Mais de 40 lideranças se reuniram no XIII Encontro Anual de Mulheres Yanomami e descreveram os horrores provocados pelo crime organizado na Terra Indígena Yanomami
“Lula, nós mulheres Yanomami queremos enviar nossa palavra até você. Você está muito longe da Terra Indígena Yanomami, mas sabemos que você vai receber nossas palavras”.
Em carta ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, lideranças femininas reunidas no XIII Encontro Anual de Mulheres Yanomami pedem que o pesadelo provocado pela ação do garimpo ilegal na Terra Yanomami chegue ao fim.
No documento, enviado nesta segunda-feira (12/12), elas indicam a urgência da desintrusão do território, cuja invasão por dezenas de milhares de garimpeiros gera extrema violência – como ataques, estupros e o aliciamento de mulheres – e danos ao meio ambiente que comprometem a caça, a pesca e fazem proliferar doenças como a malária. As mulheres pedem também melhor estrutura de saúde e educação para as crianças.
“Queremos viver na floresta viva e bonita. Nós Yanomami queremos viver novamente na terra sadia, que é a verdadeira terra-floresta Yanomami. Nós queremos que nossas crianças continuem nascendo bem e fortes. Precisamos de sua ajuda para curar a floresta e também os animais que aqui vivem”, diz trecho da carta.
Com o aumento do garimpo, as doenças, os impactos ambientais e a violência dispararam no território indígena. As mulheres relatam que veem mudanças até mesmo nos animais, como nos peixes que parecem estar com “os olhos soltos”.
Segundo dados do Sistema de Monitoramento do Garimpo Ilegal (SMGI), o garimpo avança de forma desenfreada na Terra Indígena Yanomami. Ele ainda indica que, do início deste ano até agosto, a área destruída aumentou mais de 1.100 hectares. Desde dezembro de 2021, houve um aumento de 35% de devastação.
“A floresta está cheia de buracos. Tem muitos garimpeiros na nossa terra. Antigamente tinha água limpa, hoje está muito suja, os rios estão amarelos e já faz tempo que está assim. Estamos com muito medo do que pode acontecer, pois nossa terra está ruim”, relatam.
As mulheres Yanomami também são alvo de violências sexuais, com registros de casos de estupros, assédios e aliciamento de menores. “Quando o garimpo está próximo, nós mulheres ficamos muito preocupadas e andamos com muito medo. Os garimpeiros nos ameaçam e nós não queremos viver assim, queremos viver em paz. Os garimpeiros assediam as meninas e outros querem pagar serviços maritais. Eles querem fazer assim, mas nós mulheres não queremos que nossas filhas e netas sejam entregues e abusadas por essas pessoas”, afirmam.
Os abusos relatados por mulheres foram divulgados no relatório Yanomami Sob Ataque, lançado em abril com um diagnóstico sobre a Terra Indígena Yanomami no ano de 2021.
Encontro
No encontro, que aconteceu na Missão Catrimani e faz parte das celebrações dos 30 anos de demarcação da Terra Indígena Yanomami, 49 participantes de 15 comunidades discutiram ao longo de seis dias a participação feminina no movimento indígena, na política, na saúde e em pesquisas.
O evento foi realizado pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) com apoio do Instituto Socioambiental (ISA) e da Diocese de Roraima.
No primeiro dia, as mulheres começaram a refletir sobre o papel feminino entre os Yanomami. Muitas delas relataram que suas filhas nasceram há 30 anos, com a demarcação do território e chegaram a um consenso: o protagonismo delas aumentou nas últimas três décadas.
“Durante os 30 anos de homologação, as mulheres Yanomami cresceram também como lideranças. Antes, no início da homologação, não tinha encontro das mulheres. Depois, com o tempo, surgiu”, disse a missionária da Diocese de Roraima Mary Agnes.
A ideia de criar encontros de mulheres Yanomami surgiu após algumas lideranças visitarem a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Lá, as mulheres Macuxi realizam eventos assim desde 1999. “As macuxi falaram: ‘façam também seus encontros’. Então pensei: essa palavra é boa, nós também podemos fazer. Eu não fui à toa na terra Macuxi”, disse a anfitriã do evento, Mariazinha Yanomami.
Desde então, os encontros de mulheres Yanomami têm sido espaços para discutir sobre a floresta, para dialogar entre comunidades diferentes e para comunicar problemas, como na saúde.
Comunicação, ciência e os espíritos mitológicos femininos
Apesar da falta de estrutura na saúde e da constante posição de defesa frente ao garimpo ilegal, as mulheres Yanomami também resistem com suas próprias produções. Elas atuam na comunicação fazendo filmes e em pesquisas científicas para entender o próprio ciclo menstrual e de onde vem o costume de produzir cestos.
Durante o primeiro dia de encontro, as Yanomami puderam assistir à prévia de um filme feito por três jovens comunicadoras sobre as típicas pinturas corporais. O material foi produzido durante uma oficina de cinema. Parte dos comunicadores Yanomami também fez as fotos do encontro de mulheres deste ano.
Com o fim da exibição do filme, as mulheres tiveram um pequeno intervalo para almoçar e refletir sobre as discussões iniciadas pela manhã. Seguindo com a programação, as Yanomami puderam falar sobre as próprias pesquisas.
A artista e pesquisadora Ehuana Yanomami investigou o ciclo menstrual das mulheres de seu povo. Ehuana também pesquisou sobre a cestaria, prática comum entre as mulheres Yanomami, e através de desenhos descobriu Mamoruna, um espírito feminino que ensinou a prática de cestaria às Yanomami.
“A princípio eu fiz pesquisa sobre menstruação, conversei com as moko, com as mais velhas. Essa pesquisa eu fiz com a ajuda de outra napë [não-indígena], a Ana Maria. A HAY [Hutukara Associação Yanomami] publicou num livro essa pesquisa, mas não foi traduzida. Como estava sozinha ainda não consegui traduzir, mas podemos traduzir agora. Eu fiz essa pesquisa porque queria saber como era antigamente a menstruação das mulheres”, contou Ehuana.
Com pesquisa, comunicação e os espíritos mitológicos femininos, as mulheres Yanomami começam a olhar para o futuro, pensando nos próximos 30 anos da Terra Indígena Yanomami. Como descrito na carta endereçada ao presidente eleito, os desafios urgentes estão em estruturar a saúde, oferecer educação e retirar os invasores do território para acabar com o garimpo ilegal.