Medidas foram anunciadas pelo Dia do Meio Ambiente, junto com dados de desmatamento e novo modelo de reconhecimento de territórios tradicionais
Nesta quarta (5/6), em cerimônia no Palácio do Planalto pelo Dia do Meio Ambiente, o governo fez um balanço de seus resultados e anunciou um conjunto de medidas na agenda ambiental, incluindo a criação de duas áreas protegidas. A maior parte dos anúncios foi sobre o lançamento de programas e alterações na estrutura de órgãos e instâncias oficiais (saiba mais no quadro ao final da reportagem).
Foram assinados os decretos de formalização do Monumento Natural das Cavernas de São Desidério (BA), com 16 mil hectares, e do Refúgio de Vida Silvestre do Sauim-de-Coleira, com 15,3 mil hectares, em Itacoatiara (AM). Um hectare corresponde mais ou menos à extensão de um campo de futebol.
A última vez que a administração federal criou Unidades de Conservação (UCs) foi em março. Com as duas anunciadas agora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva soma seis novas UCs e a ampliação de mais três, totalizando 607 mil hectares, em seu terceiro mandato.
O desempenho é considerado abaixo do esperado por organizações da sociedade civil e movimentos sociais, embora a tarefa de oficializar áreas protegidas tenha se tornado cada vez mais difícil nos últimos anos, em função da correlação de forças desfavorável no Congresso e dentro dos próprios governos.
Em off, uma fonte na gestão federal diz que os processos de instituição de novas UCs, de responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), estão sendo devolvidos à pasta pela Casa Civil, sob a justificativa de que não teriam sido feitas negociações para obter o aval dos governadores dos estados onde se pretende implementar a área - apesar de não existir nada na legislação prevendo isso. O mesmo tem acontecido no caso do reconhecimento das Terras Indígenas (TIs).
No evento no Palácio do Planalto, o presidente Lula defendeu as ações de conservação, mas admitiu que elas enfrentam resistência política. “Esses decretos todos foram muito aplaudidos aqui, mas vocês sabem que tem gente que fica com raiva quando a gente faz um decreto desses. Vocês sabem disso. Tem muita gente que acha que era preciso passar uma motosserra e acabar com essa floresta para plantar qualquer coisa”, afirmou.
Territórios tradicionais
Também foi anunciado o Decreto 12.046/2024 que altera a regulamentação da Lei de Gestão de Florestas Públicas (11.284/2006). Com a mudança, segundo o governo, será possível reconhecer os territórios de comunidades tradicionais em áreas públicas não destinadas, por tempo indeterminado, por meio de uma Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).
De acordo com o diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Garo Batmanian, o objetivo é desburocratizar o acesso ao direito à terra dessas populações. “Na realidade, a gente vai poder fazer a destinação [da terra] sem criar uma Unidade de Conservação para a comunidade poder usar”, explica.
A instituição de UCs é um procedimento que tende a ser mais complexo e demorado, exigindo estudos e audiências públicas, por exemplo. De outro lado, hoje, em geral, a CDRU é um instrumento que pode ser viabilizado mais rapidamente, para reconhecer direitos territoriais e de uso de recursos naturais para essas populações, mas de forma temporária e em áreas já destinadas, como Reservas Extrativistas e assentamentos de reforma agrária.
O secretário de Relações Internacionais e ex-presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Juarez Leitão, avalia a iniciativa positivamente. “Isso já precisava ter sido feito”, diz.
Ele ressalva, no entanto, que serão necessários cuidados e condições na aplicação da norma, sob o risco de as terras públicas irem parar nas mãos de grileiros. “Temos de ter cuidado, porque, muitas vezes, o governo dá destinação a uma área, mas você chega lá e tem uma fazenda dentro. Temos de saber onde está essa terra, principalmente onde está avançando a fronteira agropecuária”, salienta.
Leitão defende que haja uma gestão robusta dessas áreas, inclusive com participação e controle social das populações tradicionais e da sociedade civil, além de um bom sistema de informações e monitoramento.
