Oficina anual em São Gabriel da Cachoeira discutiu novos formatos e gerou documento que organiza estrutura do coletivo de comunicação
A Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, que atua há cinco anos na região do Médio e Alto Rio Negro, no Amazonas, está crescendo e agora foca no seu fortalecimento e na exploração de diferentes formatos de comunicação.
Após dias intensos de trabalho na V Oficina de Comunicação, que aconteceu de 23 a 27 de janeiro na sede do Instituto Socioambiental (ISA) em São Gabriel da Cachoeira, comunicadores de várias etnias – como Wanano, Tukano, Baré, Hupda, Yanomami, Baniwa – aprovaram uma Carta de Princípios, documento que organiza a estrutura do coletivo de comunicação indígena.
Durante o encontro, foram abordadas as diversas formas de comunicação utilizadas na região, desde a rádio-poste até o TikTok, passando pelo podcast. Também foram foco de conversas segurança digital, contexto e fortalecimento da política indígena e comunicação como forma de proteção do território.
Veja como foi o encontro da Rede Wayuri:
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Um dos convidados da oficina da Rede Wayuri foi Denilson Baniwa, considerado um dos principais artistas contemporâneos do país. Nascido em Barcelos, na região do Rio Negro, ele teve uma conversa inspiradora com os comunicadores, comparando o ofício da comunicação à construção de barcos, trabalho de extrema utilidade no Rio Negro, já que os caminhos – e a comunicação – se dão pelos rios.
“Comunicação é tão importante quanto saber consertar um barco. São ferramentas e conhecimentos diferentes e que têm a mesma importância para a nossa sobrevivência, nossa luta, nosso movimento”, disse.
Na abertura do encontro, o benzimento do conhecedor Luiz Laureano, do povo Baniwa, marcou o início dos trabalhos. Logo após a cerimônia, foi lançado o documentário Wayuri – sobre os cinco anos iniciais da rede. As imagens – muitas feitas pelos comunicadores – mostram rostos e vozes dos comunicadores indígenas que navegam pelas águas do Rio Negro e pelos mais diversos meios de comunicação levando adiante cultura e informações.
O filme também mostra as atividades da rede durante a pandemia da Covid-19, o que rendeu à Wayuri o título de herói mundial da comunicação, concedido pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
Além disso, foi feita a entrega do Prêmio Estado de Direito 2022, do World Justice Project (WJP), concedido na cidade de Haia, na Holanda, e que chegou agora às mãos dos comunicadores. O diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo Baré, e a diretora da Foirn, Janete Alves, fizeram a entrega do prêmio a Cláudia Wanano e a outros comunicadores da sede e das bases.
Já o comunicador Ray Baniwa, que integra a Rede Wayuri desde a sua criação, falou sobre a sua trajetória e das conquistas do coletivo de comunicação. Ele criou a identidade visual da V Oficina de
Comunicação.
Governança
Criado coletivamente, o documento de governança da Rede Wayuri segue a forma de trabalho da rede, que traz essa característica no próprio nome. Em nheengatu – uma das línguas faladas no Rio Negro – Wayuri quer dizer “trabalho coletivo”.
“Sinto que a Rede Wayuri está amadurecendo e caminhando para fazer vários tipos de trabalho com a participação dos comunicadores. E, para a gente acolher esses novos projetos, precisamos de estrutura e do documento de governança”, afirmou Cláudia Ferraz, do povo Wanano, comunicadora e coordenadora da Rede Wayuri.
Uma versão inicial do documento de governança foi elaborada ao longo de 2022 pelos comunicadores da Rede Wayuri – com parceria do ISA e apoios dos Repórteres Sem Fronteiras. Depois de o documento ser lido e debatido, recebeu as sugestões trazidas pelos comunicadores.
Durante os debates, os comunicadores mostraram que querem uma rede que realmente represente os 23 povos indígenas do Rio Negro e propuseram, por exemplo, que o documento tenha pontos sobre a produção de conteúdo nas línguas indígenas e equidade étnica e de gênero na composição do coletivo e nas oficinas.
O articulador e comunicador Hélio Lopes, do povo Tukano, trouxe a preocupação sobre a participação dos povos Hupda, considerados de recente contato. “Esse povo fica em áreas mais distantes, mas devemos nos organizar para possibilitar a participação deles”, disse.
A Carta de Princípios foi encaminhada à Foirn, que avaliará o documento em consulta ao Conselho Diretor. A Rede Wayuri está vinculada à Foirn e tem parceria do ISA.
Na oficina – realizada pelo ISA em parceria com a Foirn – participaram cerca de 70 comunicadores e colaboradores das áreas urbanas de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos e das comunidades em áreas das coordenadorias regionais da Foirn: Diawii, Coidi, Nadzoeri, Caimbrn e Caibarnx.
Comunicação diversa
Nesta edição do encontro, os próprios comunicadores tiveram a oportunidade de dar uma oficina. Apoiados pela geógrafa Jéssica Lozovei, os indígenas Irinelson Piloto, Tukano, Plínio Guilherme, Baniwa, e Josy Pereira, Tariano, repassaram seus conhecimentos em uma oficina de rádio-poste, equipamento montado com megafone e bastante utilizado nas comunidades.
