Projeto que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa foi aprovado em novembro na Câmara e no Senado, garantindo vitória do governo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, nesta quarta-feira (11/12), a Lei 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), regulando, assim, o mercado de crédito de carbono no país. A nova legislação foi sancionada sem vetos, seguindo a expectativa de parlamentares e organizações da sociedade civil que acompanharam a tramitação da proposta no Congresso.
Após anos de debates em torno de diversas regras e critérios de funcionamento do mercado de carbono, a votação final do projeto ocorreu no dia 19/11, na Câmara dos Deputados. Antes disso, a matéria havia sido votada, no dia 13, pelos senadores, que aprovaram o parecer da senadora Leila Barros (PDT/DF).
Saiba mais: Câmara aprova e vai à sanção presidencial projeto que cria mercado de créditos de carbono
Senado aprova projeto que cria mercado formal de créditos de carbono no país
As duas votações ocorreram enquanto acontecia a 29° conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a COP-29, em Baku, no Azerbaijão. Tanto no Senado quanto na Câmara prevaleceram os pontos mais centrais defendidos pelo Planalto. Por isso, o resultado foi considerado uma vitória do governo, que tem enfrentado desgastes diante do empenho de parlamentares ruralistas em aprovar propostas desfavoráveis à agenda ambiental.
A proposta define um marco regulatório para a venda de créditos de carbono a partir de iniciativas de preservação ambiental e de enfrentamento às mudanças climáticas. O principal objetivo é ajudar o cumprimento das metas climáticas brasileiras, por meio do estabelecimento de limites de emissões para os diversos segmentos econômicos e do comércio limitado de compensações de emissões entre os maiores poluidores (saiba mais no quadro ao final da reportagem).
A principal fonte de emissões do Brasil é o desmatamento, com 46% do total, enquanto as outras atividades agropecuárias respondem por 28%, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) do Observatório do Clima (OC). Portanto, a produção rural é responsável por cerca de 3/4 das emissões nacionais. Por outro lado, a grande extensão da floresta amazônica no país torna-o um grande candidato a iniciativas e políticas de geração de créditos por meio da conservação, em projetos de manutenção ou ampliação de estoques de carbono florestal.
O que são os créditos de carbono?
A comercialização de créditos de carbono permite que empresas ou pessoas compensem as emissões de gases de efeito estufa causadores das mudanças climáticas, resultantes de empreendimentos e atividades econômicas, pela aquisição de créditos gerados por projetos de redução dessas emissões ou da captura de carbono da atmosfera.
Uma iniciativa para restringir os poluentes de uma indústria, o reflorestamento ou a conservação de uma área com vegetação nativa são exemplos desse tipo de projeto. Um crédito de carbono corresponde a uma tonelada métrica de gases de efeito estufa, como o CO2.
Há dois tipos de mercado de carbono: o voluntário e o regulado. O primeiro não depende de lei e comercializa créditos certificados para quem quer compensar emissões voluntariamente. Já o segundo funciona com base numa legislação nacional que estabelece limites de emissões para atividades econômicas, permitindo a compra e venda de créditos entre quem polui e precisa compensar emissões e quem consegue remover carbono, evitar ou reduzir emissões.
Populações indígenas e tradicionais
Especialistas e organizações da sociedade civil que acompanham o assunto avaliam que o PL foi aperfeiçoado ao longo da tramitação, embora o texto final esteja muito longe do ideal.
“Essa lei vai assegurar aos povos indígenas e comunidades tradicionais, por meio das suas entidades representativas, e aos assentados em projetos de reforma agrária, o direito à comercialização de certificados de remoções e créditos de carbono gerados com base no desenvolvimento de projetos nos territórios que ocupam, condicionado ao cumprimento das salvaguardas socioambientais”, ressalta Ciro Brito, analista de políticas climáticas do Instituto Socioambiental (ISA).
Brito explica, ainda, que ao longo do processo legislativo, organizações da sociedade civil atuaram para que fossem retirados do projeto dispositivos que previam que o desenvolvimento de projetos de créditos de carbono por comunidades tradicionais dentro de Unidades de Conservação tivessem que constar previamente no plano de manejo. Também foram suprimidos os que previam que os órgãos responsáveis pela gestão das áreas públicas concedessem permissão prévia às comunidades que quisessem desenvolver projetos de carbono em seus territórios.
“Em ambos os casos havia uma grande interferência na autonomia das comunidades. Porque elas tinham a titularidade de créditos de carbono, mas não teriam o direito de desenvolver projetos no caso do plano de manejo não autorizar isso previamente”, pontua (saiba mais no box ao final da reportagem).
Segundo o analista do ISA, um ponto de crítica à nova lei é que, durante a tramitação do projeto no Congresso, o setor agropecuário foi excluído das obrigações referentes ao limite de emissão de gases de efeito estufa. “Não é prerrogativa da lei a exclusão de qualquer setor do sistema. Isso precisaria ser feito por meio de regulamentação, com base nas características de cada setor e na evolução do SBCE. Por isso, não haveria por que o setor agropecuário ter sido retirado do limite de emissões, ainda mais considerando a sua grande contribuição na emissão de gases no país”, salienta Ciro Brito.
Como ficam os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais?
