Debate sobre política indigenista marcou evento de apresentação da nova edição, no Memorial dos Povos Indígenas

O livro Povos Indígenas no Brasil 2017-2022 foi lançado na sexta-feira (16/6), em Brasília, com a presença de autoridades e lideranças indígenas, representantes da sociedade civil e movimentos sociais.
Realizado no Memorial dos Povos Indígenas, o encontro contou com cerca de 200 pessoas, que assistiram a um debate sobre o tema 'Os retrocessos e a reconstrução da política indigenista' e ao documentário 'Povos Indígenas no Brasil'. (assista abaixo).
Esta é a 13ª edição do livro que, desde a década de 1980, busca ampliar a visibilidade da luta vivenciada pelos povos indígenas.
Retratando o período mais cruel pós-ditadura para indígenas no Brasil, a edição mais recente, em suas mais de 800 páginas, traz notícias, imagens históricas e mais de 100 artigos que abordam temas como políticas públicas, legislação, demarcação de Terras Indígenas, pressões e ameaças, desenvolvimento econômico e político, educação, saúde pública, cultura e muito mais.
Para o debate, o encontro recebeu Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); Marcos Kaingang, diretor de Mediação de Conflitos do Ministério dos Povos Indígenas (MPI); Lucia Alberta, diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai; Samara Pataxó, assessora-chefe de Inclusão e Diversidade no Tribunal Superior Eleitoral; e Márcio Santilli, sócio-fundador do ISA.
O ministro Luís Felipe Vieira de Mello, do Superior Tribunal do Trabalho, membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também estava presente e se juntou à mesa. A mediação ficou a cargo de Adriana Ramos, especialista em política e direito socioambiental do ISA.
Kleber Karipuna iniciou a conversa falando sobre o período simbólico do qual trata a mais recente publicação do livro (2017-2022). Para ele, a união entre diferentes frentes da sociedade foi imprescindível para que os desafios desses anos, considerados os mais difíceis para o movimento indígenas e diversas frentes da sociedade, fossem enfrentados.
“Nós conseguimos superar esses quatro anos justamente porque juntamos as várias forças aliadas e conseguimos nos reinventar e ter uma resiliência fundamental em um momento crucial da nossa história”, recordou.
Em meio à retomada da política indigenista, a partir da criação do Ministério dos Povos Indígenas e das lideranças indígenas à frente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e outras instituições como a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), Karipuna considera que existem ainda muitos obstáculos a serem ultrapassados.

Para ele, a solução passa, justamente, pela reconstrução desses espaços para efetivação de direitos, e também pela discussão de ideias, como a mesa do evento. "O debate positivo e propositivo de políticas públicas e ações é importante para o desenvolvimento dos trabalhos e políticas como um todo, mas, principalmente, lá na ponta das comunidades e do território", defendeu.
Na sequência, Marcos Kaingang, representante do Ministério dos Povos Indígenas, reforçou a importante missão das lideranças à frente das instituições governamentais. Para Kaingang, esses são espaços ocupados temporariamente e, portanto, devem carregar consigo o compromisso e responsabilidade com as organizações e com o movimento indígena.
Ele complementou ainda que é crucial que as pessoas que hoje ocupam esses cargos deem um retorno e implementem políticas públicas não apenas para, mas junto aos povos indígenas.
Para cumprir essa missão, ele destaca que o trabalho intercultural realizado pelo Ministério novo vai precisar muito de informações qualificadas como a da publicação lançada no evento. “Um livro que é uma ferramenta crucial não só como instrumento de luta para os povos indígenas, como para a sociedade não-indígena em geral. Nós como governo com certeza faremos bom uso dessa publicação”, afirmou.
Samara Pataxó, por sua vez, chamou atenção para acontecimentos que marcaram os últimos seis anos, como em 2017, quando o governo Temer instituiu o Parecer 001/2017, conhecido como “Parecer Antidemarcação” por barrar e anular as demarcações de Terras Indígenas no País, e a sua suspensão em 2020 pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin.
Para a assessora-chefe de Inclusão e Diversidade no TSE, foi a maneira como o movimento indígena se preparou para os momentos de enfrentamento como esses, tanto com as estratégias tradicionais, mas também com mobilização, tentativas e, sobretudo, a partir também da qualificação técnica, foi crucial para construção de uma política regrada a partir do coletivo.
“Acredito muito que aldear a política é sim possível e nós sabemos sim fazer política. Que o nosso futuro seja feito por nós”, conclamou.
Lúcia Alberta, assim como Samara, relembrou os diversos retrocessos que aconteceram nos últimos seis anos. “O governo passado tentou introduzir uma política de integração à força dos parentes. Voltamos à tutela, os processos de demarcação de Terras e de identificação foram totalmente desmontados.

Os retrocessos foram gigantescos”, rememorou. Para ela, fazer a reconstrução da política indigenista tendo indígenas à frente será um desafio muito grande.
“Espero que no próximo ‘Pibão’, venham esses resultados do nosso trabalho nesse processo. Porque agora nós estamos reconstruindo a política indigenista com o olhar, a sensibilidade e o conhecimento dos povos indígenas", finalizou.
Também presente no lançamento, o ministro Luís Felipe Vieira de Mello, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e membro do CNJ, anunciou que o CNJ irá analisar nesta semana uma resolução que abrirá caminhos para que sejam adotadas cotas para indígenas na magistratura no País.
“A maneira como nós podemos enxergar não é apenas por ações afirmativas, mas pelo olhar dos povos indígenas”, destacou.
Encerrando o debate, Márcio Santilli, sócio-fundador do ISA, falou sobre as transições ímpares retratadas pelo livro “Povos Indígenas no Brasil 2017-2022”.
Para ele, a publicação relata a forte disposição de mudanças apresentada pelo movimento indígena que culminou no atual momento vivido, de uma transição de uma política indigenista para uma política indígena.
“Em relação a essa edição, acho que cabe ressaltar algo que traz na capa a representação das mulheres indígenas, e isso não é gratuito. Como as mulheres indígenas nesse período ocuparam espaço e se mostraram tão vibrantes. É uma virada histórica”, celebrou.
Além da mesa, também foi exibido o minidocumentário “Povos Indígenas no Brasil”, que compõe a série de produtos que visam expandir a leitura da publicação, e inclui depoimentos e imagens que ilustram a beleza da diversidade indígena brasileira e as diversas pressões e ameaças enfrentadas pelos povos originários.