Lideranças quilombolas vão a Brasília a convite do governo para avançar no processo de titulação de seus territórios, mas voltam de mão abanando
Artigo publicado originalmente no site da Mídia Ninja em 20/05/2024
Depois do ocorrido em abril, quando às vésperas do Dia dos Povos Indígenas o governo federal anunciou a homologação de somente duas Terras Indígenas, ao contrário das seis prometidas, em maio foi a vez do movimento quilombola enfrentar uma decepção.
Aguardados como a principal entrega do governo durante a 2ª edição do Aquilombar, o maior encontro quilombola do país, ocorrido em Brasília no dia 16 de maio, os decretos para encaminhamento da titulação de territórios quilombolas simplesmente não foram entregues.
O Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) convidou cerca de dez lideranças quilombolas de diversas regiões do país para receberem os decretos – último passo antes da titulação definitiva de seus territórios. Acontece que eles só souberam ali, com o evento já em andamento, que viajaram em vão. Os decretos não seriam assinados.
Já o público geral, parceiros e imprensa tomaram conhecimento do recuo do governo já no avançado da hora, no momento da fala do ministro Paulo Teixeira, o último dos ministros a discursar. A expectativa causou ainda mais frustração.
Os processos de titulação de territórios quilombolas no Brasil são embaraçosamente demorados. Não por acaso, o avanço nas titulações é a pauta prioritária do movimento. Este foi o coro das caravanas de todo o país que se uniram no Aquilombar. Em uníssono, a titulação definitiva foi levantada como principal reivindicação das lideranças. Sem resultado.
Das 1.327.802 pessoas quilombolas registradas no país, conforme o Censo 2022, coordenado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente 4,3% residem em territórios já titulados.
Estudo inédito divulgado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e Instituto Socioambiental (ISA), com levantamento do MapBiomas, revela a importância dos quilombos, em especial os titulados, para a conservação da floresta em pé no Brasil, assunto tão sensível e de extrema importância diante das catástrofes climáticas que vêm assolando não só nosso país, como todo o mundo.
Segundo a pesquisa, entre os anos 1985 e 2022 os territórios quilombolas perderam aproximadamente 4,7% de sua área de vegetação nativa, enquanto o desmatamento nas áreas privadas foi de 25%.
Se fizermos um recorte e olharmos somente para os quilombos, aqueles titulados perderam ainda menos floresta: 3,2%, diante dos 5,5% daqueles cujo processo de titulação segue em tramitação.
Diante disso, soa intrigante a inércia do governo. Ainda mais se acrescentarmos ao debate os alarmantes dados de violência nos quilombos brasileiros, sendo sabida a direta relação entre episódios de violação de direitos e territórios não titulados.
O assassinato de Mãe Bernadete Pacífico, no Quilombo Pitanga dos Palmares, na região metropolitana de Salvador, em agosto de 2023, é um infeliz exemplo desta realidade. Somente em 2023, sete quilombolas foram assinados, sem nenhuma prisão dos responsáveis.
Assim, sem porta de acesso a políticas públicas, direito quem vem atrelado à titulação de seus territórios, o que fica é o questionamento de quando o governo dará passos concretos rumo à efetivação deste direito constitucional das populações quilombolas, mais uma vez prometido e não cumprido junto ao movimento e toda a sociedade brasileira.