Segundo documento encaminhado ao órgão internacional, a administração federal estimula o desmatamento e viola direitos de comunidades indígenas e tradicionais
Na última terça (15), o governo Bolsonaro foi denunciado à Organização das Nações Unidas (ONU) por estimular uma crise ambiental e violar os direitos humanos, em geral, e de populações indígenas e tradicionais, em particular, no país.
De acordo com a denúncia (texto em inglês), o aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia e no Cerrado está fazendo aumentar a violência contra essas comunidades, agrava as mudanças climáticas, ameaça a biodiversidade, a alimentação, a saúde e o acesso à água no Brasil e em outras nações.
Assinam o documento encaminhado ao órgão internacional o ISA, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Conectas Direitos Humanos, o Observatório do Clima e o WWF-Brasil.
O texto foi entregue a cinco relatores especiais da ONU responsáveis pelo acompanhamento de temas relacionados a meio ambiente, direitos indígenas, mudanças climáticas, alimentação, água potável e saneamento, desenvolvimento, moradia, além da coordenadora do grupo de trabalho sobre direitos humanos e empresas. Embora os relatores não possam obrigar o governo brasileiro a agir, eles podem fazer recomendações, o que pode implicar pressão e desgaste políticos.
A multiplicidade de temas reflete a abrangência da denúncia, que cobre os impactos do desmatamento sobre os direitos dos povos indígenas e demais habitantes locais, da população mais ampla no Brasil e na América Latina e das pessoas ao redor do globo.
De acordo com as organizações responsáveis, para garantir o direito a um meio ambiente saudável, a destruição de ecossistemas naturais deve parar imediatamente e os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais precisam ser respeitados. O documento também pede ao governo brasileiro tenha a "maior ambição possível" na sua proposta de corte de emissões de gases de efeito estufa apresentada à ONU, a chamada NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, em português).
A denúncia é mais uma da série com acusações semelhantes e já apresentadas, nos últimos quase quatro anos, a vários órgãos e instâncias internacionais, a exemplo da própria ONU e da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Retomada de políticas ambientais
Ainda segundo o texto divulgado na terça, além de impedir a aprovação de qualquer projeto de lei que estimule ou que facilite o desmatamento, será necessário implementar um plano para combater e prevenir o desmatamento, retomar as ações do Ibama e a implementação das políticas de gestão dos territórios indígenas, reativar o Fundo Amazônia e restabelecer o orçamento do Ministério do Meio Ambiente.
“A retomada e o aperfeiçoamento das políticas socioambientais do Brasil, destroçadas pelo governo Bolsonaro, são medidas que interessam diretamente não apenas à população brasileira, mas ao mundo inteiro”, afirma Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA. “A Amazônia e os demais biomas exercem papel fundamental no combate à emergência climática. É preciso agir agora, ou será tarde demais”, alerta.
"O governo Bolsonaro violou a Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos", reforça Eloy Terena, advogado indígena e coordenador jurídico da Apib. “Os povos indígenas são defensores ambientais. Quando defendemos nossas terras e nossos direitos, estamos defendendo a vida em todo o planeta. Se uma terra indígena é invadida, desmatada, se algum povo indígena é ameaçado ou é alvo de violência, o planeta todo sofre os impactos”, ressalta.
Ponto de 'não retorno'
Os índices de desmatamento da Amazônia, no Brasil, estão próximos a 20%. As taxas de desmatamento sob a gestão Bolsonaro estão em seu nível mais alto em 15 anos.
A denúncia destaca que a Amazônia, maior floresta tropical do planeta, está cada vez mais perto de seu ponto de “não retorno”, situação na qual não conseguiria mais se regenerar. Calculado pelos cientistas justamente entre 20% e 25% de perda da vegetação nativa, esse é o ponto a partir do qual a floresta amazônica perde a capacidade de manter sua composição original e se transforma em um ecossistema mais degradado e menos resiliente.
Além da perda de biodiversidade, essa mudança afeta os serviços ecossistêmicos da floresta, como, por exemplo, os rios voadores, que têm papel-chave no regime de chuvas em todo o Brasil. A liberação de carbono, se esse ponto for alcançado, coloca a meta climática de 1,5 graus do Acordo de Paris fora de alcance.
Esses ataques à floresta e aos povos que vivem nela representam, portanto, riscos reais para a vida da população da América do Sul e do mundo em geral. A Amazônia é fundamental para a natureza global, pois 10% das espécies do mundo são encontradas lá, e também para o clima, sendo responsável pelo regime de chuvas de toda América do Sul, além da regulação do clima global.