Estudo avaliou o acesso a serviços essenciais, os desafios enfrentados pelas comunidades e oferece subsídios ao PNL 2050

O Instituto Socioambiental (ISA) lança nesta terça-feira (02/09) um relatório técnico, no âmbito do Plano Nacional de Logística 2050, sobre a mobilidade e o abastecimento de comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais situadas nos territórios das bacias do Xingu, do Rio Negro e do Vale do Ribeira, regiões de atuação da organização.
O documento tem o objetivo de apoiar o Ministério dos Transportes (MT) na elaboração de políticas públicas voltadas aos meios de transportes das pessoas que moram nestes territórios e que dependem de todos os tipos de modais, como o fluvial, o terrestre e o aéreo.
As informações que compõem o documento foram coletadas entre os meses de março e julho de 2025, por meio da aplicação de um questionário e contou com a participação das equipes técnicas que atuam em mais de 30 territórios nos estados do Mato Grosso e Pará (Programa Xingu), Amazonas e Roraima (Programa Rio Negro) e São Paulo e Paraná (Programa Vale do Ribeira). Além destes, também participaram as equipes que atuam com as economias da sociobiodiversidade e da restauração ecológica.
“Trata-se de um relatório inédito, pois reúne informações de logística e mobilidade dos territórios com o propósito de informar e demandar uma mudança na política pública de transporte para os povos e comunidades tradicionais, além de propor uma agenda positiva de infraestrutura de transportes que defenda os territórios e os modos de vida tradicionais”, afirmou Mariel Nakane, analista na Coordenação de Proteção e Direitos Territoriais (PDT) do Programa Xingu.

De acordo com os técnicos do ISA que participaram do levantamento, a ausência de uma abordagem sistêmica e integrada entre a política de transportes e as políticas sociais, territoriais e de desenvolvimento econômico acentua a exposição dos povos às vulnerabilidades ambientais e socioeconômicas.
Principais resultados
Uma característica marcante dos territórios é a utilização da intermodalidade (transportes fluvial, terrestre e aéreo), conforme as condições climáticas, como ocorre, por exemplo, durante o inverno amazônico com chuvas e cheias nos rios ou no verão, em que a estação é mais seca. Verificou-se que essas condições vêm sendo alteradas com as mudanças climáticas e impactando as condições de navegação dos rios, a mobilidade e o abastecimento das comunidades.
Como alternativa, vem ocorrendo a abertura de novas estradas e a utilização de modais terrestre pelas comunidades, o que acaba possibilitando o acesso de invasores e a exploração ilegal de madeiras e de minérios nos territórios.
Outro exemplo de dificuldade que as comunidades enfrentam no seu deslocamento cotidiano é o fato de não existir transporte coletivo entre o município de Altamira (PA) e as comunidades do entorno, resultando na dependência de caronas para deslocamentos, já que o custo do transporte particular é elevado. Isso ocorre também com o escoamento das produções da sociobiodiversidade de pequena escala de produtos como castanha, borracha, copaíba, óleos, artesanatos, dentre outros.
O levantamento também apontou que as condições dos serviços de transportes disponíveis para os territórios são ruins e perigosas – respostas de 55% dos entrevistados – e apenas 25% consideraram que as condições eram boas e satisfatórias. A duração média do tempo de viagem – com deslocamentos que variam de 6h a mais de 24h de viagem para acesso aos serviços básicos – também foi tema da pesquisa.
Para Estevão Senra, geógrafo do Programa Rio Negro do ISA, o processo de consulta foi bastante interessante, pois é uma oportunidade de apresentar os desafios logísticos do território Yanomami, localizada nos estados de Roraima e Amazonas, onde o acesso das comunidades para os serviços mais básicos ainda depende do modal aéreo, que é bastante complexo.

“Apresentar e dar visibilidade a esses desafios é bem importante, pois acompanhamos as dificuldades no enfrentamento à crise humanitária no território Yanomami, especialmente a partir de 2019. E que, para superá-la, precisaremos de um grande investimento de logística para atender melhor às comunidades e garantir o acesso aos serviços básicos, além de dar condições para que as economias locais possam prosperar”, avaliou.
Dentre as recomendações do ISA, o documento cita a necessidade de ampliar a abordagem do planejamento de longo prazo da política de transporte nacional com a integração das demandas logísticas dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais como uma questão prioritária. Além disso, o Plano Nacional de Logística 2050 precisa incluir um capítulo específico sobre os desafios da logística em territórios tradicionais elaborado de forma participativa com esses grupos.

Processo de elaboração do PNL 2050
No dia 04 de junho de 2025, foi realizada uma reunião sobre Sociobiodiversidade no contexto do Plano Nacional de Logística 2050, promovida pela Subsecretaria de Fomento e Planejamento do Ministério dos Transportes, responsável pela elaboração do PNL 2050, e pela Secretaria de Integridade Pública e Secretaria Federal de Controle Interno da Controladoria Geral da União (CGU), com a participação de mais de 20 organizações da sociedade civil, no Auditório da Controladoria Geral da União, em Brasília.
O objetivo da reunião foi discutir os desafios e as oportunidades para a logística das cadeias produtivas da sociobiodiversidade e para a mobilidade e o abastecimento de povos e comunidades tradicionais no PNL 2050, que está em fase de elaboração até o final do ano.
No relatório divulgado pela sociedade civil sobre o encontro, os participantes alertaram para o fato de que as políticas de transporte no Brasil têm sido historicamente desenvolvidas sob uma perspectiva macroeconômica, priorizando modais e infraestruturas voltadas para a exportação de produtos do agronegócio e da mineração através das ferrovias, hidrovias e rodovias.
As políticas têm ignorado as necessidades de transporte dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, as suas economias da sociobiodiversidade e a produção de restauração ecológica para o desenvolvimento sustentável do país.