Em audiência pública na Câmara, órgãos do governo, ministérios e povos indígenas apoiaram que a política vire lei, tenha recursos e receba novo eixo de mudanças climáticas
A Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Indígena (PNGATI) foi foco de discussões no Congresso Nacional e em atividade do Acampamento Terra Livre (ATL), que comemora 20 anos de lutas em Brasília.
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Durante a tarde da terça-feira (23/04), ocorreu uma audiência pública na Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), para falar sobre a pauta. “Essa comissão tem um importante lugar de acolher a presença indígena, mas sobretudo a política tão urgente que é a PNGATI. Nós sofremos aqui nessa casa uma tentativa de extermínio dos povos indígenas quando se aprovou o Marco Temporal e agora estamos na mobilização para que se vote a urgência da PNGATI”, afirmou Xakriabá.
Instituída em 2012 por meio de decreto presidencial, a PNGATI tem como objetivo garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas, assegurando a integridade do patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações dos povos indígenas, respeitando sua autonomia sociocultural.
Apesar de ter sido oficializada institucionalmente há 12 anos, seu comitê gestor foi formado somente no ano passado, após a 19ª edição do Acampamento Terra Livre.
Coordenadora do Comitê Gestor da PNGATI, representando as organizações indígenas da Amazônia brasileira, Auricélia Arapiuns comentou que na retomada da PNGATI surgem muitas esperanças e uma delas é que a PNGATI se torne lei.
Ainda quando era deputada federal, a atual presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, propôs na Câmara, em 2021, o projeto de lei 4347/2021.
“Temos várias preocupações enquanto povos indígenas no contexto dessa casa, que é uma casa que nos vê como inimigos. A PNGATI precisa chegar aqui muito fortalecida, porque nossos direitos estão sendo atacados e muitas outras leis contrárias a nós estão sendo feitas e construídas aqui nessa casa”, alertou.
Plenária no ATL
Durante plenária sobre a PNGATI, que aconteceu na tenda principal do ATL, na manhã desta quinta-feira (25/04), as lideranças que participaram da sessão solene levaram as atualizações da discussão de retomada da política para o público. Auricélia Arapiuns reforçou o ponto do orçamento. “Essa questão do financiamento é muito importante, porque isso não é só responsabilidade do [Ministério dos Povos Indígenas] MPI e da Funai. É 50% indígena e 50% do governo. Não é só participação no comitê [gestor].”
O comitê gestor é responsável pela coordenação da execução da política e é integrado por representantes governamentais e representantes de organizações indígenas. Foi instituído em 2013 e sua última reunião ocorreu há seis anos, em 2018. Em 3 de julho de 2023 o comitê gestor da PNGATI foi reinstalado e em 25 de março deste ano ocorreu a instalação das seis câmaras técnicas permanentes. São elas:
- - Câmara técnica de monitoramento e financiamento da PNGATI;
- - Câmara técnica de Mudança do Clima, Serviços Ambientais e Sociobioeconomia;
- - Câmara Técnica de Floresta, Biodiversidade, Restauração e Recuperação e Recuperação de Áreas Degradadas;
- - Câmara Técnica de Gestão Integrada e/ou Compartilhada de Terras Indígenas e Unidades de Conservação;
- - Câmara Técnica de Proteção Territorial e Combate ao Arrendamento e Ilícitos Socioambientais;
- - Câmara Técnica de Formação Continuada.
"Essa política é uma das políticas mais importantes e inovadoras que nós temos, primeiro porque ela foi construída com a participação dos povos indígenas", afirmou Lucia Alberta, diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai. "Ela foi construída pra que os povos indígenas pudessem ter a gestão dos seus territórios. E existem várias formas de fazer a gestão desses territórios, a partir dos planos de gestão, os planos de vida, georreferenciamento, projetos que elaboram junto com os outros parceiros", completou.

