Enfraquecimento de políticas e desmonte de órgãos ambientais foram algumas das principais estratégias usadas contra áreas protegidas, mostram autores do ISA em nova publicação

Diante da possibilidade de fim da era bolsonarista, os retrocessos socioambientais do atual governo são uma herança que precisará ser revertida caso o Brasil não queira continuar sendo exemplo de uso insustentável dos recursos naturais. Como proteger quando a regra é destruir, nova publicação do Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a editora Mil Folhas que será lançada nesta sexta-feira (07/10), traz um panorama sobre as ameaças do enfraquecimento das políticas de proteção ambiental e lança perspectivas e estratégias para reverter a realidade criminosa à qual as Unidades de Conservação (UCs) no Brasil foram submetidas.
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Entre os 23 artigos de especialistas que compõem o livro, “A desconstrução das políticas de proteção das Unidades de Conservação", dos pesquisadores do ISA Antonio Oviedo e Nurit Bensusan e do assessor jurídico do ISA, Maurício Guetta, denuncia o método adotado pelo atual governo para promover o desmonte da proteção ambiental no país.
Os pontos mais cruéis desse roteiro de destruição apontam para o estímulo à ilegalidade ambiental por meio da baixa fiscalização e a edição de novas normas que esvaziaram as políticas ambientais. No mesmo sentido, foram criados projetos de lei que facilitaram a entrada de atividades de grande impacto, como de infraestrutura, mineração, energia e agropecuária em Unidades de Conservação. Além disso, cortes de orçamento submeteram os órgãos ambientais à inanição.
Logo no primeiro ano do atual governo, em 2019, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles anunciou que anularia todas as 334 UCs federais do país. Isso só não foi possível porque havia uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), implementada em 2018, que impedia diretamente a anulação, ponderando que qualquer alteração deveria ser tramitada por lei específica.
Mesmo com a frustração do plano inicial de anulação das UCs, outras estratégias foram utilizadas para liberar a destruição dessas áreas, como por exemplo a Medida Provisória nº 870, que possibilitou a extinção de diversas estruturas essenciais para a proteção. Entre elas, todas as instâncias de combate ao desmatamento e às mudanças climáticas no Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Além disso, todos os programas do MMA sofreram corte orçamentário. O principal programa orçamentário, “Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade e dos Recursos Naturais”, perdeu mais de R$18 milhões e tinha como meta criar ferramentas e instrumentos de gestão para conservação, monitoramento, recuperação e biodiversidade.
“Hoje as Unidades Conservação só estão protegidas no papel, pois não há ações concretas dos órgãos competentes. A medida provisória, que depois virou lei, conseguiu anular as estruturas governamentais que garantem a existência efetiva dessas áreas, permitindo que a ilegalidade opere livremente", explica Guetta.

A quase-morte das UCs
O corte dos orçamentos em mais de 30% e a baixa execução dos recursos das instituições de proteção ambiental, como a do Ibama e ICMBio, contribuíram para que crimes ambientais fossem instaurados nas áreas protegidas, como o avanço de registros irregulares do CAR, desmatamento e fogo. O ICMBio chegou a ter um corte de R$97 milhões, ou metade do seu orçamento original, se comparado com 2017.
Essa é somente a ponta da herança dos retrocessos. A falta de transparência das informações sobre as UCs e o afastamento compulsório da sociedade civil – com a extinção dos conselhos e impedimento à participação – limitaram a fiscalização do poder público e a gestão das áreas.
Ao longo de duas décadas, as Unidades de Conservação foram garantia de proteção dos biomas brasileiros. Especialmente na Amazônia, as áreas protegidas contribuíram para a redução de 84% do desmatamento entre 2004 e 2012. Por outro lado, nos últimos três anos, diante da diminuição expressiva do combate aos crimes ambientais, o uso predatório dessas áreas compromete o futuro socioambiental do país.

O governo de Jair Bolsonaro consolidou um novo patamar de destruição das áreas protegidas, principalmente na Amazônia. Com base nos dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as UCs federais sofreram um aumento de 130% do desmatamento se comparado com os dados consolidados nos três anos anteriores ao governo Bolsonaro. O garimpo ilegal aumentou 44,2%.
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Além da devastação ambiental nos últimos três anos, a invasão de grileiros foi expressiva. Hoje existem 43 mil imóveis ilegais cadastrados ilegalmente, que sobrepõem mais de 97% da área das Unidades de Conservação. As invasões ganharam força e legitimidade com os discursos presidenciais e a tentativa de aprovação de projetos como o PL da grilagem.
“Enquanto houver uma visão colonial, que troca o conhecimento das populações tradicionais que habitam essas UCs por um aparato tecnocrático e formas de usos insustentáveis, não haverá proteção ambiental das UCs. É preciso forçar um caminho para a mudança dessa agenda”, diz Oviedo.

Para a conservação da biodiversidade seguir outros rumos, defendem os autores do artigo, será preciso ressuscitar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) e as instituições que promovem o combate direto aos crimes ambientais. As populações tradicionais fortemente conectadas às UCs devem participar ativamente na formação e manutenção dos espaços que compõem as UCs.
No artigo, destacam-se três medidas urgentes para reverter o cenário de retrocessos ambientais:
1- Ibama e ICMBio devem retomar as ações de fiscalização ambiental, combate ao desmatamento, incêndios florestais e outras ações criminosas nas UCs;
2- Garantia de dotação orçamentária compatível e de recursos humanos para as ações finalísticas do ICMBio, tais como implementação de instrumentos de gestão e monitoramento;
3- Realizar tais medidas mediante os mais altos parâmetros de transparência, participação pública e controle social.
Além dessas medidas, será necessária a suspensão e anulação de todos os registros do CAR de terceiros em sobreposição às UCs, assim como dos requerimentos minerários que incidem em determinadas categorias de UCs. É fundamental também que as obras de infraestrutura planejadas sejam implementadas somente após cuidadoso estudo de impacto ambiental, garantindo principalmente consulta prévia dos moradores do entorno e populações tradicionais da região.
“Enquanto insistirmos em transformar esse planeta convidativo em um mundo hostil para nós mesmos, não haverá futuro nem país. É essencial recuperar estratégias para proteger a biodiversidade e os modos de vida de povos e comunidades. Mas não basta recuperar as políticas e instituições. Temos que fazer mais: temos que reinventar a conservação para além da visão tecnocrática e colonial”, finaliza Bensusan.
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