Adorno confeccionado por artesã indígena foi entregue pelo bispo da cidade, Dom Edson Damian, que integra comitiva de 17 religiosos da Amazônia brasileira no Vaticano

Um cocar multiétnico foi levado até o Vaticano pelo bispo Dom Edson Damian, de São Gabriel da Cachoeira (AM), cidade conhecida por ter a maior concentração de população indígena do país. Ele fez parte da comitiva de 17 bispos da Amazônia brasileira que participaram da reunião com o Papa.
A artesã e empreendedora indígena Gilda da Silva Barreto, do povo Baré, moradora de São Gabriel da Cachoeira, recebeu a encomenda para fazer o adorno. “Foi uma honra e pensei num cocar inspirado na Amazônia, com as cores, a beleza, mas também com os problemas do clima. As pessoas só pensam em enriquecer, mas não pensam em preservar. Coloquei penas na cor vermelha na parte de baixo por esse motivo”, explicou. “Vivo na cultura indígena e sou católica. Carrego as duas coisas juntas”, disse.
Ao receber o cocar, o Papa brincou perguntando se era uma mitra, a peça tradicionalmente usada pelo religioso para cobrir a cabeça durante cerimônias.
Participaram do encontro representantes do Regional Norte 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) dos estados do Amazonas e Roraima e do Noroeste (Acre, Sul do Amazonas e Rondônia). O arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Steiner, nomeado em 29 de maio como o primeiro cardeal da Amazônia brasileira, também fez parte do grupo.
A reunião já estava programada, mas coincidiu com o caso do assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo, no Vale do Javari, no Amazonas. O crime levou a mobilizações em várias partes do mundo com pedidos de Justiça e ainda gerou uma série de denúncias sobre o descaso do atual Governo Federal com a Amazônia e seus povos.

Conforme informações do site oficial do Vaticano, o Papa insistiu aos bispos para que “escutem os povos indígenas, escutem as comunidades de base". Após o encontro com o líder da Igreja Católica, Dom Edson Damian falou sobre a gravidade da situação do país e dos ataques à Amazônia. “O Brasil voltou outra vez ao mapa da fome. Há grande número de desempregados e os povos indígenas estão sendo ameaçados em seus territórios, no seu direito de viver, na sua cultura e tradições. As mineradoras, o agronegócio, o garimpo ilegal – tudo isso está acabando com a nossa Amazônia”, lamentou.
Dom Edson ainda agradeceu ao Papa Francisco pelo Sínodo para a Amazônia, realizado em 2019, mas também pela escuta dos povos indígenas que foi realizada antes desse encontro. “Em São Gabriel da Cachoeira, os moradores das comunidades mais distantes receberam questionários e foram ouvidos”, disse. “Essa é a igreja que vive a pluralidade, a diversidade de povos, línguas, cultura, religiosidades espalhadas pelo mundo inteiro”, completou.
O Papa também recebeu de presente um quadro produzido em 1989 por um artista indígena conhecido como Cardoso, com o título “SOS Yanomami” e que já denunciava as ameaças constantes aos povos dessa etnia. Esse presente foi entregue pelo monsenhor Lúcio Nicoletto, administrador apostólico de Roraima. Em abril, a Hutukara Associação Yanomami divulgou relatório sobre a crise humanitária gerada pelo garimpo na Terra Indígena Yanomami.
Recentemente, a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) denunciou graves problemas relativos à saúde e ao das crianças Yanomami que vivem no Estado do Amazonas, instaurando um Procedimento para Apuração de Dano Coletivo (Padac) com o intuito de investigar possíveis violações aos direitos fundamentais dos Yanomami nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos.