Partidos e centrais sindicais contestam retrocessos da nova lei de agrotóxicos, sancionada no fim do ano passado e que viola direitos à saúde e ao meio ambiente
![| Marcelo Camargo / Agência Brasil](/sites/default/files/styles/nsa_meia_coluna/public/2024-08/Marcelo%20Camargo%3DAg%C3%AAncia%20Brasil------------.jpg?itok=MwVBiFRE)
A Lei 14.785/2023, conhecida como “Pacote do Veneno”, é objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada, nesta quarta-feira (14/8), Dia de Combate à Poluição, no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo PSOL, Rede Sustentabilidade, PT, Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar). A iniciativa conta com o apoio técnico e jurídico de organizações socioambientais e movimentos populares.
A ação destaca que a norma, ao enfraquecer a regulamentação de agrotóxicos, viola princípios constitucionais norteadores da administração pública, como legalidade e eficiência, e direitos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde, dos povos indígenas, à vida digna, do consumidor, de crianças e adolescentes, entre outros. Os autores da ADI requerem que seja reconhecida a inconstitucionalidade antes do encerramento do julgamento da ação, por meio de uma medida cautelar.
Jakeline Pivato, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, explica que a lei vai na contramão das reais necessidades de saúde e meio ambiente apontadas historicamente pela sociedade civil organizada.
"Flexibilizar uma lei tornando-a incapaz de proteger o ser humano e o meio ambiente é incentivar a morte. Historicamente, os movimentos, organizações e a sociedade civil têm denunciado os impactos dos agrotóxicos no Brasil. A Lei do Pacote do Veneno traz, para uma realidade já trágica, produtos ainda mais perigosos. Além de limitar a capacidade de ação de nossos órgãos reguladores, como Anvisa e Ibama. Portanto, denunciamos que essa lei fere o direito à alimentação saudável, ao meio ambiente sustentável e a saúde da população brasileira. Nesse sentido, seguimos em luta afirmando sua inconstitucionalidade ", diz Pivato.
Flexibilização da lei
A Lei 14.785/2023 constitui uma mudança profunda na legislação anterior, a Lei 7.802/1989. Na legislação antiga, cabia ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a atribuição conjunta de avaliação, a partir de critérios técnicos e científicos, para a liberação ou veto de registros e fiscalização dos agrotóxicos. Na nova norma, a atribuição tornou-se tarefa exclusiva do Mapa, pasta sob forte influência do agronegócio. Aos demais órgãos cabe apenas a revisão complementar.
O projeto de lei que originou a atual lei do “Pacote do Veneno” é de autoria do ex-senador Blairo Maggi (PP-MT), conhecido como "rei da soja". O projeto contou com intenso lobby do agronegócio e esforço da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). O argumento central era a necessidade de atualização da normativa, pois a legislação então vigente impediria a aprovação de novos registros.
No entanto, apesar desse argumento, o Brasil teve, nos últimos anos, uma escala crescente de novas autorizações de agrotóxicos. Somente no ano de aprovação do “Pacote do Veneno”, 2023, foram 555 novos registros.
Direção contrária à tendência mundial
Além da centralização do processo de liberação de registro no Mapa, a nova lei tem uma definição mais vaga do critério para veto a registros de agrotóxicos com maior grau de toxidade, além de revogar uma série de regras relativas a pagamento de taxas ambientais e dispensa do registro de agrotóxicos para fins de exportação, entre outras medidas.
“[A Lei] vai na direção contrária à tendência mundial de limitação e proibição desse tipo de substância tóxica, aumenta o risco de contaminação ambiental e humana, eleva o perigo de incidência de câncer e outras doenças agudas e crônicas relacionadas à exposição da população brasileira aos agrotóxicos, contamina os ecossistemas nos diferentes biomas brasileiros e põe em risco sobretudo o trabalhador rural e contraria os princípios da prevenção, precaução, agroecologia e do desenvolvimento sustentável”, aponta o documento protocolado ontem.
![Pulverização aérea de agrotóxicos em Pedro de Toledo, Vale do Ribeira (SP) | Maurício de Carvalho Nogueira / ISA](/sites/default/files/styles/large/public/2024-08/Maur%C3%ADcio%20de%20Carvalho%20Nogueira%20-%20%20ISA_0.jpg?itok=S5bu-_m9)
Impactos à saúde e ao meio ambiente
À época da aprovação do projeto de lei pelo Congresso, a Anvisa destacou em nota que a medida, caso fosse implementada, colocava “vidas brasileiras em risco”. Já o Ibama classificou o projeto de lei como um “flagrante retrocesso socioambiental”.
Ao longo da tramitação, a proposta foi repudiada e denunciada por outros órgãos públicos, autoridades nacionais e internacionais, conselhos de direitos e controle social e órgãos do Sistema de Justiça, como Relatorias Especiais da ONU, o Conselho Nacional de Direitos e o Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Desde 2011, o Brasil está no topo do ranking de países que mais usam agrotóxicos. Só em 2022, foram aplicados aqui mais agrotóxicos do que a quantia somada dos Estados Unidos e China – ao todo, 800 mil toneladas , segundo a FAO/ONU. Entre 2010 e 2019, o Ministério da Saúde registrou a intoxicação de 56.870 pessoas por agrotóxicos no país.
“Considerando a expressiva subnotificação nesses casos, da ordem de 1 para 50, o número é potencialmente bem maior, podendo chegar a 2.843 milhões de pessoas intoxicadas por agrotóxicos no país”, aponta a ação. Os autores ainda destacam o alto risco de registros e uso de agrotóxicos com potencial cancerígeno.
A ADI ainda destaca a vinculação do uso de agrotóxicos à produção de commodities, como soja e milho, e não de maneira genérica a alimentos das famílias brasileiras como é presente no discurso do agronegócio. Outro destaque é o impacto ambiental. “Já é fartamente documentado que esse tipo de produção agropecuária gera desmatamento e, consequentemente, contribui para as emissões de GEE [gases de efeito-estufa]”, enfatizam os autores.
“A Ação Direta de Inconstitucionalidade elaborada pelos partidos políticos em conjunto com organizações da sociedade civil e movimentos sociais traz medidas justas e necessárias", afirma Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima. “A nova lei dos agrotóxicos contém um conjunto de retrocessos inaceitáveis. Não há como aceitar a inconsequente flexibilização de regras e o enfraquecimento do controle governamental que ela impõe”, completa.