“Saímos daqui esperançosos, porém, atentos e vigilantes”, avaliou Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da articulação; reunião com o presidente e ministros aconteceu durante marcha do 20° ATL


Indígenas no 20° ATL criticam decisão do ministro Gilmar Mendes, que propôs negociação para debater a demarcação de Terras Indígenas, um direito constitucional dos povos indígenas|Lucas Landau/ISA
Em reunião nesta quinta-feira (25/04) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, lideranças indígenas de todas as regiões do país apresentaram a carta com 25 reivindicações do movimento indígena aos Três Poderes, sendo 19 demandas direcionadas ao Executivo. Os indígenas pediram o avanço na demarcação das Terras Indígenas, o fortalecimento dos órgãos indigenistas e maior empenho do Executivo para conter a agenda anti-indígena no Congresso Nacional.
O encontro aconteceu enquanto uma grande marcha de mobilização do Acampamento Terra Livre (ATL) percorreu as ruas de Brasília até o Palácio do Planalto. Mais de 9 mil indígenas de diferentes povos e territórios se manifestaram pela demarcação das Terras Indígenas e contra a tese ruralista do Marco Temporal.
Nos cartazes, haviam mensagens criticando a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que suspendeu ações que questionavam a Lei 14.701/2023 e propôs a negociação para debater a demarcação de Terras Indígenas. (leia mais sobre a marcha abaixo)


“Saímos com encaminhamentos concretos”, afirmou ao Instituto Socioambiental (ISA) Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Tuxá disse que o presidente se comprometeu com a questão das demarcações, especialmente das Terras Indígenas (TIs) Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, que têm ações na Suprema Corte.
“Aproveitamos para reforçar pra ele [presidente Lula] tratar, de fato, com o Gilmar Mendes, toda a política de demarcação e o entendimento do Supremo sobre a pauta. Saímos daqui esperançosos, porém, atentos e vigilantes”, avaliou Dinamam.
Participaram da reunião com o presidente a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, o ministro Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência, e a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana.
Força-tarefa por homologações
O presidente Lula determinou a criação, em duas semanas, de uma força-tarefa governamental para sanar problemas “jurídicos e políticos” relacionados à demarcação das Terras Indígenas. A equipe será liderada pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e composta pela Secretaria-Geral da Presidência da República, pela Advocacia Geral da União (AGU) e pelos Ministérios da Justiça (MJ) e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).
A prioridade são as quatro Terras Indígenas cotadas para homologação mas que não foram assinadas no último dia 18 de abril por problemas com a ocupação de não-indígenas em algumas das áreas, de acordo com o governo.

São elas: Xukuru-Kariri, do povo Xukuru-Kariri, em Palmeira dos Índios (AL); Morro dos Cavalos, dos povos Guarani Mbya e Guarani Nhandeva, em Palhoça (SC); Toldo Imbu, do povo Kaingang, em Abelardo Luz (SC); e Potiguara de Monte-Mor, do povo Potiguara, em Marcação (PB) e Rio Tinto (PB).
Sobre as outras 247 TIs que ainda aguardam a finalização do procedimento demarcatório, o ministro Macêdo afirmou que a força-tarefa iniciará um “processo de diálogo” liderado pela ministra Sonia Guajajara e pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para discutir e encaminhar os problemas de cada caso.
Dinamam Tuxá, da Apib, destacou que essa era uma reivindicação do movimento indígena para “destravar” as demarcações, “não só das quatro terras, não só das 25 terras que estão com a portaria declaratória para serem declaradas, mas sim que haja uma força-tarefa para que, de uma vez por todas, consigamos superar a política de demarcação de Terras Indígenas no país”, enfatizou.
Como ação imediata, Macêdo informou que o grupo pretende dialogar com o ministro Gilmar Mendes sobre as demarcações das TIs de Santa Catarina e com os governadores da Paraíba e de Alagoas sobre as TIs Xukuru-Kariri e Potiguara de Monte-Mor, ocupadas por não-indígenas. De acordo com Macêdo, o objetivo é “estabelecer o que tem que ser feito para resolver as quatro homologações”.
Questionado sobre o prazo para concluir esse processo, o ministro afirmou que não há como ser estabelecido. “A decisão do presidente é de enfrentar e de resolver, tanto na esfera jurídica quanto na esfera política. O nosso papel é cumprir a determinação do presidente nessas duas frentes. O tempo aí é a prática que vai dizer. Eu espero que seja o mais rápido possível”, falou.
Dinamam Tuxá, da Apib, disse ao ISA que a organização entende que o governo precisa cumprir o rito constitucional das demarcações, que já prevê uma fase para a contestação das partes interessadas, não havendo, portanto, a necessidade de promover consultas ou mediações com governadores.
“O presidente Lula assumiu aqui que de fato não são problemas jurídicos, são problemas políticos que precisam também ser enfrentados”, ponderou a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. “não se pode assinar as homologações desconsiderando toda a ocupação não indígena que há hoje dentro desse território”. A ministra disse que o MDA ficará responsável pelo reassentamento dos ocupantes dessas áreas.
Joenia Wapichana, presidente da Funai, reforçou que a autarquia continuará comprometida como executora das políticas indigenistas. “Estamos aqui para resguardar e para dar todos os subsídios e argumentos para que esses processos sejam defendidos em qualquer Instância [...] porque essa é uma responsabilidade do governo, do Estado brasileiro com os povos indígenas”, frisou.
Marcha indígena ocupa Brasília
Contando com mais de 9 mil indígenas de diversas partes do País, a segunda marcha do ATL foi marcada por cantos, danças e também por protestos em referência aos principais ataques aos direitos dos povos indígenas, como o Marco Temporal, as invasões aos territórios e as ameaças às lideranças.