Créditos de carbono
O decreto também regulamenta a geração e comercialização de créditos de carbono por meio de concessões florestais. Batmanian assegura que não será possível dar concessões a empresas em áreas ocupadas diretamente por populações tradicionais. Nesse caso, elas poderão realizar projetos por si próprias ou pela contratação de terceiros.
“Nas florestas públicas que não têm comunidades, poderemos fazer concessão [florestal], mas, nas florestas que têm comunidades, as comunidades vão ter seus direitos mais garantidos e vão poder receber créditos de carbono”, diz.
Juarez Leitão mostra-se mais preocupado em relação a esse ponto. Ele menciona que muitas comunidades estão sendo assediadas por empresas interessadas em desenvolver iniciativas de geração de créditos carbono florestal que acabam mostrando-se duvidosas ou fraudulentas.
“Se nessas áreas vier a acontecer isso, precisa ser uma coisa muito bem discutida, porque os projetos que estão sendo feitos por particulares têm sido danosos à população. Chegam prometendo um monte de coisas e não cumprem nada”, reclama.
O decreto prevê ainda que empresas que explorem a floresta em áreas próximas a comunidades tradicionais serão obrigadas a compartilhar benefícios com elas, por meio de “encargos acessórios” – ações de estímulo à pesquisa ou a construção de estradas, por exemplo, de acordo com o que for pactuado com essas populações.
Segundo o decreto, esses “encargos” terão como objetivo a “implementação dos programas e das ações previstos no plano de manejo da unidade de conservação objeto de concessão, o desenvolvimento socioeconômico dos povos indígenas e comunidades locais da região e o apoio às ações de proteção das unidades de conservação e dos territórios indígenas da região”.
O Senado pode votar a qualquer momento um projeto de lei que estabelece um mercado de créditos de carbono formal no país. A discussão da proposta tem gerado polêmica entre organizações da sociedade civil que acompanham o tema. Um dos pontos da controvérsia gira em torno justamente de como proteger os direitos de comunidades indígenas e tradicionais.
Plano de emergência climática
Em entrevista coletiva após a cerimônia, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, informou que um plano nacional de emergência climática continua sendo discutido dentro do governo. Ela não quis antecipar um prazo, mas disse que a proposta será encaminhada “em breve” ao presidente Lula.
Há expectativa sobre o anúncio de medidas concretas sobre o assunto em função da tragédia causada pelas enchentes no Rio Grande do Sul. O governador do estado, Eduardo Leite, estava presente no evento no Palácio do Planalto. Na terça (4), mais de um mês após o início do desastre, o Congresso conseguiu aprovar, afinal, um projeto que estabelece linhas gerais para os planos de adaptação climática no país.
A ministra não quis detalhar as ações previstas no plano do governo, mas informou que estão sendo discutidas possibilidades como a decretação de “emergência climática” em municípios e estados vulneráveis, modalidades de licitação simplificada, sistemas de alerta e rotas de fuga, manutenção de estoques de medicação e água potável, preparação de voluntários, entre outros.
“O certo é que há uma determinação de que possamos agir preventivamente”, acrescentou. "[Precisamos] sair da lógica da gestão do desastre para a lógica da gestão antecipada do risco", defendeu.
Marina mandou recados ao Legislativo. “Tem uma dinâmica própria do Congresso, que apresenta suas propostas. Mas também tem uma dinâmica da sociedade, que está sentindo na pele a ‘pedagogia da dor’, a ‘pedagogia do luto’. E não por acaso há uma grande mobilização da sociedade, querendo fazer compreender que não tem mais espaço para retrocessos”, comentou. “O homem legisla, mas a natureza não assimila”, continuou.
Ela disse esperar que o parlamento não tome medidas “dissonantes” contra o clima e o meio ambiente, diante do desastre no Sul do país. Marina acrescentou que acredita num compromisso dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de frear a tramitação de projetos antiambientais.
O governo vem sofrendo derrotas na agenda ambiental sistematicamente no Legislativo, com a tramitação de projetos do chamado “Pacote da Destruição”. Ambientalistas acusam a articulação política do Planalto de usar as propostas como moeda de troca para aprovar outras consideradas mais prioritários, como as da pauta econômica.