Ampliação e desafios da PNGATI
Bárbara Tupinikim, da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), fez um chamado para que a juventude indígena se inteire da política. “A gente tá retomando a PNGATI e ela vai continuar, porque não é só a gente fazer esse processo de retomada, a gente tem que acompanhar e seguir, e são muitas gerações que vão continuar acompanhando a PNGATI”.
A liderança da Apoinme também trouxe para o debate a questão da regeneração dos territórios, por conta do desmatamento e do garimpo. “Gosto de falar que a gente passou da época da sustentabilidade. Não existe mais essa fase da sustentabilidade, não tem como a gente sustentar mais nenhum hábito que a sociedade faz. Não tem como, a gente tem que regenerar”, enfatizou.

Jaime Siqueira, do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), comentou os três principais desafios que acredita que a PNGATI tenha. “O primeiro é continuar mantendo esse protagonismo e participação. Existem instrumentos para isso acontecer e um deles é o próprio comitê gestor e o Conselho Nacional de Política Indigenista [CNPI], e é importante ocupar esse espaço e fazer funcionar de verdade”.
“O outro desafio é manter uma politização da PNGATI, no sentido de que não é possível fazer gestão sem terra. A PNGATI não é um elemento para despolitizar as demandas dos territórios demarcados. O último desafio que acho que a PNGATI tem para se consolidar é o financiamento de apoio à implementação da política. A gente sabe que desde sempre quem tem colaborado para implementação da política nos territórios é a cooperação internacional, e o desafio é que a PNGATI seja implementada com recursos do governo. Depender menos dessa cooperação internacional”, finalizou.
Ceiça Pitaguary, Secretária da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, apontou que a política é formada por sete eixos, sendo eles:
Eixo 1 - Proteção territorial e dos recursos naturais;
Eixo 2 - Governança e participação indígena;
Eixo 3 - Áreas protegidas, Unidades de Conservação e Terras Indígenas;
Eixo 4 - Prevenção e recuperação de danos ambientais;
Eixo 5 - Uso sustentável de recursos naturais e iniciativas produtivas indígenas;
Eixo 6 - Propriedade intelectual e patrimônio genético;
Eixo 7 - Capacitação, formação, intercâmbio e educação ambiental.
“Agora existe uma reflexão: se a gente apresenta uma emenda aqui na tramitação da PNGATI ou se a gente faz consultas regionais até chegar a uma conferência para dar conta de um oitavo eixo, que nós não demos conta quando estávamos construindo, que é o eixo de mudanças climáticas. É um tema que está aqui posto na mesa, todos os governantes preocupados, mas é preciso que nós coloquemos também na PNGATI a importante contribuição que os povos indígenas e seus territórios dão para manter o equilíbrio ambiental”, reforçou Ceiça.

Representante do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Rodrigo de Lima Medeiros reconheceu a importância da política se tornar lei. “Que efetivamente a gente tenha mais recurso público para implementação da PNGATI, a gente tenha orçamento da União para implementação da PNGATI, que a gente tenha orçamento dos Estados e dos municípios para a implementação da PNGATI”, sinalizou.
“A questão da gestão territorial não é só conservação, não é só preservação da floresta ou da vegetação, é também bioeconomia, é o [Produto Interno Bruto] PIB que as Terras Indígenas produzem, é pensar na biodiversidade, nos serviços ambientais que prestam pro mundo, é pensar nas cadeias da sociobiodiversidade, é pensar na recuperação de áreas degradadas. Então há um portfólio de temas socioambientais que precisam ser efetivamente repensados dentro da PNGATI, eles precisam se tornar políticas públicas, que tanto o Estado, a União, tenha efetivamente um compromisso orçamentário com a PNGATI”.
Representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sineia Wapichana também participou da sessão na Câmara dos Deputados. Para ela, essa é uma pauta importante para todos os povos do Brasil, não só os da Amazônia. “Ela é importante para todos os biomas. Foi a única política que fez a consulta dos povos indígenas do Brasil. Apesar de ter algumas lacunas, foi uma política construída por nós!”, sublinhou.