Foi lançado um manual de rádio-poste, também elaborado em conjunto com os comunicadores. O equipamento usado na oficina foi doado para a coordenadoria Caibarnx, a única que ainda não contava com esse equipamento em sua área de abrangência. A escolha foi feita em votação em assembleia.
Plínio Baniwa, que faz parte da rede desde o início, repassou conhecimentos para outros comunicadores, sobretudo os mais jovens. “Nós, que participamos da Rede Wayuri há mais tempo, estamos vendo jovens chegando. Isso quer dizer que estamos avançando”, comemorou.
Liderança jovem do povo Desana, Adelina Sampaio conduziu uma oficina sobre grafismo – importante forma de comunicação para os povos do Rio Negro. “Esses grafismos significam alegria e são utilizados em momentos festivos”, explicou.
Para enriquecer as discussões, o influenciador digital indígena Christian Wariu, do povo Xavante, falou sobre seu trabalho e deu uma oficina sobre vídeos para as redes sociais.
Christian Wariu também trouxe sua experiência nas redes sociais. “Muitos criadores de conteúdo, comunicadores, influenciadores, estão em torno de uma coisa muito vazia que é a influência de números: quem tem mais seguidores. Eu acho que os comunicadores indígenas têm uma visão diferente [pois estão dedicados à] utilização dessas ferramentas em prol de algo, seja em prol do movimento, da divulgação da própria cultura ou da denúncia de ameaça a seus territórios”, refletiu.
Em sua oficina, Wariu orientou os comunicadores a produzirem pequenos vídeos para o TikTok, abordando todo o processo, como construção de roteiro, gravação e edição. Os grupos produziram vídeos com temas sobre a cultura, projetos e vivências locais.
Parceiros
A realização da V Oficina da Rede Wayuri teve o apoio da GIZ (Cooperação Internacional Alemã) e a presença da assessora técnica da organização, Sarah Flister, que trouxe à discussão temas como segurança digital e comunicação para defesa dos territórios, mostrando ferramentas tecnológicas que podem ser utilizadas como recurso pelos povos indígenas.
Um dos projetos apresentados foi o Territórios Vivos, que tem entre suas propostas a divulgação de informações por meio da Plataforma de Territórios Tradicionais. Flister também apresentou a plataforma DEK, que possibilita a identificação de conteúdos digitais de segurança duvidosa, combatendo as fake news e outros problemas.
O encontro também foi acompanhado pela Diálogo Brasil, instituição que apoia a Rede Wayuri com o projeto Jornada de Comunicação para Organizações Indígenas, focado em redes de comunicação indígena. “A Rede Wayuri é modelo e inspiração para outras redes, por ter uma estrutura estabelecida há cinco anos e por atuar em território extenso”, disse Dirce Quintino, da Diálogo.
Jornalista, podcaster e à frente da produtora Vem de Áudio, Letícia Leite, que acompanha a Rede Wayuri desde a sua criação, também participou da oficina pela Diálogo Brasil. Ela conversou com os comunicadores sobre o formato podcast e trouxe reflexões sobre o cenário da política indígena no país, com a mudança de governo e a criação do Ministério dos Povos Indígenas.
Um exemplo de podcast citado é o da Sumaúma, agência de comunicação com foco na defesa da Amazônia e de seus povos. O programa é ancorado pela comunicadora da Rede Wayuri, Elizângela Baré.
“Na Sumaúma eu trabalho com jornalistas que são formados, fizeram faculdade. Mas nós também somos graduados nas nossas histórias, nos nossos mitos, nosso território, nosso lugar de origem”, disse em conversa com os comunicadores.
Jornalista da Unicamp, Juliana Sangion conversou com os estudantes sobre vestibular indígena e sobre o podcast Ecoa Maloca, desenvolvido pelos universitários indígenas.
Quem faz a Rede Wayuri
Atualmente, a principal produção da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas é o programa de rádio semanal Papo da Maloca, que vai ao ar na FM 92,7, de São Gabriel, com produção e locução de Cláudia Ferraz e Juliana Albuquerque, do povo Baré. Em seguida, o programa é editado por Cláudia Wanano e fica disponível nas plataformas de áudio como o podcast Wayuri.
Os comunicadores Adelson Ribeiro, do povo Tukano, Irinelson Piloto, do povo Tukano, e Álvaro Socot, do povo Hupda, apoiam essa e outras produções. A Rede também produz conteúdo para o Instagram, onde se concentrou a cobertura ao vivo da eleição presidencial em São Gabriel da Cachoeira.
Em 2022, outro destaque foi a participação dos comunicadores em intercâmbios, entre eles os realizados com apoio da organização RSF.
Até ano passado, a Rede Wayuri contava com cinco bolsistas atuando a partir de São Gabriel da Cachoeira e com cerca de 50 voluntários. A partir deste ano, a rede ampliará o número de bolsistas atuando no território indígena e em área urbana, se aproximando cada vez do seu trabalho colaborativo com os voluntários.