Em entrevista ao ISA, a secretária de Mudança Climática do MMA, Ana Toni, informou que os planos de adaptação climática setoriais – envolvendo temas como agricultura, infraestrutura e povos indígenas – também ainda estão sendo discutidos com ministérios e setores da sociedade. De acordo com Toni, eles devem ser formalizados até o fim do ano, por meio de uma resolução do Comitê Interministerial de Mudança Climática (CIM).
Desmatamento e queimadas
No balanço de ações feito no Planalto, Marina Silva anunciou a queda no desmatamento, entre janeiro e maio, em relação ao mesmo período do ano passado, na Amazônia e no Cerrado: de 40% e de quase 13%, respectivamente.
Em 2023, o ritmo da devastação já tinha desacelerado em quase 50% na Amazônia, mas aumentado em 43% no Cerrado, na comparação com o ano de 2022. Os dados são do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter) e não correspondem à taxa oficial de destruição da floresta, calculada por outro sistema, o Prodes.
Questionada se o novo dado sobre o Cerrado já poderia ser considerado uma tendência, a ministra foi cautelosa e classificou-o como uma “sinalização inicial”. “Ainda é cedo para dizer que isso é uma inflexão duradoura e constante na curva”, afirmou.
Marina contou que pretende formalizar uma lista de municípios com os maiores índices de desmatamento e prioridade em ações de fiscalização no Cerrado, a exemplo da que já existe para a Amazônia.
A ministra mostrou preocupação com o agravamento da seca e dos incêndios florestais no Pantanal e na Amazônia e relacionou o problema às mudanças climáticas. Ela comparou a o que poderá acontecer nos dois biomas, nos próximos meses, à situação no Rio Grande do Sul.
“O que nós estamos vendo, agora, em chuva no Rio Grande do Sul, e os efeitos dessa chuva, nós vamos ver em estiagem, provavelmente, na Amazônia e no Pantanal. E o que a gente tem como consequência em relação a desmoronamento, a perda de lavouras e tantas coisas associadas à chuva, nós vamos ter um fenômeno terrível, que são os incêndios e queimadas”, destacou.
A ministra disse ainda que irá precisar de recursos extraordinários para a contratação de brigadistas e ações de prevenção nas duas regiões. Na cerimônia no Planalto, o presidente Lula e Marina assinaram um Pacto pela Prevenção e Controle de Incêndios com governadores dos dois biomas.
Medidas anunciadas pelo governo no Dia do Meio Ambiente
Monumento Natural das Cavernas de São Desidério (BA), com 16 mil hectares.
Refúgio de Vida Silvestre do Sauim-de-Coleira, com 15,3 mil hectares, em Itacoatiara (AM).
Decreto que altera a regulamentação da Lei de Gestão de Florestas Públicas (11.284/2006). Regulamenta a comercialização de crédito de carbono em concessões florestais e o reconhecimento de direitos territoriais de comunidades tradicionais em terras públicas não destinadas por meio da Concessão de Direito Real de Uso (CDRU)
Pacto pela Prevenção e Controle de Incêndios com governadores do Pantanal e da Amazônia
Estratégia Nacional de Bioeconomia. Prevê a elaboração do Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia em até 90 dias, a partir da primeira reunião Comissão Nacional de Bioeconomia.
Programa Nacional de Conservação e Uso Sustentável dos Manguezais
Atualização da estrutura do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM). Acrescenta competências ao CIM, como a de aprovar o Plano Nacional de Mudança do Clima; institui subcomitê-executivo, coordenado pelo MMA, o subcomitê para a COP-30, coordenado pela Casa Civil, e três câmaras: de Participação Social, de Articulação Interfederativa e de Assessoramento Científico.
Programa Cidades Verdes Resilientes. Tem o objetivo de aumentar a resiliência das cidades diante dos impactos da mudança do clima, por meio da integração de políticas urbanas, ambientais e climáticas, estimulando práticas sustentáveis e a valorização dos serviços ecossistêmicos do verde urbano, priorizando regiões metropolitanas e os municípios com alta vulnerabilidade social e climática.
Abertura de processo de participação social na elaboração do Plano Clima por meio da plataforma Brasil Participativo
Contratação de 98 analistas para o MMA e SFB