Movimento indígena comemora a regularização dos territórios Pitaguary, Lagoa Encantada e Tremembé de Queimadas, mas lamenta demora na decisão
Em evento no Palácio do Planalto nesta quarta-feira (06/08), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou os decretos de homologação das Terras Indígenas Pitaguary, Lagoa Encantada e Tremembé de Queimadas ao lado da Ministra Sônia Guajajara, Joênia Wapichana, presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Secretária dos Povos Indígenas do Ceará, Juliana Alves Jenipapo Kanindé, e da Secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ceiça Pitaguary.

Todas no estado do Ceará, as TIs somam 4.238 hectares e são territórios tradicionais dos povos Tremembé, Jenipapo-Kanindé e Pitaguary. Os processos de demarcação das áreas demoraram em média 25 anos para serem finalizados.
O anúncio aconteceu ao mesmo tempo em que ocorre, em Brasília, a IV Marcha das Mulheres Indígenas, realizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e foi recebido com celebração pelo movimento. Com as novas assinaturas, o terceiro mandato do presidente homologou 16 Terras Indígenas, e o Ministério da Justiça declarou os limites de dez áreas. No entanto, a cobrança pelo cumprimento da promessa feita por Lula de homologar o máximo de TIs possíveis durante o seu mandato, segue intensa.
Segundo Cacica Irê, do povo Jenipapo Kanindé, atual Secretária dos Povos Indígenas do Ceará, a homologação dessas áreas foi fruto da parceria e da articulação do estado junto a Funai e MPI. Em novembro de 2023, a Funai, o Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) e a Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará (Sepince) assinaram um Acordo de Cooperação Técnica com o objetivo de realizar a demarcação física e o levantamento de benfeitorias instaladas por terceiros em quatro Terras Indígenas. Para além das áreas homologadas ontem, resta a homologação da Terra Indígena Tapeba, que também fazia parte do acordo. Para ela, a demarcação dessas TIs é muito significativa dentro de um estado que por tantos anos invizibilizou a presença desses povos.
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No Brasil existem 809 Terras Indígenas em diferentes estágios de reconhecimento. Dessas, 521 áreas já estão com o processo finalizado, sendo que o restante ainda está em alguma das etapas do processo de demarcação. São 265 TIs com processo em andamento na Funai, 65 delas, aguardam apenas a homologação pelo presidente Lula. No processo administrativo de demarcação de Terras Indígenas, a homologação pela presidência da República é um dos últimos passos, faltando apenas o registro no cartório.
"Essas demarcações sinalizam um avanço, mas o atual cenário é preocupante. São muitos retrocessos dos direitos indígenas, e o processo de demarcação vem sendo afetado com a aprovação da Lei do Marco Temporal", afirma Moreno Martins, coordenador do Programa Povos Indígenas no Brasil, do ISA.
No estado do Ceará, são 10 Terras Indígenas, totalizando agora cinco homologadas, uma declarada, uma delimitada, duas em estudo e uma Reserva Indígena em processo de regularização. A área total é de 21.648,00 hectares.
Contexto das três Terras Indígenas
A Terra Indígena Pitaguary, localizada nos municípios de Maracanaú e Pacatuba (CE) - zona metropolitana de Fortaleza, foi homologada com 1.731 hectares. Desde 2006, quando o MJSP assinou a Portaria Declaratória do território, o povo Pitaguary aguardava a conclusão do processo de demarcação, iniciado há 28 anos.
A luta pelo território é antiga, com registros de solicitações realizadas por lideranças do povo para que o governo tomasse providências contra os invasores do território ainda no século XIX. A TI Pitaguary teve o processo de demarcação física concluído em outubro de 2024, mas até esse marco, foi palco de muitos episódios de violência, entre eles, um ataque à Cacica Madalena, em 2018.
Do povo Jenipapo Kanindé, a Terra Indígena Lagoa Encantada, localizada em Aquiraz (CE), estava em processo de demarcação desde 1997 e aguardava a homologação há 14 anos. A área de 1.732 hectares, onde vivem 382 pessoas (IBGE, 2022), é casa da cacica Maria de Lourdes da Conceição Alves, a Cacica Pequena, tida como a primeira cacica mulher do país, uma referência da força feminina no movimento indígena.
Cacica Irê, filha de Cacica Pequena, reforçou a importância do movimento de mulheres nesse contexto. “Estamos muitos felizes em poder estar festejando um momento desses tão significativo na vida dos povos do Ceará dentro da nossa IV Marcha Nacional das Mulheres Indígenas”.
Comentou ainda sobre a necessidade da luta continuar pela homologação de outras TIs: "Nós temos fé e esperança que daqui para o final do ano o presidente Lula vai sancionar e homologar a Terra Indígena do povo Tapeba”, disse. “Afinal de contas, o povo Tapeba é muito merecedor de ter sua homologação do seu território, uma vez que foi o primeiro povo no estado do Ceará que fincou o pé e demarcou a luta dizendo 'nós existimos!', completou.

A lentidão do processo de demarcação se explica em parte por conta do conflito judicial envolvendo o Grupo Ypióca, que explorava recursos hídricos da Lagoa Encantada para irrigação de plantio de cana de açúcar. Uma filial ligada ao grupo recorreu judicialmente para anular o processo de demarcação. Em 2017, o Supremo Tribunal de Federal rejeitou recurso apresentado pela empresa e afirmou a validade do processo de demarcação.
Já no caso da Terra Indígena Tremembé de Queimadas, localizada em Acaraú (CE), a espera para a conclusão do processo de demarcação chegou a 20 anos. Agora, o povo Tremembé espera a regulação de outras duas TIs com processo em andamento: Tremembé de Almofala e Tremembé do Engenho.
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