Rede Wayuri percorreu pontos de votação em São Gabriel da Cachoeira (AM) fazendo transmissões ao vivo e divulgando dados
Cuidar dos igarapés, das áreas de pescaria, ter escola e manter o território protegido. Essas foram algumas das reivindicações feitas pela liderança indígena Américo Socot, do povo Hupda, pouco antes de votar no primeiro turno das eleições que aconteceram em 2 de outubro para presidente, governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais.
“E não pode esquecer: eu e meu povo estamos lá [no território]", reforçou ele, dirigindo-se aos candidatos. Seu Américo é um dos 32.106 eleitores de São Gabriel da Cachoeira (AM), município conhecido por ter a maior concentração de população indígena do país.
Américo deu a entrevista ao filho, Álvaro Socot, integrante da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, que fez a cobertura do 1º turno das eleições em São Gabriel da Cachoeira. A Rede Wayuri é vinculada à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e tem parceria e assessoria do Instituto Socioambiental (ISA).
Os comunicadores receberam e divulgaram notícias do processo eleitoral nas comunidades dos povos Baniwa, Yanomami, Tukano, Baré, entre outros. O lema escolhido pelo grupo foi "Vote pelo Coletivo e pelos Direitos Indígenas".
Desde as 6h30 até o início da noite, os comunicadores percorreram os pontos de votação ouvindo os indígenas sobre seus anseios e reivindicações, acompanhando o momento democrático e repassando informações.
A Rede Wayuri já tinha trabalhado na cobertura de outras eleições. Mas essa foi a primeira vez que foram divulgadas informações ao vivo, com a produção para o Instagram e WhatsApp. Conhecedores indígenas, famílias, jovens, idosos, pessoas de várias idades e etnias foram ouvidas.
Algumas entrevistas podem ser conferidas no Instagram da Rede Wayuri:
Por volta das 19h30, a comunicadora Juliana Albuquerque, do Povo Baré, encerrou os trabalhos repassando numa transmissão ao vivo pelo Instagram o resultado parcial das eleições para presidente em frente ao Cartório Eleitoral.
No município, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ficou à frente, com 79,12% dos votos, enquanto Jair Bolsonaro (PL) recebeu 17,52% dos votos. Em seguida vieram Simone Tebet (MDB), com 1,97%, e Ciro Gomes (PDT), com 0,83%, seguidos dos demais candidatos. O índice de abstenção foi de 32,47%.
Além de Juliana Albuquerque e Álvaro Socot, também integraram a equipe que cobriu as eleições em São Gabriel da Cachoeira o comunicador Adelson Ribeiro, Tukano, e Emerson Chaves de Oliveira, Baré. Os comunicadores Ray Baniwa e Cláudia Ferraz, do Povo Wanano, fazem parte da Rede desde a sua criação e atuaram à distância. Os trabalhos foram feitos com o apoio da fotógrafa e web designer Raquel Uendi.
“Foi muito importante participar da cobertura, ouvir os eleitores, saber o desejo deles. Pelo que percebi, todos que entrevistamos querem que o país melhore. Mas não é só um desejo individual, é sempre pensando no coletivo”, observou o comunicador Adelson Ribeiro.
Essa é a primeira cobertura de eleições que ele participa. Na opinião dele, um dos pontos marcantes foi ouvir os jovens. “A gente percebeu que a juventude quer mudanças”, disse. Os jovens ouvidos reivindicaram, entre outros pontos, a melhoria do acesso às universidades e à educação em geral.
Para a comunicadora Cláudia Ferraz, “as eleições são importantes porque é um momento em que todos vão às urnas para depositar o seu voto de confiança e escolher candidatos que de fato possam representar a população”, refletiu. Nas eleições municipais de 2020, ela entrevistou os candidatos a prefeito de São Gabriel da Cachoeira junto com a comunicadora Daniela Villegas, do povo Yebamasã.
Cláudia Wanano e Juliana Baré são as locutoras do programa de rádio Papo de Maloca, que vai ao ar semanalmente na FM local. Em seguida, o programa é editado e fica disponível em plataformas de áudio como o podcast Wayuri.
Votação
Ainda bem cedo, logo ao chegar ao Colégio São Gabriel — um dos pontos de votação na sede do município —, Juliana já se atentou para os folhetos impressos pela Justiça Eleitoral com a “cola”, ou seja, espaços em branco para os eleitores anotarem os números de seus candidatos.
A comunicadora pegou o folheto e repassou a informação pelo Instagram, prestando um serviço para evitar uma questão que foi enfrentada durante o dia todo: em vários pontos do país, inclusive em São Gabriel, foram registradas longas filas. Os próprios comunicadores tiveram que esperar cerca de duas horas para votar.
Em São Gabriel da Cachoeira, a eleição tem características especiais: são 33 pontos de votação, sendo cinco na área urbana e 28 em comunidades.
Dos 32.106 eleitores, 17.725 (55,2%) votam na área urbana e 14.381 (44,7%) em comunidades. Entre as comunidades, Iauaretê (2.764 eleitores) e Pari-Cachoeira (1.028) são as que têm maior número de eleitores.
Para levar as urnas até esses pontos é necessária uma logística que envolve veículos, barcos e aeronaves. A distribuição é organizada pela Justiça Eleitoral de São Gabriel. Mas alguns indígenas precisam sair de suas comunidades para votar em São Gabriel da Cachoeira.