Alessandra Munduruku, liderança indígenas da região do Médio Tapajós, no oeste do Pará, marchou até o Palácio do Planalto durante o 20° Acampamento Terra Livre (ATL)|Lucas Landau/ISA
Também estiveram presentes nas reivindicações dos manifestantes críticas à recente decisão do ministro Gilmar Mendes, que em essência prevê a negociação de direitos constitucionais dos povos indígenas.
“Estamos exigindo a demarcação dos nossos territórios”, afirmou Maria Leusa Kaba Munduruku, liderança da Associação de Mulheres Wakoborun, da Terra Indígena Mundurucu – homologada em 2004 . Ela fez menção à Terra Indígena Sawré Maybu, no Pará, uma das mais ameaçadas pelo garimpo ilegal e que ainda aguarda a portaria declaratória do Ministério da Justiça (MJ).
✊🏾🏹 Maria Leusa Kaba Munduruku, liderança da Associação de Mulheres Wakoborun, leva a luta das mulheres Munduruku à segunda marcha do #ATL2024! pic.twitter.com/P4OCen4B5L
— socioambiental (@socioambiental) April 25, 2024
Produzida com o apoio de Denilson Baniwa, do Alto Rio Negro (AM) para a identidade visual do ATL, uma grande “cobra do tempo” rastejou pela marcha, movimentada por dezenas de pessoas. A intervenção artística exaltava os 20 anos do Acampamento Terra Livre, celebrados nesta edição.
Durante a noite após a marcha, a delegação do povo Guarani das regiões Sul e Sudeste fizeram uma vigília em frente ao STF e, em seguida, publicou uma carta aberta alertando a Corte sobre os riscos da Lei 14.701/2023 e criticando a decisão de Gilmar Mendes.
Reparação já!
Também nesta quinta, o povo Ava Guarani fez uma ocupação nas instalações do escritório da Itaipu Binacional, em Brasília, exigindo reparação pelas terras alagadas pela usina na década de 1980.
O ato pretendeu buscar compromisso com o diálogo em andamento na Câmara de Conciliação da Advocacia-Geral da União (CCAF/AGU), conforme determinado pelo STF no julgamento da Ação Cível Originária (ACO) 3.555.
Há um mês, as comunidades têm aguardado uma posição da direção da Itaipu Binacional em relação à proposta apresentada, que trata de uma reivindicação territorial construída de forma coletiva com todas as aldeias da região oeste do Paraná.
Após algumas horas de ocupação, as lideranças Ava Guarani obtiveram o compromisso de representantes da empresa de participar das reuniões de conciliação e ouvir a proposta das comunidades, garantindo assim um avanço no processo de diálogo e reparação pelas violações de direitos sofridas pelos Ava Guarani.
(Com informações da Comissão Guarani Yvyrupa)