Autorização e consulta
O desenvolvimento de projetos de crédito de carbono em territórios indígenas e tradicionais dependerá da anuência e da consulta livre, prévia e informada às populações envolvidas, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), nos termos, quando houver, de protocolo ou plano de consulta. Os custos desses processos serão arcados pela empresa interessada, garantidas a participação e a supervisão dos órgãos oficiais responsáveis - o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério Público Federal (MPF).
Titularidade dos créditos; anuência de órgãos oficiais
A titularidade sobre os créditos de carbono será de quem tem o usufruto da terra, o que garante essa prerrogativa a essas comunidades, em princípio. No caso em que a área for de domínio público e o usufruto for delas, para desenvolver um projeto de carbono será necessário comunicar previamente ao órgão público responsável, para eventual acompanhamento, a pedido das populações. Se o domínio e o usufruto forem públicos, a iniciativa vai depender da anuência e do acompanhamento do órgão oficial envolvido.
Participação nos benefícios
A Lei 15.042/2024 garante às comunidades o recebimento e a participação na gestão dos recursos financeiros gerados pelos projetos de crédito de carbono realizados em seus territórios. Elas terão direito a 50% dos créditos, no caso de iniciativas convencionais de remoção de gases de efeito estufa, e 70% dos créditos, no caso de projetos de desmatamento e degradação florestal evitados, conservação e manejo florestais (REDD+).
Parte dos recursos poderá ser destinada a atividades produtivas sustentáveis, à proteção social, à valorização da cultura e à gestão territorial e ambiental, nos termos da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) e da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT).
Indenização
A lei assegura a indenização por danos coletivos, materiais e imateriais, decorrentes de projetos e programas de geração créditos de carbono (essa salvaguarda também vale para assentados da reforma agrária).
Como vai funcionar o mercado de carbono?
A nova lei define um marco regulatório para a venda de créditos de carbono, incluindo a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). O SBCE terá um órgão gestor, um órgão deliberativo e um comitê consultivo permanente. O detalhamento das regras de governança desses órgãos será regulamentado diretamente pelo governo mais tarde.
São abrangidos pelas novas regras programas locais e jurisdicionais (estaduais e nacional) baseados em projetos de Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e preservação ambiental, como os de desmatamento e degradação florestal evitados, conservação, manejo ou aumento de estoque de carbono florestal (REDD+).
Poderão participar do SBCE dois tipos de empresas: as que emitirem entre 10 mil e 25 mil toneladas de CO2 equivalente (tCO2e) por ano não terão meta de redução, mas deverão reportar suas emissões e estabelecer um plano de redução de emissões; as empresas que emitirem mais de 25 mil tCO2e terão de cumprir essas obrigações e ainda vão ter de reduzir suas emissões obrigatoriamente.
Os chamados planos nacionais de alocação deverão prever metas graduais e a trajetória dos limites de emissão para cada período de compromisso de redução de emissões previsto na lei. Em cada período, um novo plano deverá prever o volume de Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs) e o percentual máximo de Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE) admitidos no mercado.
Os CBEs são a quantidade de CO2 equivalente a que cada operador do mercado terá direito. Elas poderão ser compradas por aqueles que não atingirem suas metas de emissão. O CRVE é outro ativo comercializável que será gerado quando houver redução nas emissões. Ele também poderá ser comercializado para que países cumpram suas metas no Acordo de Paris, ou seja, em transações internacionais. Cada CBE ou CRVE representa 1 tonelada de CO2 equivalente.
As empresas com mais dificuldades de reduzir emissões deverão comprar cotas para poluir e certificados que atestem a captação de carbono na atmosfera para zerar as emissões líquidas (emissões brutas menos remoções e reduções). Ao fim de cada período de compromisso, as empresas deverão fazer um levantamento das emissões líquidas e, a partir da sua confirmação, terão direito a um certificado que permitirá cancelar uma cota de emissão.
Quando realizado no mercado financeiro e de capitais, o comércio de créditos estará sujeito à regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas também poderá haver a transação privada em separado, sem essa regulação, no chamado mercado voluntário.
Como será a regulamentação da Lei
Pelas regras previstas no texto da nova lei, o SBCE será implementado num período de seis anos, após seguir todos os passos da regulamentação. Organizações representativas de povos e comunidades tradicionais e entidades ambientais da sociedade civil devem acompanhar as etapas da regulamentação para garantir que a lei seja aplicada e as salvaguardas socioambientais sejam cumpridas.
Etapas de implementação:
1. Será de 12 meses a partir de sua entrada em vigor, prorrogáveis por igual período. Por meio de decreto presidencial, serão definidos o escopo, limiares de inclusão, natureza do limite, regras de monitoramento e relato de emissões para remoções de gases de efeito estufa.
2. Até um ano para que os operadores organizem os instrumentos para relato de emissões.
3. Mais dois anos, quando os operadores deverão submeter o plano de monitoramento e de apresentação de relato de emissões e remoções de gases de efeito estufa ao órgão gestor do SBCE.
4. Começa a vigência do primeiro Plano Nacional de Alocação, com distribuição não onerosa das Cotas Brasileiras de Emissão (CBE) e a implementação do mercado de ativos do SBCE.
5. Implementação plena do SBCE, ao fim da vigência do primeiro Plano Nacional de Alocação.