III Marcha das Mulheres Indígenas reuniu 8 mil pessoas e chegou ao fim com o compromisso do governo federal por ações específicas de combate à violência nos territórios
Foi com o apelo pelo fim da violência contra as mulheres indígenas e por mais candidaturas de mulheres indígenas que, na última semana, entre os dias 11 e 13 de setembro, cerca de 8 mil mulheres indígenas, do Brasil e do mundo, ocuparam as ruas de Brasília na III Marcha das Mulheres Indígenas.
Organizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), a mobilização acontece desde 2019 com o objetivo de conectar, fortalecer, debater e propor formas de atuação, além de promover a igualdade de gênero, a defesa dos direitos e a preservação das culturas indígenas.
Neste ano, a Fundação Nacional das Artes (Funarte) foi o local escolhido para receber as mulheres indígenas que se deslocaram à capital brasileira.
A mobilização chegou ao fim com um ato até a Esplanada dos Ministérios, seguido da assinatura de um compromisso entre o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Ministério das Mulheres de implementar políticas públicas focadas nas mulheres indígenas, visando sua proteção e fortalecimento, dentro e fora de seus territórios.
Estavam presentes a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara; das Mulheres, Cida Gonçalves; do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva; da Igualdade Racial, Anielle Franco, e da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, além de representantes do Ministério da Cultura.
Entre os acordos assinados durante a mesa final está o programa Guardiãs do Território, que tem como objetivo formar lideranças femininas e auxiliar no enfrentamento à violência contra as mulheres nos territórios indígenas. Segundo a ministra Sonia Guajajara, para garantir sua eficácia o programa deverá ser posto em prática em parceria com órgãos estaduais de proteção às mulheres.
A segunda ação anunciada tem como palco a Reserva Indígena de Dourados, no Mato Grosso do Sul. Segundo dados do Censo 2022, a área reservada para os povos Guarani e Terena possui uma densidade demográfica de 393,46 habitantes por quilômetro quadrado, superando em mais de três vezes a de Campo Grande, capital do estado em que está localizada.
A medida estabelece a implementação da primeira Casa da Mulher Brasileira na cidade em que a reserva está localizada. Segundo o anúncio de Cida Gonçalves, do Ministério das Mulheres, “haverá mulheres indígenas e, preferencialmente, profissionais de saúde indígenas, atendendo as mulheres, conforme já pactuado com a prefeitura e com o governo estadual”. A ministra também se comprometeu a levar a proposta para os seis biomas brasileiros.
“Só isso não basta. É necessário ter a Casa da Mulher Indígena nos biomas, nos territórios onde estão as mulheres. Para isso, vamos fazer seis encontros para discutirmos junto com vocês, lá nos biomas, o que será a Casa da Mulher Indígena; que tipo de atendimento tem que ser feito. Ao mesmo tempo, vamos discutir, aqui, com o Ministério dos Povos Indígenas e com o Congresso Nacional, o projeto de lei que coloca as mulheres indígenas na Lei Maria da Penha. Vamos construir isso, para termos uma política de enfrentamento à violência contra as mulheres indígenas”
A marcha até o Congresso Nacional
Foi com o canto de mulheres indígenas dos seis biomas brasileiros e do mundo que cerca de 8 mil pessoas marcharam rumo ao Congresso Nacional pedindo o fim de propostas que colocam em risco a existência dos povos indígenas.
Uma delas, o Projeto de Lei 2903/2023, já aprovado na Câmara dos Deputados e que deve ser votado pelo Senado, além de abarcar a tese do marco temporal, também coloca em risco o usufruto exclusivo dos povos indígenas ao seu território, ao estabelecer que ele não deve se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional, entre outras diversas propostas anti-indígenas.
A tese do marco temporal que será julgada no Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima quarta-feira (20), por sua vez, também foi pauta durante a Marcha, principalmente para o povo indígena Laklãnõ Xokleng, da Terras Indígena Ibirama-La Klãnõ que está no centro do julgamento.
Para a Txulunh Gakran, integrante da Juventude Xokleng luta contra o marco temporal não está restrita ao povo Xokleng e tampouco apenas aos povos indígenas. Ela aponta que os povos indígenas são essenciais para a manter as florestas em pé, os rios vivos e a vida no planeta funcionando. “É necessário que todos entendam que a nossa luta é a mesma luta de todos”, conclui.
Sobre o marco temporal, ela destaca que a tese coloca em risco principalmente aqueles povos que ainda não têm o seu território demarcado e estão em um processo de retomada.
“E é exatamente o que a gente tá vivendo, temos um limite de território demarcado, mas estamos buscando a ampliação e a gente vive esse constante conflito por conta da não demarcação. E é exatamente isso que acontece, quanto mais o processo demora, mais as nossas vidas são ameaçadas, mas a gente só vive violações e menos direitos a gente tem acesso”
Esse, por exemplo, é o caso da Terra Indígena Votouro/Kandóia, onde Cleci Pinto, do povo Kaingang vive. A TI está localizada nos municípios de Faxinalzinho e Benjamim Constant do Sul, no Rio Grande do Sul e aguarda há 14 anos pelo seu processo de demarcação. Enquanto isso não acontece, o povo Kaingang segue enfrentando uma série de conflitos e violências dos agricultores locais.
Para Cleci Pinto, a tese do marco temporal afeta muito as reivindicações do povo Kaingang. “Ela acaba com a gente”, desabafa. “Essa tese passando, é mais um ponto para esses agricultores”, avalia.
Delegação de mulheres indígenas do mundo
Para somar a luta das mulheres indígenas brasileiras, indígenas de 18 povos representando o movimento indígena da Malásia, África, Uganda, Estados Unidos, Peru, Quênia, Nova Zelândia, Bangladesh, Rússia, Indonésia, Guatemala e Finlândia, também marcaram presença na III Marcha.
Rosalee Gonzalez, do povo Xicana-Kickapoo e coordenadora da região norte da Continental Network of Indigenous, Women (ECMIA), uma organização continental composta por 23 organizações nacionais de mulheres indígenas em 19 países, era uma das mulheres indígenas integrantes da delegação internacional.
“Estamos aqui porque também compartilhamos as lutas.”, apontou. “Sabemos que a atenção a uma comunidade não é a atenção a todas as comunidades. E assim entendemos a diversidade dos povos indígenas em um país. Então estamos aqui para nos solidarizarmos com as mulheres indígenas que estão se organizando aqui hoje, para apoiar todos os que não têm voz. Estamos aqui para apoiar todos aqueles que se tornaram invisíveis”, afirmou.