Antropólogo que dirigiu o Parque Indígena do Xingu após Orlando Villas-Bôas marcou o indigenismo brasileiro ao nomear os primeiros chefes de posto indígenas na Funai

O Instituto Socioambiental (ISA) se despede de Olympio Trindade Serra com tristeza e deferência. Podemos dizer, sem medo de exagerar, que bem antes de se falar em "protagonismo indígena", ou de estar estruturado o campo político que triunfou na Constituição de 1988 para os direitos dos povos indígenas, houve um antropólogo que, ineditamente, nomeava dois indígenas para assumirem cargos administrativos na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que, até então, eram exercidos exclusivamente por funcionários não indígenas.
Olympio Serra foi diretor do Parque Indígena do Xingu (PIX) depois de Orlando Villas-Bôas. Aliados e companheiros, Olympio concebeu, delicadamente, seu conceito de gestão do PIX que admitia, ser ali, não uma dádiva da política pública para povos indígenas, mas sim um território que pudesse ser apropriado por quem deu-lhe conteúdo e consistência.
Megaron Txukarramãe e Mairawë Kayabi foram nomeados "Chefes de Posto" do Diauarum (no Médio PIX) e do Kretire (no Baixo PIX) por Olympio Serra. Apenas o Alto PIX, onde se localiza ainda hoje o Posto Indígena Leonardo Villas-Bôas, manteve um funcionário não indígena da Funai que, ainda assim, em 1987 passou a ser gerido por Pirakumã Yawalapiti, expressando o legado de Olympio para a política indigenista naquela terra indígena que, por muitos anos, insistia-se ser a última reserva indígena possível de um Brasil militarizado e desenvolvimentista.
O ISA ouviu a antropóloga Ana Gita de Oliveira, discípula de Olympio Serra, e sua amiga de "todos os momentos", como ela mesma expressa. Gita concorda que foi ele o grande responsável por realizar em uma Funai da ditadura militar, coordenado o setor de estudos e pesquisas da autarquia. São palavras dela: "naqueles tempos sombrios, [Olympio] teve a coragem de chamar antropólogos para implementarem um grande projeto de esperança para os povos indígenas por meio de políticas específicas, uma iniciativa inédita e progressista com grande repercussão no campo indigenista". A consequência da ousadia resultou na demissão dele e de outros tantos antropólogos que se posicionaram contra os desmandos dos militares.
Veja homenagem da ABA:
Fora da Funai, relata Gita, Olympio foi chamado por Aloisio Magalhães para integrar o corpo de pesquisadores da então recém criada Fundação Nacional Pró- Memória, onde me acolheu e, juntos, criamos a setor de Etnias e Sociedade Nacional, inédito no campo das políticas de salvaguarda do patrimônio cultural que teria vida institucional longa. Posteriormente, essa experiência seria integrada ao Departamento do Patrimônio Imaterial do IPHAN, que em sua história recente pode, também de forma inédita, tratar das políticas de salvaguarda dos povos indígenas, dos movimentos negros, quilombolas e das comunidades tradicionais.
Em 1994, Olympio Serra foi chamado por Megaron Txukarramãe, então diretor do PIX, para compor a diretoria da ONG Associação Vida e Ambiente criada por seu tio, Raoni Metuktire, com o apoio de seu amigo, o cantor Sting.
Importante mencionar a defesa de Olympio em favor dos terreiros de candomblé e de todos os movimentos negros – ou de pretos – como dizia. Dentro da Fundação Pró-Memória, herdada pelo Iphan no Ministério da Cultura, ele fazia lembrar, incansavelmente, que a presença da cultura imaterial de pretos e indígenas era tão ou mais importante do que a salvaguarda dos patrimônios de origem europeia geralmente representados pela materialidade de casarões portugueses. A presença indígena nos blocos de pretos do carnaval da Bahia era - e ainda é - como ele insistia, a maior prova dessa sempre viva herança cultural.
Siga em paz, Olympio! Você vai fazer falta.