Reconhecer e fortalecer os direitos territoriais indígenas é crucial para o cumprimento dos compromissos climáticos assumidos pela comunidade internacional; Leia artigo publicado no Valor Econômico
Artigo originalmente publicado no Valor Econômico em 05/12/2023.
A Amazônia desempenha um papel crucial no combate às mudanças climáticas devido à sua vasta reserva de carbono florestal. Suas árvores armazenam carbono, evitando que se acumulem na atmosfera e promovam o aquecimento global. E os principais responsáveis por esses estoques robustos são os povos indígenas, guardiões ancestrais das florestas.
Segundo dados gerados pela RAISG (Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada) e pelo Woodwell Climate Research Center (WCRC), que foram divulgados dia 4 de dezembro na COP28 em Dubai, Emirados Árabes Unidos, o bioma amazônico em seis países – Bolívia, Brasil, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela – armazena aproximadamente 79 mil MtC de carbono florestal. Destes, 58% estão em Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas.
Ou seja, reconhecer e fortalecer os direitos territoriais indígenas não apenas promove justiça social, mas também se revela crucial para a proteção e preservação dos estoques de carbono na Amazônia, e assim contribui para o cumprimento dos compromissos climáticos (NDC) assumidos por cada país.
O armazenamento de carbono é um serviço ambiental fundamental para combater a crise climática. No entanto, políticas de ampliação de atividades econômicas na Amazônia, especialmente agropecuárias, geram altas taxas de desmatamento e a perda de estoques de carbono florestal.
Adicionalmente, os marcos normativos nos países amazônicos não proporcionam a proteção necessária das suas florestas – nem para manter os serviços, nem para salvaguardar os direitos territoriais e as vidas dos povos indígenas.
Trata-se de um passo urgente que precisa ser dado pelos governos da região. O carbono florestal tornou-se uma apetitosa commodity, mas a gestão dos créditos e a comercialização ainda não foram regulamentadas, o que abre caminho para comportamentos predadores das empresas e uma negociação desigual com os indígenas.
Um panorama preocupante, por exemplo, é o da falta de aplicação de salvaguardas dos direitos dos povos indígenas, regulação e supervisão no âmbito do instrumento REDD+ (reduções de emissões de gases de efeito estufa e aumento de estoques de carbono florestal).
É urgente reconhecer, promover e fornecer incentivos diretos no que diz respeito ao trabalho realizado pelos povos indígenas no monitoramento e vigilância de seus territórios para a proteção de suas florestas. Fundamental também preservar sua integridade física.
A conservação das florestas e a baixa perda de carbono dentro das Terras Indígenas não são produto do acaso, mas da capacidade de gestão florestal dos povos indígenas que as habitam. Isso se deve ao profundo conhecimento do meio ambiente, que lhes permite fazer uso sustentável da floresta e também proteger e garantir seus modos e meios de vida.
Portanto, o principal desafio em relação aos mercados de carbono é garantir que os povos indígenas sejam interlocutores centrais na tomada de decisões sobre seus territórios. Nesse sentido, a implementação de mecanismos de participação das comunidades indígenas e protocolos de consulta prévia, livre e informada são estratégias fundamentais.
Os povos indígenas são sujeitos coletivos, com livre determinação e autogoverno que não podem ser desconhecidos, muito menos quando seu conhecimento, modos de vida e práticas ancestrais de respeito e harmonia com o território demonstram imensa capacidade de contribuir com o enfrentamento às mudanças climáticas.
*Adriana Ramos, Instituto Socioambiental (Brasil); Bibiana Sucre, Provita (Venezuela); Carlos Souza Júnior, Imazon (Brasil); Carmen Josse, EcoCiencia (Equador); María Teresa Quispe, Wataniba (Venezuela); Natalia Calderón, Fundación Amigos de la Naturaleza (Bolívia); Renzo Piana, Instituto del Bien Común (Peru); Silvia Gómez, Fundación Gaia Amazonas (Colômbia). Membros da Junta Diretiva de RAISG.