Território do povo Munduruku é quarta área declarada na atual gestão Lula e um dos mais pressionados e ameaçados pelo garimpo no país
Texto atualizado em 26/9/2024, às 19:43
*Com a colaboração de Luiza de Souza Barros
Na tarde desta quarta (25/9), o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, assinou a portaria declaratória da Terra Indígena (TI) Sawré Muybu (PA), com pouco mais de 178 mil hectares, o equivalente a aproximadamente 255 mil campos de futebol.
Agora declarada de posse permanente do povo Munduruku, a área fica na região dos municípios de Itaituba e Trairão, no sudoeste do Pará, um dos epicentros do garimpo ilegal na Amazônia (veja mapa abaixo). A TI é uma das mais pressionadas e ameaçadas no país pela mineração ilegal, o desmatamento e o roubo de terras públicas.
“Foi uma luta e tanto, de tantas ‘autodemarcações’. Foi muita pressão no próprio MJ [Ministério da Justiça], na Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], de ocupação, de dizer que o território era nosso”, comemorou emocionada Alessandra Korap, liderança do povo Munduruku, num post nas redes sociais.
Em função da demora no reconhecimento oficial da área, nos últimos anos os próprios indígenas realizaram “autodemarcações” com o objetivo de pressionar o governo a seguir com o processo administrativo formal.
“É um momento histórico! Agora, a terra é de vocês”, disse Lewandowski, logo após assinar a portaria, ao lado de dez lideranças indígenas em Brasília. O ministro ressaltou que a medida é importante para proteger a TI dos criminosos.
“O ato de hoje tem um aspecto ainda mais relevante porque estamos falando de uma localidade que, nos últimos anos, infelizmente, se tornou símbolo do garimpo ilegal e da extração ilegal de madeira. O garimpo ilegal também tem impactado a região com a contaminação por mercúrio, afetando, principalmente, mulheres e crianças”, afirmou.
A portaria declaratória é um dos passos mais importantes do processo de demarcação. Agora, os limites da TI poderão ser demarcados fisicamente, em seguida homologados pelo presidente da República e, afinal, registrados em cartório, cumprindo todo o rito administrativo.
Esta é a quarta portaria assinada pela pasta da Justiça na gestão atual de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência. No início do mês, Lewandowski havia declarado as TIs Apiaká do Pontal e Isolados (MT), Maró e Cobra Grande (PA). Antes disso, o último ato desse tipo havia sido publicado em 2018, no governo de Michel Temer. Já o próprio Lula assinou os decretos de homologação de outros dez territórios.
O povo Munduruku espera pela demarcação há quase 20 anos. Ela foi iniciada pela Funai em 2007. A definição dos limites foi feita em 2016 e a TI estava pronta para ser declarada desde 2019, mas o processo foi paralisado em meio à suspensão geral dos procedimentos demarcatórios determinada por Jair Bolsonaro.
Garimpo e desmatamento
Nos últimos anos, a TI Sawré Muybu sofreu com o desmatamento, fruto sobretudo do garimpo. A aprovação dos limites, em 2016, ajudou a diminuir as invasões, mas a situação voltou a piorar no governo Bolsonaro. Além de seguir defendendo o garimpo ilegal, fazer vista grossa às invasões de áreas protegidas e paralisar as demarcações, na época a administração federal sabotou e esvaziou as operações de fiscalização ambiental na Amazônia.
A Floresta Nacional de Itaituba II, uma Unidade de Conservação federal, está sobreposta a aproximadamente 85% da extensão da TI Sawré Muybu, mas nem isso foi suficiente para conter a ação de garimpeiros e madeireiros.
Em sintonia com a evolução da taxa geral do desmatamento na Amazônia, a devastação na TI saltou de 25 hectares, em 2018, para 146 hectares, em 2020, um crescimento de 484%. Dos 1,8 mil hectares destruídos até hoje no território indígena, cerca de 27% foram devastados no governo Bolsonaro, entre 2019 e 2022.
Em 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, visitou a região em meio a uma operação de fiscalização contra os invasores dos territórios indígenas. Ele foi recebido em Jacareacanga por líderes do garimpo e fez declarações defendendo a legalização da atividade. Em 2022, por sua vez, os garimpeiros foram recebidos no Palácio do Planalto, junto com políticos locais, para discutir o mesmo assunto.
As condições para o aumento da violência contra as lideranças indígenas estavam criadas. Em março de 2021, a Associação de Mulheres Indígenas Munduruku (Wakomborum), em Jacareacanga, na mesma região, foi depredada, queimada e saqueada. Em maio do mesmo ano, a casa da Maria Leusa Kaba Munduruku, coordenadora da Wakomborum, foi incendiada. Maria Leusa denunciava a ação dos garimpeiros e o crime foi uma retaliação a uma operação de fiscalização feita contra eles dias antes.
Para se ter uma ideia dos impactos do garimpo, um compilado de pesquisas realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2021, concluiu que 60% da população na TI Sawré Muybu estava contaminada com níveis de mercúrio acima do estipulado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Obras de infraestrutura
A demarcação pode ter repercussões ainda incertas no andamento de obras de infraestrutura prioritárias para o governo federal. Desde os anos 2010, os Munduruku resistem aos projetos de instalação de hidrelétricas na região. Em função de sua luta, o licenciamento da usina de São Luís do Tapajós chegou a ser arquivado pelo Ibama. Neste ano, porém, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aceitou um pedido da Eletrobrás para retomar o empreendimento.
Mais recentemente, os indígenas lutam para ser consultados adequadamente sobre a construção e os impactos socioambientais da ferrovia Ferrogrão, entre Sinop (MT) e Itaituba (PA). Em julho, as organizações Munduruku retiraram-se, em protesto, do Grupo de Trabalho criado pelo governo para discutir o empreendimento. Elas alegam que o governo avançou nos estudos sobre a obra e a Aneel a incluiu nos leilões que serão realizados em 2025 sem consultá-los.