Elas Que Lutam! Professora faz da educação uma ferramenta de luta pelo território ribeirinho e pela igualdade de gênero


Givanilda Aguiar Rocha (Gigi), de 39 anos, é professora de alunos com necessidades especiais na comunidade Praia Grande, Reserva Extrativista (Resex) Riozinho do Anfrísio, distante há mais de dois dias de barco da cidade de Altamira (PA).
Criada apenas pela mãe, Dona Francineide, ela precisou trabalhar desde cedo para ajudar a sustentar a família. Em casa, aprendeu a manejar os produtos da floresta, extraindo o óleo do coco e da andiroba, e a fazer artesanato.
Foi apenas em 2016, com 31 anos, que conseguiu cursar o ensino médio por meio do ‘magistério’, um projeto da Universidade Federal do Pará (UFPA) para formação da primeira geração de professores ribeirinhos na Resex.
A lembrança do caminho percorrido é carregada de orgulho, mas também de tristeza. Apesar de ter aprendido a ler e escrever com os familiares, teve dificuldade nos estudos. Quando se formou, ingressou na universidade em Altamira, onde hoje cursa Etnodesenvolvimento.
Gigi conta que para estudar precisou enfrentar o preconceito por ser mulher em um espaço tradicionalmente ocupado por homens.
“Muitas das vezes as pessoas falavam assim ‘Vai para cidade e não vai mais voltar. Não quer saber da família’. E eu não enxergo dessa forma. Eu enxergo que a mulher tem direito de fazer o que quiser. Ela tem direito de estudar. Ela tem direito de trabalhar. Ela tem direito de ir aonde ela quer”.
A professora reconhece que, apesar da sociedade ter conquistado importantes avanços na busca pela igualdade de gênero, essas tensões ainda são bastante latentes. Na faculdade, ela divide o espaço com outras três mulheres, em uma sala de vinte alunos, e conta que viu muitas das colegas escolherem entre o casamento e a faculdade.
“Hoje, graças a Deus, (elas) tão se formando, trabalhando, mas ainda é muito comum essa história, né? [...] Pra chegar onde eu cheguei, a gente sofre. Sofre pelo fato da gente ser mulheres ribeirinhas, da gente ser tradicionais, sabe? Até o jeito da gente falar incomoda algumas pessoas.”
As memórias de sua trajetória de vida são também um sinal alerta para a dificuldade de permanência dos povos e comunidades tradicionais no ensino superior. Para se manter em Altamira, Gigi e uma colega, Luziane Pereira Marques -conhecida como ‘Vovózona’ -passaram fome e contaram com doações de alimentos para seguir os estudos.
No cargo de professora, Givanilda encontrou uma forma de conquistar autonomia financeira para poder terminar a faculdade, e assim realizar um sonho antigo. Com a voz embargada, ela agradeceu pela oportunidade de inspirar as novas gerações da Resex.
“Quando eu penso em tudo que eu passei para chegar onde eu cheguei, eu me emociono muito. Pensar em tudo que eu já passei e hoje poder estar passando essa minha força para as crianças, né? Não tem preço”.
Com a sabedoria de quem reconhece que uma conquista fica ainda melhor quando compartilhada, ela sonha com a criação de um ensino médio dentro do território tradicional, para que a juventude não precise abandonar os estudos ou passar dificuldades em Altamira.
“Se não tiver o ensino médio, todo esse povo que tá saindo do nono ano vai ficar parado. Não tem condição de ir para cidade. Então o meu sonho é que tenha um ensino médio para ele que eles não parem (os estudos)”.
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A luta também ensina

Nas salas de aula da universidade, Gigi se aprofundou no estudo da Constituição e das leis que amparam as populações tradicionais na busca por direitos. Esse conhecimento, somado à memória de tantas lideranças importantes para a comunidade, fortalece a resistência de quem ainda tem muito pelo que sonhar.
Com carinho, ela lembra de Herculano Porto de Oliveira, conhecido como Seu Herculano, primeiro presidente da Associação de Moradores da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio (Amora).
A liderança da comunidade Bom Jardim teve um papel central no período de criação da Resex e recebeu, em 2005, o Prêmio Chico Mendes na categoria Associações Comunitárias.
“Eu me inspiro muito nele. Ele foi uma pessoa que não teve medo de morrer, não teve medo de lutar. E se hoje eu tenho essa formação, eu devo muito a ele”.
Givanilda conta que, apesar de ainda existir pressão contra a comunidade, a entrada de invasores diminuiu bastante em relação ao cenário vivido no início do século, antes da criação da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio.
“A gente foi no rio. Quando chegou lá, a gente se deparou com um barco cheio de arma. Arma de tudo quanto era a qualidade. [...] A gente tentava não ter medo, mas não tinha jeito, né? Era barco por cima de barco, eles vinha e voltava, entrando nos igarapés. A gente não tinha paz”.
Há três anos, ela participou de um encontro de mulheres do Movimento Xingu Vivo para Sempre, no Rio de Janeiro. Gigi relata que a experiência ajudou a dimensionar o desafio enfrentado por lideranças femininas de populações tradicionais em outras partes do país.
“Quando a gente sai daqui para outros territórios, a gente vê que a luta das mulheres são as mesmas. Eu me segurei muito para não chorar. [...] Não é pelo fato de eu ter meu dinheirinho que eu vou ficar acomodada. Eu enxergo que todas nós tem que trabalhar. Eu vou ficar muito orgulhosa de ver outras mulheres, guerreiras, trabalhar e ter sua renda”.
Hoje, ela já não participa de reuniões em outros territórios, mas segue atuando pela defesa das populações ribeirinhas nas salas de aulas da universidade e da escola da comunidade Praia Grande.
Mãe de quatro filhos, Givanilda defende a mobilização das novas gerações de ribeirinhos pelo futuro do Xingu.
“A minha luta é tanto pelo território, como por esses jovens. [...] A gente não tem que ter medo de falar. É direito nosso! A gente tem que perder esse medo de falar e correr atrás dos nossos direitos”.