Em evento emocionante e repleto de simbolismos, ministras reforçaram a importância da transversalidade para promover políticas públicas efetivas
Uma multidão colorida e diversa ocupou o Palácio do Planalto nesta quarta-feira (11/01) para a cerimônia de posse das ministras Anielle Franco, da Igualdade Racial, e Sônia Guajajara, dos Povos Indígenas. Emocionante e repleto de simbolismos, o evento teve cantos e danças dos povos Guarani e Terena e do Afoxé Ogum Pá.
“Hoje, vocês todos estão presenciando um momento de transição histórica, tal qual foi a singular colaboração indígena na Assembleia Nacional Constituinte”, afirmou Sônia sobre a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), inédito na história do país.
“Naquela ocasião, um passo muito importante foi dado com o fim do paradigma integracionista e da tutela. Hoje, vocês presenciam um passo ainda maior, e esperamos com isso fazer respeitar a nossa existência e o nosso protagonismo. O Brasil do futuro precisa dos povos indígenas”.
A cerimônia contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin, da primeira-dama Janja Lula da Silva e do ministro da Justiça, Flávio Dino, além de autoridades e lideranças como a deputada federal eleita Célia Xakriabá (PSOL-MG), o xamã Davi Kopenawa Yanomami, a mãe yalorixá Dora de Oyá e Joênia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que agora passa a integrar o MPI.
Sônia anunciou a recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). Inovação na governança de políticas públicas voltadas aos povos indígenas, o colegiado, que garante a participação social no Poder Executivo, havia sido extinto pelo governo Bolsonaro. "Esse ministério chega comprometido com a promoção de uma política indígena, não mais uma política indigenista, em todo o território nacional”, disse a ministra.
A composição da equipe ministerial também foi definida: o advogado Eloy Terena será o secretário-executivo do ministério. Jozi Kaingang, chefe de gabinete; Eunice Kerexu, secretária de Direitos Ambientais e Territoriais; Ceiça Pitaguary, secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena; Juma Xipaia, secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas; e Marcos Xukuru, assessor especial.
Em seu discurso, Sônia destacou a importância das Terras Indígenas e do conhecimento dos povos e comunidades tradicionais na luta contra o aquecimento global e pela preservação da biodiversidade, e fez um chamado às autoridades do governo federal e locais, pela importância da transversalidade na construção de políticas públicas. “São séculos de violências e violações, e não é mais tolerável aceitar políticas públicas inadequadas aos corpos, às cosmologias e as compreensões indígenas sobre o uso da terra.”
A ministra lamentou a morte de diversas lideranças indígenas e ambientalistas defensores da floresta e cobrou justiça pelos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, no Vale do Javari. Ela lembrou ainda os milhares de indígenas mortos durante a pandemia de Covid-19 “pelo negacionismo científico e criminoso” do governo Bolsonaro, e sublinhou a importância da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que mobilizou, por meio de suas organizações regionais, barreiras sanitárias, campanhas de arrecadação e distribuição de alimentos e garantiu vitórias judiciais relevantes com a atuação dos advogados indígenas.
Sônia afirmou que a prioridade do MPI será tratar de questões estruturais como o desmatamento, o garimpo ilegal e a grilagem, que provocam intoxicação por mercúrio e agrotóxicos, aumentam a insegurança alimentar e ameaçam de extinção os povos isolados e de recente contato. “Muitos povos indígenas vivem uma verdadeira crise humanitária em nosso país, e agora estou aqui para trabalharmos juntos para acabar com a normalização desse estado inconstitucional que se agravou nesses últimos anos”, disse Guajajara ao presidente Lula.
"É urgente promovermos uma cidadania indígena efetiva. Isso não se faz sem demarcação de territórios, proteção e gestão ambiental e territorial, acesso à educação, acesso e permanência à universidade pública, gratuita e de qualidade, ampla cobertura e acesso à saúde integral", disse a ministra. "Não será fácil superar 522 anos em quatro, mas estamos dispostos a fazer desse momento a grande retomada da força ancestral, da alma e espírito brasileiros. Nunca mais um Brasil sem nós!", finalizou, coroando o presidente Lula com um cocar.
A existência dos povos indígenas no Brasil é cercada por uma leitura extremamente distorcida da realidade. Ou nos romantizam ou nos demonizam. Nós não somos o que, infelizmente, muitos livros de história costumam nos retratar.
Nós existimos de muitas e diferentes formas. Estamos nas cidades, nas aldeias, nas florestas, exercendo os mais diversos ofícios que vocês possam imaginar. Vivemos no mesmo tempo e espaço que qualquer um de vocês. Somos contemporâneos desse presente e vamos construir o Brasil do futuro, porque o futuro do planeta é ancestral. (Sônia Guajajara)
Igualdade Racial
Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial do Brasil, fez um discurso firme contra o racismo estrutural nas instituições brasileiras e, assim como Sônia Guajajara, reforçou a importância da transversalidade na atuação da pasta. "Daremos um passo à frente na institucionalização da luta política antirracista com esse ministério, trazendo o racismo para o debate público, institucional, de um modo até então não vivenciado pela política brasileira, uma conquista fruto das mobilizações sociais incessantes que antecederam e culminaram nesse momento", frisou.
"Em meio a uma política de morte, nossa resposta foi a luta pela vida", disse, lembrando o contexto político nacional desde o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff, também presente na cerimônia. Emocionada, a ministra homenageou a irmã Marielle Franco, ex-vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 14 de março de 2018, e elencou uma série de ações voltadas ao combate à desigualdade racial, fortalecendo especialmente o papel das mulheres negras.
A ministra disse que vai trabalhar por políticas públicas "concretas", como a ampliação da Política de Cotas, garantindo a presença de jovens negros e pobres nas universidades públicas; assegurar a visibilidade e presença de servidores negros e negras em cargos de tomada de decisão da administração pública; fortalecer a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e também anunciou o relançamento do Programa Juventude Negra Viva, que promoverá ações para reduzir a letalidade contra a juventude negra e ampliar as oportunidades para jovens brasileiros.
"Precisamos, enquanto sociedade, ter uma conversa franca e honesta que países no mundo inteiro já estão fazendo: encarar a realidade de que essa política da guerra nas favelas e periferias nunca funcionou. Pelo contrário. Apenas segue dilacerando famílias e alimentando um ciclo de violência sem fim", reforçou.
Anielle Franco também fez duras críticas sobre as manifestações golpistas de domingo. “O mesmo projeto que permite que as vidraças deste palácio tenham sido destruídas, é o projeto que mata todos os dias pessoas como o catador Dierson Gomes da Silva, da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. Combater o racismo e o fascismo parte — também — da luta por justiça, reparação e por democracia”.
No encerramento da cerimônia, o presidente Lula sancionou uma lei que equipara o crime de injúria racial ao de racismo, aumentando a pena para dois a cinco anos de prisão. O crime passa a ser inafiançável e imprescritível.
Confira a composição do Ministério da Igualdade Racial:
Roberta Eugênio, Secretaria Executiva;
Márcia Lima, Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas e Combate e Superação do Racismo;
Iêda Leal, Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial;
Ronaldo dos Santos, secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos; e
Flávia Tambor, chefa de gabinete.