O processo decisório sobre projetos de investimentos do programa tem sido pouco transparente
* Artigo originalmente publicado no jornal O Globo
Há um ano, o governo federal anunciou seu maior programa: o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Se, por um lado, o país carece de infraestrutura para atender à população e garantir acesso a serviços públicos básicos, por outro, edições anteriores do PAC foram acometidas por baixa transparência, gravíssimos danos socioambientais, baixo envolvimento das comunidades afetadas, além de fraude, corrupção e milhares de obras atrasadas ou paralisadas, como o caso emblemático de Belo Monte.
Depois de um ano do novo programa, com mais de 5 mil empreendimentos em execução, onde estamos? O processo decisório sobre projetos de investimentos do Novo PAC tem sido pouco transparente. Não se sabe como as escolhas ponderaram aspectos sociais, econômicos e ambientais. É um erro que se repete, já que a tomada de decisão sobre empreendimentos é, tradicionalmente, uma das fases mais opacas do ciclo institucional de investimento público em infraestrutura no Brasil, que gera maiores riscos de cooptação por grupos de interesse e corrupção. O Novo PAC continua o padrão histórico de decisão de investimentos baseado num processo institucional fraco e num processo político forte.
Com relação à gestão de riscos e impactos socioambientais, o Novo PAC avançou na previsão de medidas institucionais direcionadas ao licenciamento ambiental federal, mas a falta de oportunidade para a participação da sociedade civil e de povos e comunidades tradicionais — geralmente sujeitos aos danos gerados por grandes obras —na definição dessas medidas continua com lacunas problemáticas. Segue em falta a regularização de passivos do licenciamento ambiental de empreendimentos públicos e de concessões, como a inadimplência na execução de condicionantes e medidas de mitigação e compensação de impactos.
Espera-se que o Novo PAC continue mobilizando esforços para a recomposição da força de trabalho de órgãos imprescindíveis ao licenciamento ambiental e para a modernização e integração dos sistemas no setor.
Outra omissão histórica do governo foi renovada: a ausência de integração estratégica entre políticas de infraestrutura e outros instrumentos de políticas públicas relacionadas a planejamento,ordenamento e gestão territorial e direitos sociais. Isso tem gerado conflitos em processos de licenciamento ambiental, que acabam herdando problemas de governança territorial e socioeconômicos que escapam à capacidade de prevenção, mitigação e compensação das medidas definidas como obrigatórias para o empreendedor, como o reconhecimento e a regularização dos direitos territoriais de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
Caso sejam garantidos transparência, medidas robustas de integridade, envolvimento da sociedade, critérios técnicos,ambientais e climáticos para a tomada de decisão sobre investimentos, além de instrumentos de gestão de riscos e impactos socioambientais complementares ao licenciamento ambiental, a terceira edição do PAC pode se transformar num programa efetivamente novo.
* Maria Dominguez, coordenadora do Programa de Integridade e Governança Pública da Transparência Internacional - Brasil, Mariel Nakane, analista socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA) e Brent Millikan, membro da Secretaria Executiva do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental.
Leia também:
Com Ferrogrão, estrada dentro de terras indígenas pode virar rota de caminhões de soja
Povos indígenas do Xingu apresentam condicionantes socioambientais para nova fase da Ferrogrão
Com “novo PAC” à vista, indígenas e ribeirinhos discutem impactos de grandes obras de infraestrutura no Xingu