e de encaminhamentos das pautas apresentadas pelo movimento anteriormente.
Em nota publicada em seu site, a Conaq afirmou estar aberta ao diálogo e pediu uma agenda com o presidente da República, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, e outros ministérios envolvidos na agenda quilombola. “A complexidade e a gravidade das questões enfrentadas pelos quilombos demandam a participação efetiva e compromissada de outros ministérios e órgãos federais, com poder de decisão e capacidade de estabelecer e cumprir compromissos concretos”, aponta.
“De acordo com dados da Terra de Direitos, ‘no atual ritmo, Brasil levará 2.188 anos para titular todos os territórios quilombolas com processos no Incra’. Diante do exposto, tendo em vista a morosidade estrutural na titulação dos territórios quilombolas, a CONAQ exige o diálogo com as instituições e autoridades responsáveis pela proteção dos nossos territórios, conforme previsto em ampla legislação nacional e internacional – como o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o Decreto nº 4.887/2003 e a Convenção nº 169 da OIT”, diz a nota.
Criada em 2013, a Mesa Quilombola tem por finalidade efetivar e garantir direitos, como o reconhecimento e a titulação de territórios. A instância reúne representantes do movimento quilombola, entidades parceiras e órgãos públicos para discutir e propor soluções para os desafios enfrentados pelas comunidades. A mesa foi suspensa, em 2017, no governo Temer, e retomada somente seis anos depois, em 2024.
Gota d’água
A reunião estava programada e várias lideranças quilombolas de diferentes estados se deslocaram de seus territórios para estarem presentes e tratarem de demandas urgentes. Entretanto, o presidente do Incra, César Aldrighi, não compareceu e enviou sua vice, Débora Mabel Nogueira, que saiu antes da reunião acabar, deixando o encontro sem que tivessem sido feitos encaminhamentos.
“É a 18ª reunião que a gente vem para colocar nossos lamentos para nós mesmos, porque quem de fato tem o poder da caneta não se faz presente para não se comprometer com a causa quilombola”, explicou Rosalina no vídeo.
Não é a primeira vez que a Conaq se retira da Mesa Quilombola. Em 2015, durante a 9ª Mesa Nacional da Política de Regularização Fundiária Quilombola, a entidade também saiu do encontro justificando o descaso do Incra com a pauta. Apesar das críticas ao órgão, a situação voltou a se repetir.
"Desde 2023, o Incra tem pautado suas ações a partir do diálogo e respeito à autonomia dos movimentos sociais. A Mesa Nacional de Acompanhamento da Política de Regularização Fundiária Quilombola é uma conquista da sociedade. Suas atividades foram retomadas depois de ser suspensa entre os anos de 2017 e 2022", diz o órgão em nota enviada à reportagem do Instituto Socioambiental (ISA). "O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e o Incra estão à disposição para continuidade do diálogo e planejamento das ações que fortaleçam a política quilombola no País", continua o texto.
"Importante salientar que a retomada da política quilombola resultou em mais de 735 mil hectares identificados e destinados, 32 títulos entregues e 19 mil famílias beneficiadas. Foi criada a Diretoria de Territórios Quilombolas do Incra - inédita na história do Brasil. Em 2024, tivemos o maior número de decretos de interesse social de territórios quilombolas por ano da história: 31", informa o documento.
Titulação no Pará
Ainda nesta quinta, a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu) também publicou uma nota de repúdio contra a estagnação da titulação de terras quilombolas no Pará. A organização denuncia que o Incra não titula comunidades quilombolas no Pará desde 2018, quando ocorreu a última, no município de Bujaru. A Malungu reúne 31 organizações quilombolas.
“Enquanto a regularização não acontece, as áreas quilombolas permanecem vulneráveis à invasão de fazendeiros, garimpeiros e posseiros, além do avanço de grandes projetos. Milhares de famílias quilombolas paraenses seguem na luta pela efetivação do direito garantido pela Constituição Federal: a regularização de suas terras coletivas”, afirma a nota. Além disso, a Malungu aponta o sucateamento do órgão, que não dispõe de servidores o suficiente para dar conta da quantidade de processos de titulação abertos.
“Na Superintendência do Incra em Santarém, há mais de três anos, apenas uma servidora responde pelo encaminhamento de 19 procedimentos para a titulação de Terras Quilombolas, 84% deles abertos há mais de 18 anos. [...] Já na Superintendência do Incra em Belém, tramitam 53 procedimentos e dentre estes, 29 constam em fase inicial, sem ida do órgão fundiário a campo. Entre estes, há procedimentos iniciados no ano de 2005”, informa o documento.
A Malungu exige a exoneração do atual superintendente do Incra de Santarém, José Maria de Sousa Melo, e a imediata estruturação da Divisão Quilombola na mesma superintendência. Também cobra ação imediata para acelerar os processos de elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) na Superintendência de Belém. Reivindica ainda medidas urgentes para a atualização da Relação de Beneficiários dos territórios quilombolas em todo o estado do Pará.