Encontro reuniu representantes de organizações socioambientais em Belém, cidade que sediará a 30ª Conferência das Partes (COP30), em novembro
“O Papo da RAC”, promovido pela Rede Amazônidas pelo Clima (RAC) e Instituto Socioambiental (ISA), na última sexta-feira (24/10), em parceria com o Canto Coworking, em Belém (PA), reuniu representantes de organizações da sociedade civil para um bate-papo que discutiu, de forma direta com o público, o tema “O que a COP30 tem a ver com a nossa vida?”. O evento foi o terceiro de uma série de debates que vêm aproximando as agendas da COP30 das realidades locais.
Focado nas discussões sobre adaptação e justiça climática, o bate-papo mediado por Isabela Canto, da Rede Amazônidas pelo Clima (RAC), contou com a participação do diretor-geral do Lab da Cidade e representante do Comitê COP30, Lucas Nassar; da analista de políticas climáticas do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana Maia; do coordenador executivo da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), Ronaldo Amanayé; da diretora da Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), Érica Monteiro; e do representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Ivanildo Brilhante.
Para Isabela Canto, o objetivo da RAC é fomentar de forma concreta o debate sobre temas que estão nas conferências globais, mas que muitas vezes parecem distantes da realidade das comunidades amazônicas. “Uma discussão tão rica quanto essa, onde a gente fala de adaptação climática, levando em consideração vários contextos, tanto do contexto urbano, quanto das comunidades tradicionais, local, global, é sempre enriquecedor”, afirmou.
A mediadora do debate também destacou a importância dessa aproximação entre interlocutores de diferentes espaços. “É sempre, pra nós, muito importante receber e fomentar a conexão entre pessoas amazônidas que estão nesses lugares de discussão”, completou.
Linguagem como estratégia de democratização do conhecimento para o debate climático
Para Lucas Nassar, diversas áreas do conhecimento ocidental historicamente colonizadas têm se inspirado nos saberes e fazeres das populações tradicionais como estratégia de mitigação e adaptação climática, como é o caso da arquitetura.
“Um esforço da esperança de entender que existiam e existem povos, tanto os originários, quilombolas, extrativistas e muitos outros, e que mais do que aprender, eles têm a ensinar a gente, porque sabem trabalhar em sintonia com a natureza”, afirmou Lucas Nassar, representante do Lab da Cidade e do Comitê COP30, uma coalizão da sociedade civil criada para fortalecer a incidência das organizações da América Latina em negociações da COP30 a partir do protagonismo amazônico.
Ivanildo Brilhante alertou para o cuidado com as apropriações sobre essas “inspirações” que, muitas vezes, acabam privatizadas em um processo ancorado, inclusive, pelo conhecimento acadêmico. “Cria uma onda nova, um processo novo, e o colonialismo novo é o colonialismo da narrativa, da desculpa do incentivo, um modelo que privatiza o conhecimento. Ela [a universidade] exige um sistema já preparado para isso, sistematizado. É assim que o conhecimento é privatizado. Então pra nós, é nos adaptar a isso, é acessar os códigos da universidade pra gente desconstruir”, explicou o líder extrativista e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas da Universidade Federal do Pará (PPGAA-UFPA).
Assim como Ivanildo, Érica Monteiro, coordenadora da Malungu, destacou a importância de se traduzir os códigos relacionados ao debate climático trazidos pela COP. A liderança quilombola considera que “traduzir” ajuda no entendimento do que são as mudanças climáticas para o seu próprio povo. “A partir de quando eu consegui acessar o espaço da discussão sobre mudanças climáticas, eu entendi que têm outras palavras que podem garantir o entendimento sobre o que são as mudanças climáticas”, afirmou Érica.
“É muito mais fácil de dizer porque os peixes não apareceram mais, ou porque deu pouco camarão, ou porque o açaí ficou caro, então a gente consegue fazer essa tradução dessas palavras técnicas para as palavras locais”, concluiu.
Nenhuma decisão sobre nós, sem nós
Para salvar o planeta, é necessária a implementação de ações, sobretudo governamentais, que consigam resolver as questões ambientais mais urgentes.
De acordo com a analista de políticas climáticas do ISA, Juliana Maia, é latente a necessidade da implementação de planos, programas e ações voltadas à sociedade como um todo, para dar conta da pauta da adaptação climática. No entanto, a analista avalia que ainda existem inúmeros desafios pela frente. “ É fundamental reconhecer e incorporar os saberes tradicionais como base das soluções que precisamos para mitigação e adaptação climática, além de ampliar o acesso a recursos voltados para ações nesse campo. Os países do Sul Global e populações vulnerabilizadas sofrem os efeitos da emergência climática de forma mais intensa.” avaliou.
Como forma de garantir que, além de serem ouvidos, os povos indígenas possam tomar decisões sobre seus territórios e fomentar suas estratégias para a mitigação e adaptação climática, não apenas de seus territórios, mas de todos os amazônidas, Ronaldo Amanayé, diretor executivo da Fepipa, explica que mais de 1.200 indígenas representados pela entidade estão se organizando para participar da COP30 em Belém.
De acordo com ele, o intuito do grupo é reivindicar a efetivação de políticas públicas essenciais para a adaptação e mitigação climática, como é o caso da demarcação das Terras Indígenas. “Estamos lutando para que o Brasil e o mundo entendam que essas demarcações e homologações são essenciais para mitigar esses grandes impactos e para frear as mudanças climáticas”.
O representante da Federação dos Povos Indígenas do Pará também lembrou da importância do financiamento direto para as organizações indígenas e de representação dos povos tradicionais, como forma de garantir condições de execução da gestão ambiental e territorial da floresta. “A gente tá preparado, com algumas propostas, para conversar com os grandes financiadores e chefes de Estado, para que a gente possa pautar isso de uma forma verdadeira, não romantizada, propostas exequíveis para os nossos territórios, para nós, povos indígenas, e para o mundo, para que tenhamos um planeta mais eficiente e equilibrado”, concluiu Ronaldo.
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