Planalto envia projeto de lei e Medida Provisória ao Congresso com redação alternativa a vetos

No final da manhã desta sexta (8/8), no último dia do prazo, o governo anunciou os vetos ao Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que cria uma lei nacional do licenciamento ambiental. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou alguns retrocessos importantes, tentando chegar a um meio termo para o novo texto da lei, mas a maior parte da redação aprovada pelo Congresso está mantida.
De quase 400 dispositivos, 63 foram vetados completa ou parcialmente. Desse total, 26 itens foram simplesmente excluídos. Para o restante, o governo encaminhou um projeto de lei com urgência constitucional e uma Medida Provisória (MP) com efeito imediato prevendo uma redação alternativa.
A nova legislação já está valendo, mas os vetos ainda serão analisados pelo Congresso, e não há prazo para isso acontecer.
Desde a aprovação inicial na Câmara, em 2021, a proposta foi considerada por pesquisadores, Ministério Público Federal, sociedade civil e movimentos sociais o maior retrocesso ambiental em mais de 40 anos no país. O projeto foi apelidado de “PL da Devastação” e a “mãe de todas as boiadas” em função da gravidade dos seus possíveis impactos.
O anúncio dos vetos foi feito no Palácio do Planalto sem a presença de Lula, que está em viagem no Acre. Do primeiro escalão do governo, estavam presentes a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o ministro da Secretaria de Comunicação, Sidônio Palmeira.

Licença Especial
Em uma medida polêmica, o Palácio do Planalto manteve a proposta que é considerada um dos principais retrocessos do PL: a Licença Ambiental Especial (LAE), que permite acelerar a autorização de empreendimentos considerados “estratégicos” pelo governo. O procedimento abre caminho à simplificação e aceleração do licenciamento por pressão política.
A MP enviada ao Legislativo trata desse assunto, prevendo um novo texto. Com isso, o mecanismo passa a valer desde já. Na coletiva de imprensa onde os vetos foram anunciados, os representantes do governo consideraram o instrumento como uma “inovação positiva”.
A nova redação assegura que a LAE terá um rito acelerado, com prazo de conclusão de até um ano, após a apresentação do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima) do empreendimento. Por outro lado, o processo não poderá ser realizado obrigatoriamente em apenas uma etapa, conforme a redação aprovada pelo Legislativo.
“O ‘estratégico’ não tem a ver com analisar só para dizer ‘sim’. Tem a ver com analisar também para dizer ‘não’. É possível que alguma coisa que você considere estratégica numa situação complexa a gente possa dizer que não tem mais como ser viável”, afirmou Marina Silva.
Ela disse que esse tipo de empreendimento não será “fulanizado” e que a qualidade de seu licenciamento não fica comprometida com a proposta do governo. Questionada sobre os impactos da nova redação, a ministra garantiu que as metas de redução do desmatamento apresentadas pelo Brasil nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas também estariam preservadas.
“O texto da MP não resolve todos os problemas da LAE. Mesmo que o órgão ambiental defina quantas e quais etapas serão obrigatórias, ainda há margem para o assédio a esse órgão”, avalia a advogada do ISA Alice Dandara de Assis Correia. Ela considera que o problema será agravado em governos com menor sensibilidade ambiental.
O cálculo político sobre o tema foi um dos mais difíceis para o Planalto. O dispositivo foi incluído na nova legislação pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). O gesto de sancionar o mecanismo e antecipar sua vigência pode ser lido como uma deferência ao senador.
Embora já tenha imposto várias derrotas ao governo, o parlamentar é considerado um aliado importante. Ele vem resistindo ao “motim” bolsonarista ocorrido ao longo da semana para pressionar pela votação da anistia aos acusados pela tentativa de golpe de estado em 2023.
Na coletiva de imprensa no Planalto, a secretária-executiva da Casa Civil, Míriam Belchior, disse que a exploração de petróleo na Foz do Amazonas poderá ser discutida no conselho de governo que vai definir os empreendimentos que serão licenciados via LAE como qualquer outro (veja o vídeo da coletiva completo). Esse foi um dos motivos que teria levado Alcolumbre a propor a LAE no projeto.

Vetos
“Esses vetos asseguram que o licenciamento seja um instrumento de desenvolvimento com responsabilidade, mantendo critérios técnicos sólidos e o respeito à nossa Constituição”, afirmou Lula, já no início da noite, num post nas redes sociais. O presidente disse que os vetos protegem os direitos dos povos indígenas e das comunidades quilombolas e garantem segurança jurídica.
"Os vetos representam a demonstração de certo compromisso do governo com a proteção socioambiental, com toda a sociedade e com o combate às mudanças climáticas”, avalia Correia. “Mas ainda precisamos analisar com muita calma e atenção os vetos, o novo projeto de lei e a MP", continua.
A advogada explica que uma possível ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a nova lei ainda está sendo avaliada pelas organizações que acompanham o assunto mais de perto, reunidas no Observatório do Clima (OC).
Um dos dispositivos vetados mais preocupantes previa alterações na Lei da Mata Atlântica (11.428/2006), abrindo caminho para o desmatamento no bioma mais ameaçado do país. A proposta abria brechas para que qualquer município, mesmo sem estrutura técnica, plano diretor ou conselho de meio ambiente, pudesse autorizar o corte de vegetação.
Outro veto derrubou dispositivos que previam o autolicenciamento, a chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Por esse mecanismo, um empresário poderia obter a autorização para o seu negócio preenchendo um formulário na internet, sem nenhum estudo ou análise prévia do órgão ambiental.
De acordo com a proposta que será enviada ao Congresso, essa modalidade de licença não poderá abranger empreendimentos de médio impacto, mas apenas de pequeno impacto, conforme a jurisprudência do STF.
Também foram vetados os itens que excluíam das análises e medidas previstas no licenciamento as terras indígenas (TIs) e os territórios quilombolas cuja regularização não esteja concluída. Pela nova redação, enviada ao Congresso, as TIs com limites territoriais já propostos e os quilombos já certificados pela Fundação Cultural Palmares deverão ser levados em conta nos procedimentos.