É o caso dos Yanomami que vivem na comunidade Maiá. Eles enfrentaram cerca de três dias de viagem em voadeiras — pequenas embarcações a motor — da comunidade até a sede do município.
No território do Rio Negro, onde a Rede Wayuri atua, são cerca de 23 povos vivendo em 750 comunidades e sítios em área dos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos.
E, mesmo com limitações de acesso à internet, chegaram informações de algumas comunidades. Em Tunuí-Cachoeira, na Bacia do Rio Içana, houve a participação do comunicador Plínio Guilherme, Baniwa. Na comunidade de Nazaré, também na região do Içana, Therezinha Evangelista, Baré, acompanhou a votação.
Passando para o Rio Uaupés, na comunidade de Taracuá, o comunicador Irinelson Piloto Freitas, Tukano, acompanhou a chegada das urnas, os preparativos e a votação. Também foram encaminhadas notícias do território Yanomami, da comunidade Maturacá, onde o comunicador Valdemar Lins mora.
Da cidade de Barcelos, a comunicadora Neide Dantas também mandou informações. Nilza Pinheiro, da Associação Indígenas de Barcelos (Asiba), mostrou um grupo de Yanomami recebendo informações sobre como votar na urna eletrônica.
Os comunicadores também atuam combatendo fake news. Informações duvidosas são compartilhadas no WhatsApp dos comunicadores para que seja feito o devido esclarecimento sobre a veracidade do dado. Em seguida, a informação correta é passada adiante.
Em maio, a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas recebeu o Prêmio Estado de Direito 2022, do World Justice Project (WJP), na cidade de Haia, na Holanda, durante o Fórum Mundial de Justiça 2022. A rede foi reconhecida pela inovação e o combate à desinformação na Amazônia brasileira.
Além disso, a Rede foi reconhecida pelo Repórteres Sem Fronteiras (RSF) por seu trabalho durante a pandemia. Durante o ano de 2022, a organização promoveu oficinas e intercâmbios que fortaleceram a atuação da Rede Wayuri, o que se refletiu na cobertura eleitoral.
Povos indígenas nas eleições
Esta eleição é considerada histórica especialmente para os povos indígenas. Frente aos ataques e à ameaça de retirada de direitos,os povos indígenas, por meio de suas federações e associações, se organizaram no movimento “Aldear a Política”, buscando aumentar a sua representatividade nas Casas Legislativas.
Nesta eleição, cinco pessoas autodeclaradas indígenas foram eleitos para a Câmara dos Deputados, entre eles se destaca Sônia Guajajara, que foi eleita pelo PSOL de São Paulo e recebeu 156.966 votos. Já a professora indígena Célia Xakriabá foi eleita pelo PSOL de Minas Gerais, com 101.154 dos votos. Ambas tiveram o apoio do movimento indígena e se alinham às pautas coletivas defendidas pelo movimento.
Buscando atuar no fortalecimento do Estado de Direito e pelos direitos dos povos indígenas, a Rede Wayuri abordou o tema da eleição durante o ano todo, principalmente a partir de julho. Foram convidados para participar do programa Papo da Maloca pessoas que deram esclarecimentos sobre o processo eleitoral, como a Defensora Pública do Polo Alto Rio Negro, Daniele Mascarenhas.
Também foi abordado o tema "Juventude e Mulheres nas Eleições 2022", com a presença de uma das coordenadoras do Departamento de Mulheres Indígenas da Foirn (Dmirn), Dadá Baniwa, e do coordenador do Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas da Foirn, Elson Kene. Foi feito um programa especial sobre Eleições e Pessoas com Deficiência, com a participação do chefe do Cartório Eleitoral, Renato Crespo.
O comunicador Ray Baniwa, mestrando da UFRJ e comunicador da Rede Wayuri, escreveu sobre o tema “Eleições e primeira infância”, em projeto selecionado pelo coletivo Nós, mulheres da periferia.
Na quarta-feira (28/9) que antecedeu o primeiro turno foi realizado o Papo da Maloca – Especial Eleição 2022 com a presença da também coordenadora do Dmirn, Belmira Melgueiro, do povo Baré, e da coordenadora do Departamento de Educação e Patrimônio Cultural da Foirn, Lorena Araújo, do povo Tariano, que falaram sobre a importância do voto e de se informar bem sobre os candidatos.
Renato Crespo retornou ao Papo da Maloca para dar as últimas orientações sobre as eleições, com destaque para dois pontos: não levar celular para a cabine de votação e prestar atenção ao horário, pois neste ano, no Amazonas, os pontos de votação ficaram abertos das 7h às 16h, não havendo alteração devido ao fuso.
Uma das últimas pessoas a ser entrevistada pela Rede Wayuri no domingo de eleição foi Elza Tenório Vieira, indígena do povo Tukano, que não conseguiu votar justamente por causa do horário. Ela chegou às 16h30, levando sua filha cadeirante, mas os portões já estavam fechados.
“Eu venho nesse horário, sempre, para evitar o sol forte por causa da minha filha. Queria muito votar, ver meu candidato ganhar”, disse. No segundo turno, ela irá votar. E a Rede Wayuri estará, novamente, acompanhando as eleições 2022!