“A alteração do texto avança em certa medida na defesa dos territórios indígenas e quilombolas, porém continua indo em direção contrária às decisões já proferidas pelo Supremo”, ressalva Correia. “O STF é explícito ao definir que o ato de demarcação de terras indígenas é meramente declaratório e que seus direitos são pré-existentes ao procedimento administrativo”, completa.
O dispositivo que excluía do licenciamento Unidades de Conservação (UCs) que sofressem impactos indiretos de obras e atividades econômicas também foi vetado.
Da mesma forma, foram derrubados pontos que restringiam o poder dos órgãos responsáveis por essas áreas protegidas sobre as licenças. Pela nova redação proposta pelo Planalto, os pareceres da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por exemplo, deverão ser obrigatoriamente considerados (saiba mais no quadro abaixo).
Expectativa
Ainda durante a tramitação no Congresso, criou-se grande expectativa sobre o veto. Ao longo dos últimos meses, ficaram cada vez mais explícitas as divergências na gestão federal.
As ministras do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, Marina Silva e Sonia Guajajara, defenderam um veto amplo, enquanto ministros como Rui Costa (Casa Civil), Renan Filho (Transportes), Carlos Fávaro (Agricultura) e Alexandre Silveira (Minas e Energia) deram várias manifestações favoráveis ao PL.
O cenário mais pessimista traçado por algumas organizações ambientalistas era o de vetos pontuais, considerando a correlação de forças políticas desfavorável tanto no Congresso como no governo. Afinal, os cortes no texto foram maiores.
Outra expectativa é de que o Congresso não apenas derrube a maior parte dos vetos quanto de que haverá pressão sobre Alcolumbre para pautar o assunto rapidamente. A proposta aprovada inicialmente na Câmara, em 2021, e depois chancelada pelo Senado e (mais uma vez) pela Câmara foi concebida pela bancada ruralista e apoiada por bolsonaristas e pelo Centrão.
Na coletiva no Planalto, Marina Silva e outros representantes do governo insistiram que a sanção da maior parte do projeto representava um consenso com o Congresso e que, agora, com o novo projeto e a MP, o diálogo seguiria com o Legislativo.
“Quanto à perspectiva de derrubada dos vetos, o processo legislativo prevê essa possibilidade, mas a gente trabalha para que não ocorra. Trabalha para que haja a construção de um consenso, um diálogo com o Congresso, porque isso é o que vai permitir uma legislação sólida, harmônica e vai evitar a judicialização”, salientou Gustavo Ponce de Leon Soriano Lago, secretário-executivo da Secretaria de Relações Institucionais.
Veja quais são os principais vetos ao "PL da Devastação"
Licença Ambiental Especial. A nova redação proposta assegura que a LAE terá um rito acelerado, com um prazo para sua conclusão de até um ano, após a apresentação do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima). Por outro lado, o processo não poderá ser realizado obrigatoriamente em uma etapa, conforme a redação aprovada pelo Legislativo, mas será definido pelo órgão ambiental.
Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Se aplica apenas para empreendimentos de baixo potencial poluidor. Foi vetada a ampliação para atividades de médio potencial poluidor.
Estados e municípios. Foram vetados dispositivos que transferiam de forma ampla a cada ente federado a responsabilidade por estabelecer critérios e procedimentos de licenciamento — como porte, potencial poluidor, tipologias sujeitas a licenciamento, modalidades específicas de licenças e atividades passíveis de LAC. Com a redação do governo, terão de seguir parâmetros mínimos nacionais.
Mata Atlântica. Foram vetados os dispositivos que retirariam a proteção especial prevista na Lei da Mata Atlântica em relação à supressão de floresta nativa.
Povos indígenas e comunidades quilombolas. Foram vetados os dispositivos que restringiam a participação dos órgãos responsáveis pela proteção de povos indígenas e comunidades quilombolas no licenciamento ambiental, bem como não vinculava a sua manifestação ao resultado. Também foram vetados os itens que excluíam das análises e medidas previstas no licenciamento as terras indígenas (TIs) e os territórios quilombolas cuja regularização não esteja concluída. Pela nova redação, enviada ao Congresso, as TIs com limites territoriais já propostos e os quilombos já certificados pela Fundação Cultural Palmares deverão ser levados em conta nos procedimentos.
Cadastro Ambiental Rural (CAR). Vetada a proposta que dispensa o licenciamento ambiental para produtores rurais com CAR ainda pendente de análise pelos órgãos
ambientais estaduais. Será necessária a análise do cadastro ou a elaboração de um termo de conduta com o produtor rural.
Condicionantes ambientais. Foi vetado dispositivo que limitava a aplicação de condicionantes ambientais e medidas compensatórias apenas aos impactos
diretos, excluindo os impactos indiretos ou os efeitos sobre serviços
públicos agravados pela implantação do empreendimento. As condicionantes, no entanto, precisarão ter uma relação “direta” com o dano ambiental.
Unidades de Conservação. Vetado artigo que retirava o caráter vinculante
de manifestação de órgãos gestores dessas áreas no licenciamento de empreendimentos que afetem diretamente a unidade ou sua zona de amortecimento.